AgR no(a) CorreParcCiv - 0600099-53.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2025 às 16:00

VOTO

Eminentes Colegas. 

O recurso é tempestivo e possui todos os pressupostos exigíveis à espécie, de modo que merece conhecimento. 

Por ocasião da petição inicial da presente Correição Parcial Cível, decidi monocraticamente, e julgo oportuno submeter a este Colegiado a decisão antes proferida, tendo em vista não vislumbrar razões para modificar o posicionamento já exarado: 

(...) 

Vistos. 

Cuida-se de Correição Parcial Cível, na qual o corrigente CELSO ANDRADE LOPES aponta, em sua petição inicial: 

O investigado, Celso Andrade Lopes, agora autor da correição parcial, em várias peças jurídicas levantou a decadência por diversas vezes, afirmando que a doutrina e a jurisprudência o amparavam, mas sem qualquer eco. Após a audiência de instrução, realizada no dia 02 de abril de 2025, às 13h na sala de audiências da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Borja, em sua parte final, foram consignados pedidos, requerimentos, incluindo não só a decadência (prazo final do ajuizamento da AIJE extrapolado solenidade de diplomação realizada no dia 18 de dezembro de 2024 e ajuizamento da AIJE em 19 de dezembro de 2024, às 15h), como desentranhamento de inquérito (que não tem nada a ver com a AIJE), devolução de pertences em procedimento de busca e apreensão (telefone, computador, R$ 500,00 em dinheiro), suspensão do processo por 90 dias (para investigações policiais após seis meses do ajuizamento da demanda) e folha corrida criminal de alguns cidadãos. Enfim, de todos os requerimentos levados a juízo, apenas um foi deferido (juntada de folhas corrida), seguindo o magistrado a tese equivocada contra a jurisprudência, e doutrina elencada pelo MPE (minoritária e de 2023 - TSE). 

Entende, em suma, deva ser decretada a decadência (de ofício e ex ante à sentença) do prazo para ajuizamento da AIJE n. 0600323-78.2024.6.21.0047. Colaciona, na íntegra, decisão interlocutória do Juízo da 47ª ZE, a qual deseja seja modificada para que prevaleça o seu entendimento - em suma, de prazo decadencial para ajuizamento de AIJE aos 18.12.2024 em São Borja - data da cerimônia de diplomação naquele município. O Ministério Público Eleitoral ajuizou a demanda em 19.12.2024. 

Ademais, aduz haver a necessidade de não ficar "à mercê de outros documentos que, hipoteticamente, podem ingressar nos autos", pois "a AIJE tem caráter cível, devendo o investigado se defender daquilo que consta na peça exordial, pois ao contrário, como se está vendo neste procedimento, o tumulto se instalará". Entende que a "suspensão deferida pelo magistrado é algo absurdo, pois inconcebível no âmbito cível. Aliás, há impedimento para que se aporte novos documentos, de novas investigações, no processo, pois a defesa fica (e está ficando), a deriva". Sustenta que "o retorno a tramitação, com alegações finais e sentença (caso a decadência não seja recebida) é uma necessidade precípua". Indica ser necessário o desentranhamento de "um inquérito policial que em nada tem a ver (sic) com o investigado". 

Requer: 

Portanto, mesmo que sinteticamente, mostra-se a necessidade da liminar, com a decretação da decadência. Caso não seja concedida, a vedação de novos ingressos de documentos que dificultam a defesa, já que não se está tendo pedido certo e determinado. Ao final, que se reforme a suspensão processual, possibilitando a tramitação processual, com a alegações finais e decisão de mérito. Aliás, devemos lembrar, como o magistrado gosta de dizer, a celeridade é o ponto básico do processo eleitoral. 

Vieram redistribuídos por prevenção e imediatamente conclusos, devido ao pedido de concessão de medida liminar. 

Relatei.  

Decido. 

O caso é de nítido indeferimento da petição inicial. 

Explico.  

Ao contrário do que alega o corrigente, a correição parcial cível - expediente grave, especialíssimo - não pode ser utilizado como sucedâneo recursal. CELSO nitidamente encontra-se irresignado no que diz respeito a posicionamentos adotados pelo Juízo da 47ª Zona Eleitoral, sediada em São Borja, no andamento da AIJE n. 0600323-78.2024.6.21.0047. 

Destaco que, como parte que se defende, a situação de CELSO é subjetivamente legítima. 

Todavia, tal irresignação haverá de ser veiculada dentro da sistemática processual eleitoral, qual seja, a de irrecorribilidade das decisões interlocutórias cíveis. 

Ora, se a irrecorribilidade é a regra, e a jurisprudência pátria admite somente de forma muito excepcional (teratologia ou flagrante ilegalidade) a modificação de decisão interlocutória mediante a impetração de mandado de segurança, resta claro que não será no âmbito de uma correição parcial cível que se discutirão os assuntos aqui destacados - o termo final para ajuizamento da ação de investigação eleitoral (matéria aliás que igualmente motivou CELSO a impetrar mandado de segurança, com liminar já negada por este relator) ou quejandos - a existência de um inquérito que "nada tem a ver" com CELSO, ou a suspensão do feito pelo prazo de 90 (noventa dias).  

Todos, repito, todos os tópicos apontados na inicial dos presentes autos poderão ser analisados no momento oportuno pelo Tribunal Regional Eleitoral acaso haja recurso da sentença que será proferida, mediante a aplicação do princípio devolutivo. 

Não há preclusão no relativo a tais eventos.  

Essa, repito, a técnica do processo judicial eleitoral. Manejos inadequados de demandas periféricas apenas tumultuam o andamento da própria AIJE originária, ação por si só já dotada de gravidade. 

Destaco que muito embora a AIJE tenha natureza cível, é também certo que maneja matéria de ordem pública. Ora, as regras gerais do processo civil - dentre elas a disciplina do ônus da prova - são de incidência supletiva e subsidiária ao processo eleitoral e dependem de “compatibilidade sistêmica”, segundo a Resolução TSE n. 23.478/2016 sobre a aplicabilidade do Código de Processo Civil no âmbito da Justiça Eleitoral. Nesse viés, o processo eleitoral não se submete pura e simplesmente ao modelo dispositivo próprio da tutela de direitos individuais (em regra disponíveis); aqui, ao contrário, há tutela de direitos de natureza transindividual, dos quais todo o tecido social é titular, pois correlatos ao sistema político-eleitoral e aos direitos políticos. Especialmente a AIJE possui peculiaridades que a afastam do processo civil ordinário: natureza sancionatória, interesse público na lisura eleitoral e a busca da verdade real. Note-se o nomen juris "investigação judicial". Todas essas características impõem uma condução do processo mais proativa do juiz, aliás expressamente determinada pelo art. 23 da LC n. 64/90: 

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. 

Ademais, todas as causas de pedir remotas trazidas por CELSO carregam em si conteúdo interpretativo - a prova disso é a necessidade de discorrer, laudas a fio no presente processo, sobre a exegese a ser conferida ao conteúdo de voto do Ministro André Mendonça. 

Ou seja, mesmo que não se estivesse a se tratar de sucedâneo de recurso, absolutamente inviável que se pretenda veicular correição por discordância interpretativa de precedente do TSE.   

Note-se que o único precedente trazido na inicial, no que diz respeito a correição no âmbito deste TRE/RS, é de julgado que não se presta como paradigma ao caso posto, pois naquele processo (COR 122-97.2015.6.21.0000) fora determinada a aplicação subsidiária das normas gerais de processo penal, por interpretação sistemática, de forma a impedir que a jurisdição plena atribuída ao magistrado não se estendesse às searas com titular designado no âmbito eleitoral, e determinar que somente o magistrado designado pelo TRE/RS, ou seu substituto legal, detém competência para realizar ato em matéria eleitoral como a inquirição de testemunhas.  

Em resumo, cuida-se aqui de inadequação da via eleita (correição como sucedâneo de recurso) e matéria de veiculação inviável em correição parcial (escolhas interpretativas do magistrado). 

Sequer em tese a questão de fundo de causa poderia ser analisada em correição parcial cível, de forma que há ausência de causa de pedir como fundamento para pedidos os expressamente formulados. 

Diante do exposto, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL e julgo extinto o feito sem resolução do mérito, forte no art. 330, inc. I, do Código de Processo Civil. 

 

E, repiso, não vislumbro argumentos ou provas que possam reverter a decisão já tomada. A inadequação da via eleita é claríssima, o precedente citado pelo agravante (para que a presente correição seja processada) é inválido como paradigma, pois se trata de demanda de cunho criminal, COR n. 122-97.2015.6.21.0000, em que houve erro de procedimento em matéria de competência absoluta – designação de magistrado eleitoral. Situação absolutamente diversa e que, portanto, possuía como fattispecie circunstância passível de correição parcial.  

Não é do que se trata o presente caso.  

Ademais, e à margem das insinuações do agravante (no sentido de que perante esta Justiça todos os pedidos do Ministério Público Eleitoral receberiam guarida, e os do agravante, não) saliento: em passagem obter dictum, o Tribunal Superior Eleitoral indicou que a tese de CELSO, relativamente à decadência, não se sustenta. Por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança n. 0600003-38.2025.6.21.0000 no TSE, o Relator, Ministro FLORIANO MARQUES, ao negar seguimento ao recurso, asseverou:  

(...) 

Ademais, conforme consignei na decisão em que indeferi o pedido de antecipação da tutela recursal, unicamente a título de obiter dictum, a jurisprudência deste Tribunal Superior está consolidada no sentido de que “a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) pode ser intentada até a diplomação dos eleitos. Essa data deve ser entendida de modo geral e objetivo como sendo o último dia fixado na resolução deste Tribunal Superior que disciplina o Calendário Eleitoral” (AREspE 0600994-58, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 28.4.2023, grifo nosso).  

Com efeito, “é remansoso o entendimento desta Corte de que o marco final para o ajuizamento da AIJE e, por consequência, para se delimitar o polo passivo da demanda, é a data prevista no calendário eleitoral para que se realize a diplomação dos candidatos eleitos” (RMS 0601237-66, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 23.8.2023).  

Assim, apenas a título de observação adicional, anoto que, nas Eleições de 2024, as ações de investigação judicial eleitoral poderiam ser ajuizadas até o dia 19.12.2024, último dia fixado no Calendário Eleitoral (Res.-TSE 23.738) para a diplomação dos eleitos, marco que, na linha dos julgados supracitados, prevalece em relação à data da realização da solenidade pelo Juízo Eleitoral.  

Nesse sentido, a Procuradoria-Geral Eleitoral, em seu parecer, assinalou que, “tendo a aludida ação sido ajuizada, conforme narra o próprio impetrante, no dia 19 de dezembro de 2024, evidencia-se que a tese de decadência não encontra espaço de êxito e, com mais razão ainda, não há que se cogitar de teratologia na decisão atacada” (ID 163581188, p. 12).  

Desse modo, verifica-se a ausência de teratologia e ilegalidade no decisum impugnado, aptas a autorizar a concessão da ordem, incidindo, na espécie, o verbete da Súmula 22 do TSE. (grifei) 

 

Ou seja, para além de não configurar objeto, repito, capaz de veicular Correição Parcial Cível, o posicionamento defendido pelo agravante está longe da relevância que vindica. A decisão referida veio com a seguinte ementa: 

ELEIÇÕES 2024. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE DE IMEDIATO. POSTERGAÇÃO DO EXAME DA PRELIMINAR DE DECADÊNCIA PARA APÓS A REGULAR TRAMITAÇÃO DO FEITO. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA OU ILEGALIDADE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 22 DO TSE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. (Recurso em Mandado de Segurança n. 0600003-38.2025.6.21.0000, Relator Ministro Floriano de Azevedo Marques. Julgado em 09.04.2025) 

 

Nesse contexto, vale igualmente ressaltar que o agravante faz também a referência - grave – de que o representante do Ministério Público Eleitoral da origem "fica diretamente ligado ao órgão policial” - afirmação que desvirtua, sem provas, a prerrogativa constitucional do Ministério Público Eleitoral também quando atua no polo ativo de demandas, como no presente caso. Ora, não há um conluio contra o agravante, uma orquestração para prejudicá-lo – mas sim a necessidade de investigação de fatos graves que interessam a toda a comunidade de São Borja, em demanda de ordem pública. 

CELSO há de compreender que não se está diante de uma questão pessoal. Há a necessidade pública de esclarecimento dos fatos. O agravante invoca uma suposta ocorrência de prejuízos - pessoais, econômicos, financeiros, eleitorais, familiares, com o trâmite da AIJE, mas não apresenta qualquer detalhe de que prejuízos seriam esses e, menos ainda, comprova o alegado. 

O agravante, em síntese, pretende correição a magistrado que toma decisões com vistas ao melhor desfecho da AIJE - melhor desfecho esse para a sociedade.  As AIJEs visam tutelar direitos transindividuais de ordem coletiva, como a normalidade e a legitimidade das eleições. O esclarecimento dos fatos – repito, de ordem pública - ganha clara relevância sobre eventuais desconfortos pessoais. Inadequada a via eleita da correição, portanto. Aliás, a apresentação de correição parcial já fora escolhida anteriormente pelo agravante – Correição Cível n. 0600052-79.2025.6.21.0000, em circunstâncias semelhantes, processo que atualmente se encontra arquivado em definitivo.  

 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao Agravo Regimental de CELSO ANDRADE LOPES, nos termos da fundamentação.