HCCrim - 0600276-17.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2025 00:00 a 26/09/2025 23:59

VOTO

Cuida-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado por LUCAS CARVALHO FIEBIG (OAB/RS n. 118.881) e CARLITO IASSERO FORTES (OAB/RS n. 85.416) em favor de MARCELO DUARTE DO AMARAL, DEJAVAN VATIESCO MACHADO DUARTE, LEONIDAS VIEIRA DA SILVA JUNIOR, LIDIANE SILVA DE SOUZA, ADRIANE CATARINA DOS SANTOS e DILSON DUARTE DE DUARTE, denunciados nos autos da Ação Penal Eleitoral n. 0600454-40.2020.6.21.0032, pela suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 348 e 353 do Código Eleitoral, apontando-se como autoridade coatora o Juízo da 032ª Zona Eleitoral de Palmeira das Missões/RS.

No caso, o alegado constrangimento ilegal decorre do indeferimento judicial, em audiência realizada em 16.7.2025, do pedido de remessa dos autos à instância superior do Ministério Público, após negativa de proposta de acordo de não persecução penal (ANPP) pelo Promotor de Justiça Eleitoral.

As questões fáticas estão assim explicitadas nos fundamentos da impetração:

3. Na petição de ID-127443798, a defesa dos pacientes postulou a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral para oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal, tendo em vista que nunca fora oportunizado tal acordo aos réus.

Na audiência do dia 16 de julho de 2025, após a abertura, a Promotora de Justiça Eleitoral, por meio do vídeo ID-127446110 manifestou-se contrária ao oferecimento do ANPP, alegando, em síntese que, não ofereceria o instituto em razão de entender incabível a oferta, em razão do não preenchimento do requisito formal da confissão, bem como por não entender ser o instituto suficiente para prevenção do crime, além do concurso de crimes e agentes, em razão da alteração de documentos público; bem como que, pela soma das penas dos 10 fatos, ultrapassa o limite de quatro anos, requisito objetivo.

Pelo Magistrado, no mesmo vídeo de ID-127446110, em que acolheu a manifestação do MPE e deu prosseguimento ao feito, assim fundamentando: “SEM PREJUÍZO DE EVENTUAL REANÁLISE EM EVENTUAL RECURSO POSTERIOR DE APELAÇÃO, ENFIM, O QUE ENTENDER A DEFESA CABÍVEL...”.

Posteriormente, na mesma audiência do dia 16/07/2025, a defesa requereu e fora constado no termo de audiência (ID-127445853), remessa dos autos à Instância Superior, com fundamento no Art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal.

 

Ocorre que, na denúncia oferecida, o Promotor de Justiça Eleitoral registrou expressamente que “deixa de oferecer aos denunciados o acordo de não persecução penal, uma vez que não confessaram formal e circunstancialmente a prática das infrações penais, o que constitui óbice previsto no art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal” (ID 46060256, fl. 95).

No termo relativo à segunda audiência de instrução e julgamento, de 16.7.2025, constou o seguinte (ID 46060264, fls. 142-143):

Insta referir que, quanto ao pedido da defesa de oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal, segue em anexo o vídeo da manifestação de indeferimento pelo Ministério Público, bem como decisão por este juízo, qual acolheu o parecer do ente ministerial e indeferiu o requerimento da defesa.

Posteriormente, a defesa requereu a remessa à Instância Superior, com fundamento no Art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal. Por este juízo indeferia o pedido, visto que descabida sem qualquer arguição em defesa prévia pela defesa, bem como em audiência retro sequer houve manifestação, pelo qual mantenho a presente solenidade para as oitivas das testemunhas arroladas pelas partes.

 

De fato, o art. 28-A, § 14, do CPP prevê a possibilidade de o investigado requerer a remessa dos autos à instância superior do Ministério Público nos casos de negativa de proposta de ANPP, litteris: 

Art. 28-A. (...).

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

Na hipótese, o Magistrado da origem indeferiu o requerimento com base na preclusão, “visto que descabida sem qualquer arguição em defesa prévia pela defesa, bem como em audiência retro sequer houve manifestação”. 

Com efeito, os réus tomaram conhecimento da recusa ministerial e seus fundamentos com a citação, desde quando se abriu a oportunidade de requererem ao Poder Judiciário a remessa dos autos ao órgão superior ministerial.

Nessas circunstâncias, a doutrina aponta que cumpre ao denunciado requerer a aplicação do art. 28-A, § 14, do CPP na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos, ou seja, no prazo de resposta à acusação, sob pena de preclusão.

Nessa linha, Rodrigo Leite Ferreira leciona:

Uma vez oferecida denúncia pelo Membro do Ministério Público, com a respectiva recusa em propor o acordo de não persecução penal, a defesa poderá requerer ao Juiz a remessa dos autos ao órgão superior de revisão do Ministério Público, para analisar a negativa do Promotor ou Procurador de 1º Grau. [...]. Desse modo, nos parece que a melhor solução seria entender que o pedido ao juiz de remessa dos autos ao órgão de revisão do Ministério Público deverá ser feito por ocasião e no prazo da resposta à acusação, prevista nos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal. (CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira, Manual do Acordo de Não Persecução Penal. Salvador, ed. Juspodivm, 2020, p. 167-173, grifei).

 

Igualmente, a obra Vinicius Gomes de Vasconcellos analisa a adoção desse entendimento pela jurisprudência do STJ:

O STJ tem decidido que “na legislação vigente atualmente que permanece em vigor não existe a obrigatoriedade do Ministério Público notificar o investigado em caso de recusa em se propor o acordo de não persecução penal”. Assim, “caso seja recebida a denúncia, será o acusado citado, oportunidade em que poderá, por ocasião da resposta a acusação, questionar o não oferecimento de acordo de não persecução penal por parte de Ministério Público e requerer ao Juiz que remeta os autos ao órgão superior do Ministério Público, nos termos do art. 28, caput, e 28-A, § 14, ambos do CPP”. Portanto, adota-se a postura de que não é obrigatória a intimação do imputado quanto ao não oferecimento do ANPP, mas nesse caso isso poderá ser questionado pela defesa na resposta à acusação, mesmo após o início do processo.

Não há um prazo previsto na legislação para o exercício do direito à revisão ministerial em relação à recusa do ANPP. Contudo, em normativas internas, alguns MPs têm adotado um limite temporal, a partir da comunicação da decisão do representante ao autor do fato. Por exemplo, no Ato PGJ 989/2020 do MPPI, define-se prazo de cinco dias a partir da comunicação da recusa. Além disso, há quem sustente que, em analogia ao art. 28, § 1º, CPP (dispositivo que está com vigência suspensa por decisão cautelar do STF), o prazo seria de trinta dias.

Tendo em vista que não há prazo legalmente determinado de modo específico, pensa-se que, caso a recusa seja apresentada pelo MP ainda na fase investigativa, a defesa pode se posicionar quanto a ela até o momento de sua primeira manifestação processual (ex. resposta à acusação). Nesse sentido, decidiu o STJ que “deve prevalecer o entendimento de que o pedido deve ser apresentado na primeira oportunidade dada à defesa para se manifestar nos autos, que, no caso do rito comum ordinário, ocorre com a resposta à acusação (art. 396 do Código de Processo Penal)”. (Vasconcellos, Vinicius Gomes de. Acordo de não persecução penal [livro eletrônico]. 2. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. EPub, grifei)

 

Com efeito, recentes julgados da Quinta e da Sexta Turmas do STJ confirmam a compreensão de que o denunciado deve requerer a medida prevista no art. 28-A, § 14, do CPP na primeira oportunidade de manifestação nos autos do processo, sob pena de preclusão consumativa:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP. PRECLUSÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DA RES FURTIVA SUPERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO. SÚMULA 7/STJ. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REEXAME DE CAPACIDADE ECONÔMICA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME

[...]

III. RAZÕES DE DECIDIR

A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a ausência de arguição sobre o cabimento do ANPP, na primeira oportunidade pela defesa, após o comparecimento do réu aos autos e o prosseguimento do feito, acarreta a preclusão da matéria, máxime se a denúncia foi recebida sob a égide da Lei n. 13.964/2019. [...].

IV. DISPOSITIVO E TESE

Agravo regimental desprovido.

Teses de julgamento: 1. Opera-se a preclusão quanto ao pleito de Acordo de Não Persecução Penal se a defesa, ciente da ação penal em curso após a vigência da Lei nº 13.964/2019, não suscita a matéria na primeira oportunidade, vindo a fazê-lo apenas em fase recursal avançada. [...].

(AgRg no REsp n. 2.201.426/RS, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 20/8/2025, DJEN de 26/8/2025.) Grifei.

 

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTELIONATO MAJORADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INADMISSIBILIDADE. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. NÃO CABIMENTO. ANPP. RECUSA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, ORDEM DENEGADA.

[...].

7. Não houve violação do art. 28-A, §14, do CPP, pois após manifestação contrária do Ministério Público Federal à oferta de acordo de não persecução penal, a defesa foi devidamente intimada e nada requereu.

IV. Dispositivo e tese

8. Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, ordem denegada.

Tese de julgamento: "[...]. 3. A defesa deve requerer a remessa dos autos ao Conselho Superior do Ministério Público após a negativa de oferta do ANPP, sob pena de preclusão."

Dispositivos relevantes citados: CP, art. 171, §3º; Lei 9.099/1995, art. 89; CPP, art. 28-A, §14.

Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 818.673/SC, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 29/5/2023; STJ, AgRg no HC 871.088/SP, Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 29/2/2024.

(HC n. 930.635/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025.) Grifei.

 

Com essa mesma orientação, colho julgados de outros Tribunais:

PENAL. DESCAMINHO. ART. 334, §1º, IV, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NÃO OFERECIMENTO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. DOSIMETRIA. REAVALIAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. AUSÊNCIA DE INTERESSE. ATENUANTE PELA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA PROVISÓRIA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. REPERCUSSÃO GERAL. PENA SUBSTITUTIVA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. MANUTENÇÃO. AFASTAMENTO DA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR E RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO APREENDIDO. NÃO CONHECIMENTO. 1. O apelante ostenta outros registros administrativos de recorrência da conduta. Assim, se houvesse o oferecimento do acordo de não persecução penal, haveria o descompasso com o art. 28-A, § 2º, inciso II, do CPP. Além disso, diante da negativa de oferecimento do ANPP por ocasião da denúncia, caberia à defesa requerer a remessa dos autos à instância revisora do MPF, nos termos do art. 28-A, § 14, c/c o art. 28, ambos do CPP, medida essa que não foi adotada, preclusa a questão. [...].

(TRF4, ACR 5004579-19.2022.4.04.7005, 7ª Turma, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, julgado em 19/11/2024) Grifei.

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 14 DA LEI 10.826/03. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRELIMINAR. NULIDADE DO FEITO POR AUSÊNCIA DE OFERTA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). AUSENTE IMPUGNAÇÃO DEFENSIVA TEMPESTIVA. MATÉRIA PRECLUSA. REJEIÇÃO. MÉRITO. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONFISSÃO DO RÉU. CONDENAÇÃO MANTIDA. APENAMENTO IRRETOCÁVEL. I - O art . 28-A, § 14, do CPP possibilita que o denunciado impugne eventual recusa ministerial em ofertar o ANPP, requerendo a remessa dos autos ao Órgão Superior do Ministério Público para reexame, desde que o faça na primeira oportunidade de falar nos autos, que corresponde ao ato da resposta à acusação, sob pena de preclusão. Precedentes do STJ e desta Câmara Criminal. [...]. RECURSO IMPROVIDO.

(TJ-RS, Apelação Criminal, Nº 50033950920218210004, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator.: Rogerio Gesta Leal, Julgado em: 18-04-2024) Grifei.

 

Compulsando os autos eletrônicos da Ação Penal Eleitoral n. 0600454-40.2020.6.21.0032, verifica-se que os réus silenciaram sobre o tema nas respostas apresentadas à acusação (ID 46060263, fls. 203-2025, 210-212, 238-239 e 260, e ID 46060261, fl. 32), bem como nada manifestaram na oportunidade da primeira audiência de instrução de julgamento, ocorrida em 15.4.2024 (ID 46060261, fls. 298-299).

Somente após aprazada a segunda audiência em continuidade da oitiva de testemunhas, sobreveio a petição dos réus impugnando os termos da denúncia em relação à ausência de proposta de acordo e requerendo o cancelamento da solenidade designada para 16.7.2025, bem como o oferecimento de ANPP pelo Promotor de Justiça ou, em caso de recusa, a remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público (ID 46060264, fls. 24-27).

Ora, nos termos da doutrina e da jurisprudência referidas, se a defesa discordava da opção ministerial pelo não oferecimento do ANPP, deveria ter se valido do procedimento previsto no art. 28-A, § 14, do CPP no momento processual oportuno, o que não fez, operando-se a preclusão.

Com as devidas vênias, o precedente trazido no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que opina pela concessão parcial da ordem, retrata caso no qual o requerimento ocorreu, justamente, por ocasião da resposta à acusação, situação distinta do caso em tela.

A extemporaneidade defensiva quanto à providência do art. 28-A, § 14, do CPP impede que se reconheça nulidade ou constrangimento ilegal na decisão que recebeu a denúncia ou que indeferiu a remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público Eleitoral, uma vez que alinhadas ao entendimento do STJ sobre a matéria.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela denegação da ordem.