REl - 0600001-51.2025.6.21.0135 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

A recorrente ajuizou Ação de Investigação Judicial Eleitoral em relação às mesmas partes, com o seguinte objeto: caracterização da fraude à cota de gênero, pois a FEDERAÇÃO PSDB-CIDADANIA não efetuou a substituição da candidata falecida Fabiana Bibinha, não cumprindo, portanto, o mínimo legal de 30% da cota de gênero, julgada improcedente no juízo a quo e apreciado o REL n. 0600800-31.2024.6.21.0135 na sessão de 02.9.2025, oportunidade em que, à unanimidade, foi negado provimento ao recurso.

Em 02.01.2025, a ora recorrente ingressou com Ação de Impugnação de Mandato Eletivo contra as mesmas partes, com o seguinte objeto: caracterização da fraude à cota de gênero, pois a FEDERAÇÃO PSDB-CIDADANIA não efetuou a substituição da candidata falecida Fabiana Bibinha, não cumprindo, portanto, o mínimo legal de 30% da cota de gênero, sendo a ação julgada extinta, sem resolução do mérito, em função da litispendência.

Em suas razões, alega que a AIJE e AIME, embora possam compartilhar elementos comuns, possuem natureza jurídica e finalidade distintas. A AIJE tem como objetivo investigar e punir infrações eleitorais relacionadas ao abuso de poder econômico, político ou uso indevido dos meios de comunicação, podendo resultar na cassação do registro ou diploma e na inelegibilidade do candidato. Já a AIME visa exclusivamente à cassação do mandato eletivo obtido por meio de abuso de poder, fraude ou corrupção eleitoral. Dada a distinção de seus efeitos e da causa de pedir, não se poderia falar em litispendência, pois ambas podem coexistir e tramitar de forma independente, conforme entendimento consolidado do Tribunal Superior Eleitoral.

Pois bem.

O fundamento legal da AIJE está no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e busca apurar o uso indevido ou abuso de poder econômico, autoridade ou meios de comunicação em benefício de candidatos ou partidos, e o da AIME, por sua vez, está previsto no § 10 do artigo 14 da Constituição Federal e tem como finalidade apurar abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, visando desconstituir o mandato de um candidato eleito.

A principal diferença entre elas é o momento em que são propostas: a AIJE deve ser ajuizada durante o processo eleitoral, enquanto a AIME é proposta após a diplomação do candidato eleito, dentro de quinze dias.

Ainda, as consequências jurídicas diante do reconhecimento da procedência da ação são distintas: enquanto a AIME tem por consequência a cassação do diploma, a procedência da AIJE acarreta, além da cassação do registro e diploma, a inelegibilidade por 8 anos como sanção.

Em função precipuamente das consequências jurídicas de cada uma delas, historicamente, o TSE posicionava-se pela inexistência da chamada tríplice identidade entre as ações.

Entretanto, a partir do julgamento do REspe n. 3-48/MS (rel. Min. Henrique Neves, j. 12.11.2015, DJe 10.12.2015), o TSE passou a adotar uma visão mais ampla, considerando também a identidade da relação jurídica-base para o reconhecimento da litispendência, diante da insuficiência do critério da tríplice identidade para resolver todos os problemas relativos à identificação e semelhança entre as ações eleitorais:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. LITISPENDÊNCIA.

1. A litispendência entre feitos eleitorais pode ser reconhecida quando há identidade da relação jurídica-base das demandas, não sendo possível afirmar aprioristicamente e de forma generalizada a impossibilidade de sua ocorrência.

2. As análises das situações fáticas e de direito que impõem o reconhecimento da litispendência devem ser feitas à luz do caso concreto.

3. A litispendência pode ser verificada quando há plena identidade de fatos e provas já examinados pela instância julgadora em feito anterior, sem que se tenha elemento novo a ser considerado, como, por exemplo, quando descobertas novas provas ou se pretenda a reunião de fatos isolados que, por si, podem ser insignificantes, mas no conjunto são aptos a demonstrar a quebra dos princípios constitucionais que regem as eleições.

4. Hipótese em que o Tribunal de origem registrou a completa identidade entre os fatos apurados no feito e os examinados em representação anterior, cujo pedido foi julgado procedente para cassar o mandato do representado. Litispendência reconhecida.

(REspe nº 3-48/MS - Rel. Min. Henrique Neves, j. 12.11.2015, DJe 10.12.2015.)

A nova abordagem fundamenta-se em princípios como economia processual, celeridade, segurança jurídica e vedação ao bis in idem. Reconhecer a litispendência entre AIJE e AIME evita duplicidade de esforços, decisões conflitantes e uso excessivo da máquina judiciária, promovendo maior eficiência e justiça.

Essa evolução ganhou relevo com a Minirreforma Eleitoral de 2015 (Lei n. 13.165/15), que introduziu o art. 96-B na Lei n. 9.504/97, permitindo o apensamento de ações eleitorais que tratem dos mesmos fatos (§ 2º) e a extinção de ações posteriores quando já houver decisão transitada em julgado sobre os mesmos fatos (§ 3º). No entanto, a simples coexistência de ações com a mesma causa de pedir, mesmo que apensadas, não se mostra compatível com os princípios do direito processual, pois configura duplicidade indevida.

A mudança de nomenclatura da ação (AIJE e AIME) não afasta a aplicação de institutos como a litispendência, conforme previsto no art. 337, § 3º do Código de Processo Civil, que trata da repetição de ações em curso. Desse modo, reconhecer a litispendência entre AIJE e AIME representou uma evolução necessária no direito processual eleitoral, alinhada aos valores de celeridade, economia processual e duração razoável do processo, conforme estabelecido pelo CPC de 2015.

Atualmente a jurisprudência do TSE pode ser representada pelo seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO . VICE-PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) . IDENTIDADE. FATOS. PROVAS. PARTES . LITISPENDÊNCIA. RECONHECIMENTO. PROVIMENTO.

1 . No decisum monocrático, anulou-se aresto do TRE/PI, por meio do qual se reconhecera a litispendência entre a AIME 1-43 (objeto dos presentes autos) e a AIJE 554-27, determinando-se o retorno do feito à origem para regular processamento.

2. A litispendência caracteriza-se quanto há duas ou mais ações em curso com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, hipótese que gera a extinção do segundo processo sem exame de mérito (arts. 337, §§ 1º e 2º e 485, V, do CPC/2015) . Trata-se de instrumento que prestigia a segurança jurídica, bem como a economia, a celeridade, a racionalidade e a organicidade da sistemática processual, evitando o manejo de inúmeras demandas que conduziriam ao mesmo resultado.

3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, "[a] litispendência entre feitos eleitorais pode ser reconhecida quando há identidade entre a relação jurídica-base das demandas, o que deve ser apurado a partir do contexto fático-jurídico do caso concreto" (RO-El 0601403-89/AC, Rel. Min . Edson Fachin, DJE de 4.12.2020).

4. Na espécie, verifica-se inequívoca identidade entre a AIME 1-43 e a AIJE 554-27, circunstância que leva ao reconhecimento da litispendência da primeira em relação à segunda, pois se extrai da moldura do aresto regional que: a) ambas possuem a mesma base fática e probatória; b) há coincidência do polo ativo e, no tocante ao polo passivo, o da AIJE é mais extenso; c) a procedência dos pedidos na AIJE poderá acarretar, além da perda dos diplomas, a sanção de inelegibilidade, inexistindo nenhum efeito prático no prosseguimento da AIME.

5 . Agravo interno provido para, sucessivamente, negar provimento ao recurso especial e manter, por conseguinte, a extinção da AIME 1-43 sem exame de mérito (art. 485, V, do CPC/2015) diante da litispendência.

(TSE - REspEl: 06005333620196180000 SÃO RAIMUNDO NONATO - PI 060053336, Relator.: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 15.04.2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 78) (grifo nosso)

Nesse sentido:

ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. FRAUDE À QUOTA DE GÊNERO. AÇÃO QUE POSSUI IDENTIDADE DE PARTES E DE CAUSA DE PEDIR COM INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL ANTERIORMENTE AJUIZADA. AÇÕES INSTRUÍDAS EXATAMENTE COM AS MESMAS PROVAS E CUJAS SENTENÇAS CONTÊM FUNDAMENTOS E DISPOSITIVOS IDÊNTICOS. LITISPENDÊNCIA CONFIGURADA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO MÉRITO. Conforme entendimento assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral, há litispendência quando se repete ação em curso, de acordo com a tríplice identidade partes, causa de pedir e pedido , conquanto possa ser reconhecida entre ações eleitorais quando houver identidade com a relação jurídica-base das demandas (AIJE 060175489, DJE de 20/03/2019). Caso em que o substrato fático, os atos processuais e as provas produzidas na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo são exatamente os mesmos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral anteriormente ajuizada, de modo que as ações revelam-se absolutamente idênticas e possuem a mesma relação jurídica--base. Litispendência reconhecida para extinguir a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, V, do Código de Processo Civil.

(TRE-PI - RE: 060176520 JOÃO COSTA - PI, Relator: ERIVAN JOSÉ DA SILVA LOPES, Data de Julgamento: 21.07.2020, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 07.08.2020) (grifo nosso)

No caso dos autos, a litispendência é parcial, configurando, tecnicamente, continência, pois há identidade de partes e de causa de pedir e o pedido de uma das ações abarca (AIJE: cassação do registro e do diploma e inelegibilidade) o pedido da outra (AIME: cassação). Veja-se, a respeito, o CPC:

Art. 56. Dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais.

Art. 57. Quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta anteriormente, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem resolução de mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas.

Com efeito, é o que ocorre. Em ambas as ações se tem a discussão justamente da alegação de fraude à cota de gênero em razão da não substituição de candidata falecida, que não estaria "fazendo campanha eleitoral", gerando o descumprimento do percentual de 30% da cota de gênero, prevista no art. 10, §3º, da Lei nº 9.504/97. As partes se repetem. O pedido é mais amplo na primeira ação e mais restrito nesta segunda ação.

A solução, portanto, é a extinção sem julgamento do mérito.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por RENATA QUARTIERO, mantendo integralmente a sentença que julgou extinta a ação, em razão da litispendência, na modalidade continência, com fulcro nos arts. 57 e 485, inc. V, do Código de Processo Civil.