REl - 0600658-78.2024.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2025 00:00 a 26/09/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por ALGEMIRO DO NASCIMENTO, candidato ao cargo de vereador de Estrela/RS, contra a sentença que desaprovou suas contas referentes às eleições municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 1.992,50 ao Tesouro Nacional, em virtude de aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) na contratação de pessoal para atividades de militância e mobilização de rua (ID 46024168). 

A controvérsia concentra-se na contratação de Tatiane Carine Gabriel Voos, ao preço de R$ 1.000,00, e de Isaias Henrique dos Santos, por R$ 992,50, ambos custeados integralmente com recursos do FEFC, cujos contratos estariam em desconformidade com art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...].

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Na hipótese, a sentença considerou os gastos irregulares com os seguintes fundamentos:

Embora intimado para tanto, o candidato não se desincumbiu do ônus de comprovar a efetiva execução do serviço contratado, deixando de trazer aos autos qualquer elemento, além de contrato genérico. Os instrumentos ID n. 126805482  e 126805483 certamente não se prestam para especificar todos os elementos exigidos pela legislação.

Como bem mencionado no relatório técnico, não houve discriminação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da ou da justificativa do preço contratado.

Mais especificamente quanto às horas trabalhadas, vale ressaltar, não há qualquer elemento que as demonstre. A mera menção, nos contratos, à vigência de 10 de setembro a 05 de outubro e ao "horário comercial" preferencial para a execução do serviço certamente não é compatível com o detalhamento exigido pela legislação eleitoral.

A contratação por preço global com tamanha elasticidade de horário caracteriza flagrante infringência à legislação eleitoral e vai de encontro ao princípio da transparência exigido no processo de prestação de contas, sobremodo quando são recebidos recursos públicos para a empreitada.

Desta forma, por não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, mostra-se irregular o montante de R$ 1.992,50, passível de devolução ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º da Resolução TSE n. 23.607/2019.

 

Nada obstante as relevantes considerações expostas na sentença, julgo que as impropriedades verificadas nos contratos de IDs 46024140 e 46024141 não justificam o juízo de desaprovação das contas e a ordem de recolhimento da correspondente quantia ao Tesouro Nacional.

Os contratos estipulam a prestação “dos serviços de CABO ELEITORAL (PLANFETAGEM)”, “pelo período de 10.9.2024 até 05.10.2024”, “na Cidade de Estrela/RS, nos bairros Imigrante, Oriental, Estados, Industrias e Boa União”.

Desse modo, considerando que o objeto da contratação envolve serviços de distribuição de panfletos em vias públicas, estão suficientemente identificadas as pessoas contratadas, as atividades a serem desenvolvidas, os locais de atividade e o período de prestação dos serviços.

Cumpre destacar que o candidato recebeu doações estimáveis em dinheiro consistentes em 5.000 unidades de santinhos e 5.000 unidades de colinhas, provenientes da candidata ao cargo majoritário, conforme registrado na prestação de contas (ID 46024133), o que reforça a necessidade da contratação de pessoal para atividades de panfletagem e a compatibilidade do gasto com a realidade da campanha.

Sobre a carga horária diária, especificada como “horário comercial”, usualmente tomado como a jornada de 8 horas cumprida entre 8h ou 9h às 18h, de segunda a sexta-feira, entendo que a enunciação permite a compreensão mínima sobre as horas trabalhadas, na esteira de precedentes deste Tribunal em casos semelhantes:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. GASTOS COM PESSOAL. INSUFICIÊNCIA DE INFORMAÇÕES. FALHA MERAMENTE FORMAL. RECURSO PROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso eleitoral interposto por candidato ao cargo de vereador, nas Eleições de 2024, contra sentença que desaprovou suas contas de campanha.

[...].

3.1. A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 35, § 12, exige a identificação das pessoas prestadoras de serviço, os locais de trabalho, as horas trabalhadas, a especificação das atividades executadas e a justificativa do preço contratado.

3.2. No caso concreto, os contratos juntados pelo recorrente atenderam à maioria dos requisitos legais, faltando apenas a indicação precisa da carga horária, a qual pôde ser inferida pela menção ao horário comercial constante do contrato padrão, que ainda previa a possibilidade de horas extras mediante remuneração adicional.

3.3. A jurisprudência deste Tribunal já reconheceu que a ausência de um único requisito formal nos contratos de prestação de serviços de militância não obsta a fiscalização pela Justiça Eleitoral, sendo passível de ressalva.

3.4. Reforma da sentença. Considerando que os demais requisitos estavam satisfeitos e que os elementos constantes dos autos permitiram aferir a regularidade das despesas, reputa-se a falha como meramente formal, não havendo motivo para manter a desaprovação das contas ou a ordem de recolhimento ao erário.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso provido para aprovar as contas com ressalvas e afastar a ordem de recolhimento.

Tese de julgamento: "A ausência de indicação expressa da carga horária nos contratos de prestação de serviços de militância, quando suprida por outros elementos que demonstrem a regularidade da despesa e permitam a fiscalização da Justiça Eleitoral, configura falha meramente formal, apta a ser superada com a aprovação das contas com ressalvas."

 Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, art. 35, § 12.

 Jurisprudência relevante citada: PRE/RS, PC n. 0603030-34.2022.6.21.0000.

 RECURSO ELEITORAL nº060040522, Acórdão, Relator(a) Des. Volnei Dos Santos Coelho, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/06/2025. Grifei.

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. DESPESAS ELEITORAIS PAGAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. SERVIÇOS DE MILITÂNCIA. CONTRARIEDADE AO DISPOSTO NO § 12 ART. 35 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. IRREGULARIDADES PARCIALMENTE SANADAS. FALHA REMANESCENTE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. CÓPIA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. DESAPROVAÇÃO.

 1. Prestação de contas de candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

   2. Identificadas inconsistências relativas a despesas eleitorais pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, consistentes na contratação de pessoal para prestação de serviços de militância. Contrariedade ao disposto no § 12 art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19.

   3. Irregularidades parcialmente sanadas. Apresentação de contratos firmados entre o candidato e prestadores de serviços, em atendimento ao disposto na citada norma. Ainda que não constem especificamente as horas trabalhadas, restou indicado que os serviços seriam realizados preferencialmente no horário comercial e que poderiam ser prestados em horários extraordinários, mediante remuneração complementar.

[...].

PCE nº 060274019, Acórdão, Relator Des. Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/09/2023. Grifei.

 

Além disso, a Resolução TSE n. 23.607/19 não impõe que os contratos de pessoal sejam estabelecidos com fixação de preço por hora ou dia de trabalho, não existindo impeditivo normativo para a pactuação de um valor global por todo o período contratado.

Nota-se também que os valores contratados, R$ 992,50 e R$ 1.000,00, são compatíveis com os parâmetros de mercado para a prestação de serviços por cerca de 19 dias úteis (10.09 até 5.10), resultando em pouco mais de R$ 50,00 de retribuição a cada dia trabalhado, o que reforça a plausibilidade da contratação.

Além disso, a diferença de valores entre os contratos firmados com os prestadores de serviços Tatiane Carine Gabriel Voos (R$ 1.000,00) e Isaias Henrique dos Santos (R$ 992,50), ambos para atividades de panfletagem, representa ínfimos R$ 7,50. Essa variação mínima não revela qualquer indício de desvio de finalidade, fraude, superfaturamento, direcionamento indevido ou afronta aos princípios da economicidade e da impessoalidade, que regem a administração dos recursos públicos, inclusive os oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Ademais, não há indício algum de que a contratação seja irregular e, conforme leciona Rodrigo López Zilio, as disposições previstas no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 preveem detalhamento consistente em "uma manifestação meramente declaratória do prestador de contas" (Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022, p. 570), o que permite seu suprimento pelos demais elementos extraídos dos autos e pela observação do que ordinariamente ocorre em situações semelhantes.

À luz de tais considerações, constato que a documentação, embora apresente falhas formais em relação às exigências do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, não evidencia irregularidades capazes de comprometer a confiabilidade das contas ou que indiquem a prática de fraude ou a má aplicação de recursos públicos, de modo que suficiente a aposição de ressalvas sobre a contabilidade, sem a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de ALGEMIRO DO NASCIMENTO, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.