REl - 0600553-71.2024.6.21.0031 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/09/2025 00:00 a 26/09/2025 23:59

VOTO

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por MARIO ALFREDO DA SILVA VARGAS, candidato ao cargo de vereador de Montenegro/RS nas Eleições 2024, contra a sentença (ID 45989300) que desaprovou suas contas de campanha e determinou o recolhimento de R$ 2.160,00 ao Tesouro Nacional, em virtude de aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A controvérsia, portanto, restringe-se à análise da manutenção das duas falhas que embasaram a sentença: (i) a despesa de R$ 160,00, relativa à nota fiscal emitida em nome do candidato, com indicação de seu CPF, em desacordo com o disposto no art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19; e (ii) a insuficiência de comprovação das despesas de pessoal no montante de R$ 2.000,00, por ausência dos elementos mínimos exigidos pelo art. 35, § 12, do mesmo diploma normativo.

Passo, então, ao exame individualizado das falhas reconhecidas na sentença.

1. Da Nota Fiscal Emitida para o CPF do candidato (R$ 160,00)

A primeira irregularidade diz respeito à comprovação de despesa no valor de R$ 160,00, custeada com recursos do FEFC, documentada pela nota fiscal n. 7 (ID 45989262), emitida por Guilherme Flores Anderson – MEI (CNPJ n. 32.464.397/0001-69), referente à gravação de propaganda de rádio, na qual consta como tomador o candidato Mario Alfredo da Silva Vargas, identificado por seu CPF, em desacordo com o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No caso concreto, verifica-se, a partir de consulta ao sistema DivulgaCandContas, que a despesa de R$ 160,00 foi devidamente declarada, tendo como beneficiário Guilherme Flores Anderson, com trânsito pela conta bancária da campanha, conforme a seguinte captura de tela:

Ademais, o objeto contratado se trata de gasto tipicamente eleitoral, consistente na gravação de propaganda de rádio, serviço diretamente vinculado à comunicação da candidata junto ao eleitorado. Assim, não há dúvida quanto à finalidade eleitoral da despesa, nem indícios de desvio de recursos do FEFC para fins alheios à campanha.

Diante disso, não se verifica comprometimento da transparência ou da destinação do recurso público, mas apenas descumprimento formal da norma, na medida em que a nota fiscal foi emitida em nome do candidato (CPF) em vez do CNPJ da campanha.

Embora a norma imponha a emissão em nome do CNPJ de campanha, a jurisprudência deste Tribunal tem reconhecido que a emissão de nota fiscal para o CPF do candidato constitui falha formal, passível de ressalva, mas insuficiente para determinar a devolução, quando a despesa de cunho eleitoral é declarada e paga via conta bancária específica da campanha, não havendo maiores máculas à lisura das contas.

Nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. IRREGULARIDADE EM DESPESA COM RECURSOS DO Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. RECOLHIMENTO AFASTADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 

[...].

3.2. No caso concreto, as notas fiscais apresentadas com o recurso demonstram a efetiva realização da despesa de impulsionamento de conteúdo na internet. Ainda que duas delas tenham sido emitidas em nome do CPF do candidato, e não do CNPJ da campanha, deve ser reconhecida a comprovação do gasto, em razão da evidente transparência do prestador, manifestada pela declaração integral da despesa na apresentação da contabilidade. Afastada a ordem de recolhimento. 

3.3. Ainda que demonstrada a efetivação da despesa, não houve descaracterização da falha, uma vez que ocorreu a indevida utilização do CPF do candidato. Todos os gastos deveriam ter sido realizados no CNPJ da campanha, de modo a possibilitar a integral fiscalização das contas por esta Justiça Especializada, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não ocorreu. 

3.4. Embora afastada a sanção de recolhimento ao erário, justifica-se a manutenção da ressalva nas contas, diante da irregularidade formal identificada, ainda que não comprometa a regularidade substancial da prestação. 

IV. DISPOSITIVO E TESE 

4.1. Recurso parcialmente provido, para afastar a ordem de recolhimento e manter a aprovação das contas com ressalvas. 

Teses de julgamento: “1. A apresentação de notas fiscais em sede recursal, quando possível a análise direta, autoriza o reconhecimento da despesa. 2. A emissão de documentos fiscais em nome do CPF do candidato, em vez do CNPJ da campanha, caracteriza falha formal que justifica a manutenção de ressalva nas contas.” 

Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, arts. 60 e 92; Lei n. 9.504/97, art. 94-A. 

Jurisprudência relevante citada: TRE-RS, RE n. 0600432-20, Rel. Des. Francisco José Moesch, DJe 19.4.2022.

(TRE-RS – REl n. 0600115-13.2024.6.21.0074, Relator Desembargador Eleitoral Volnei Dos Santos Coelho, DJE, 09/06/2025). Grifei.

 

 

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. NOTA FISCAL EMITIDA CONTRA CPF. Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO PARCIAL. DESAPROVAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.

[...].

3.1. Conforme os arts. 53, inc. II, e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, os gastos eleitorais com recursos do FEFC devem ser comprovados mediante nota fiscal emitida no CNPJ da campanha. Contudo, a nota fiscal emitida no CPF da candidata, embora represente irregularidade formal, não compromete a transparência da prestação, pois o gasto foi devidamente declarado e pago por meio da conta bancária de campanha.

3.2. Na hipótese, despesa com material impresso de campanha quitada com nota fiscal emitida contra o CPF da candidata. Afastada a ordem de recolhimento. Mantida a irregularidade para formação do juízo de aprovação com ressalvas ou desaprovação das contas.

[...].

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso parcialmente provido. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional. Mantida a desaprovação das contas.

Teses de julgamento: “1. A emissão de nota fiscal contra o CPF do candidato, em vez do CNPJ de campanha, configura falha formal que pode ensejar ressalva, sem imposição de devolução ao erário, quando comprovada a regularidade do gasto. 2. A omissão de despesas na prestação de contas, com ausência de trânsito bancário e de cancelamento fiscal, caracteriza recurso de origem não identificada, impondo-se o recolhimento aos cofres públicos.”

[...].

(RECURSO ELEITORAL nº060043754, Acórdão, Relator(a) Des. Leandro Paulsen, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22/08/2025). Grifei.

Diante disso, afasto o dever de recolhimento do valor de R$ 160,00 referente ao presente apontamento, uma vez que não se observa desvio ou malversação de recursos públicos e reconheço tratar-se de impropriedade de caráter formal, suficiente apenas para a formação do juízo de aprovação com ressalvas.

2. Das Despesas com Contratação de Pessoal (R$ 2.000,00)

No item 4.1.3 do parecer conclusivo (ID 45989297), a unidade técnica registrou que a documentação apresentada para comprovação das despesas de pessoal não atendeu integralmente às exigências do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, porquanto deixou de consignar elementos essenciais, tais como os locais de trabalho, as horas trabalhadas, a especificação das atividades executadas e a justificativa do preço contratado, alcançando o montante de R$ 2.000,00, conforme tabela inserida no referido parecer:

A matéria é disciplinada pelo art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, que dispõe:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...].

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

No caso, verifico que parte dessas exigências legais foi atendida. A cláusula terceira dos contratos, com o respectivo parágrafo primeiro, fixou jornada diária de oito horas, com intervalo para refeição, vinculada ao cronograma de atividades da campanha, nos seguintes termos:

CLÁUSULA TERCEIRA. O CONTRATADO (A) prestará os seus serviços durante uma carga horária diária de 08 horas, conforme cronograma de atividades ou a necessidade do CONTRATANTE durante a Campanha Eleitoral de 2024.

Parágrafo Primeiro. O CONTRATADO (A) terá 01 (Uma) hora e 30 (Trinta) minutos de intervalo para refeição, sem, contudo, prejudicar a carga horária diária contratada, que é de oito horas.

Quanto aos locais de execução dos trabalhos, este Tribunal tem assentado que “a ausência de referência a bairros de atuação não compromete a transparência do ajuste, especialmente considerando o porte reduzido do município” (REl n. 060085280, Acórdão, Relator Des. Nilton Tavares Da Silva, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico, 20.6.2025), bem como que “por ser um município de pequeno porte, afigura–se desarrazoado exigir do trabalho da militância demonstrativo por ruas ou bairros” (REl n. 060086510, Relator: Des. Volnei dos Santos Coelho, Acórdão de 25.7.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 139, data 30.7.2025).

Assim, embora o contrato não especifique os bairros ou ruas de atuação, tal nível de detalhamento já foi relativizado por este Tribunal, especialmente em se tratando de Município de pequeno porte, como no presente caso, não havendo qualquer indicativo de que as atividades se estenderam para além da circunscrição eleitoral de Montenegro.

Não obstante os aspectos regulares já destacados, subsistem omissões relevantes nos contratos firmados com Vilson José dos Santos, Fernando Marques de Azeredo, Thiago Ventura de Mello, Rubia Mara Ventura e Rogério da Rosa.

A cláusula décima, referente ao valor ajustado, não está preenchida.

 Já a cláusula décima primeira, relativa ao prazo de vigência, está incompleta, pois, embora preveja o início automático da obrigação na data de assinatura, deixou em aberto o campo “findando em”, sem indicação do termo final.

Essa deficiência inviabiliza a aferição da compatibilidade entre os valores pagos e os serviços efetivamente prestados, como se observa, exemplificativamente, no contrato firmado com Vilson José dos Santos (ID 45989264):

 

A entabulação de contratos com cláusulas “em branco” compromete a idoneidade e a confiabilidade tanto dos documentos quanto das próprias declarações de gastos eleitorais e impede a aferição da compatibilidade entre os serviços alegadamente prestados e os valores efetivamente pagos, desatendendo ao comando expresso do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A ausência dessas informações essenciais, notadamente quanto ao valor ajustado e ao prazo de vigência, caracteriza irregularidade na comprovação da despesa, à luz do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, razão pela qual mantém-se a falha relativamente a tais contratos e o dever de restituição dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da mesma Resolução.

Diversa é a situação da contratada Maria Eduarda de Castro Oliveira Gonçalves (ID 45989275). Nesse caso, a cláusula décima estabelece de forma expressa a remuneração de R$ 80,00 por cinco dias de trabalho, totalizando R$ 400,00. Além disso, os recibos e comprovantes de transferência bancária juntados aos autos comprovam o efetivo adimplemento da obrigação.

Assim, diferentemente dos contratos anteriormente analisados, é possível aferir a compatibilidade entre o valor pago e os serviços prestados, motivo pelo qual afasto a irregularidade quanto a essa contratação.

Em suma, a conclusão sentencial subsiste em relação a cinco contratos — Vilson José dos Santos, Fernando Marques de Azeredo, Thiago Ventura de Mello, Rubia Mara Ventura e Rogério da Rosa —, totalizando R$ 1.600,00, devendo ser afastada quanto à contratada Maria Eduarda de Castro Oliveira Gonçalves.

3. Do Julgamento das Contas

Superada a análise individualizada, remanescem duas situações distintas: (i) a nota fiscal no valor de R$ 160,00, emitida no CPF do candidato, que configura falha formal, com afastamento do dever de recolhimento, mas manutenção da ressalva; e (ii) as despesas de pessoal, inicialmente de R$ 2.000,00, cuja irregularidade subsiste no montante de R$ 1.600,00, correspondente a cinco contratos, sendo afastada quanto ao valor de R$ 400,00 relativo à contratada Maria Eduarda de Castro Oliveira Gonçalves.

Assim, o montante sujeito a devolução ao Tesouro Nacional restringe-se a R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais).

As irregularidades na contratação de pessoal ora mantidas somam o valor de R$ 1.600,00, o que corresponde a 32% da arrecadação (R$ 4.860,40), superando os parâmetros em que a jurisprudência admite a aprovação das contas com ressalvas com base nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade (TSE; Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060542160/SP, Relator: Min. Edson Fachin, Acórdão de 25.02.2021, publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 48, data 17.3.2021).

Nesse contexto, impõe-se a manutenção da desaprovação das contas, com a determinação de recolhimento do valor de R$ 1.600,00 ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto por MARIO ALFREDO DA SILVA VARGAS, a fim de reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), mantendo-se, contudo, a desaprovação das contas de campanha.