AgR no(a) MSCiv - 0600275-32.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2025 às 16:00

VOTO

Eminentes Colegas.

Tempestividade.

O recurso é tempestivo e preenche todos os requisitos da espécie,  de forma que merece conhecimento. 

Mérito. 

CELSO ANDRADE LOPES agrava de decisão monocrática de indeferimento da petição inicial, em mandado de segurança impetrado contra ato praticado pelo Juízo da 047ª ZE, sediada no Município de São Borja. Em síntese, a decisão deferiu pedido do Ministério Público Eleitoral no sentido de uma segunda suspensão processual da AIJE n. 0600323-78.2024.6.21.0047, a fim de que se aguardem conclusões de inquérito policial. No relativo à referida demanda, o ora impetrante já impetrara outro mandado de segurança (n. 0600003-38.2025.6.21.0000) e duas correções parciais cíveis (n. 0600052-79.2025.6.21.0000 e n. 0600099-53.2025.6.21.0000).

Por ocasião da petição do presente mandado de segurança, decidi monocraticamente e julgo oportuno submeter a este Colegiado a decisão antes proferida, tendo em vista não vislumbrar razões para modificar o posicionamento já exarado: 

(...) 

Decido.  

O caso é de nítido indeferimento da petição inicial. Julgo que não se trata de prestigiar a busca de decisão de fundo da causa, mas sim delimitar assertivamente a sistemática processual eleitoral. A demonstração de direito líquido e certo constitui condição qualificada da impetração de mandado de segurança, situação inocorrente nos presentes autos. 

Explico.  

A causa de pedir remota vem narrada pelo impetrante nos seguintes termos: 

(...) 

O id. 127108150, o MPE requer a suspensão da tramitação processual com base na possibilidade de serem juntados novos documentos em investigação por parte da Polícia Federal. Apesar da parte impetrante ter sido contrário ao pedido (suspensão por 90 dias), o magistrado deferiu o pedido em 24 de abril de 2925, id. 127113640. Passado o prazo de três meses ou 90 dias de suspensão o MPE volta a requerer a suspensão do processo, id. 127418723, fundamentando da mesma forma, ou seja, investigações estão sendo feitas. O impetrante, novamente, mostrou a contrariedade ao pedido, dizendo que não pode ficar refém da parte autora, numa quebra clara e cristalina do Princípio da Paridade de Armas, id. 127450218. Se não houve nenhuma prova relativa a alguma investigação da Polícia Federal no prazo de 90 dias, não terá no prazo de 180 dias, pois não foi feita qualquer tramitação, mostrada nos autos, que demonstrem investigações em andamento (apenas argumentações do autor – MPE). Na verdade, apesar da discussão da decadência, que é positiva no presente caso, a tramitação processual da AIJE mostrou que não há sequer indício de que houve os fatos narrados na peça exordial da AIJE. Não existem indícios, muito menos provas. O que quer o MPE é uma tentativa de que possa haver algum milagre jurídico que diga que sua tese está correta. A demanda foi proposta em dezembro de 2024, hoje nos encontramos no dia 01° de agosto de 2025, ou seja, 8 (oito) meses que distanciam o protocolo e o pedido da suspensão por mais (+) 90 dias, o que mostrará que a AIJE só irá tramitar em novembro, entrando, com certeza, no ano de 2026 para uma decisão de mérito. Em seguida o MPE protocolou novo parecer, que na verdade é peça da autora da demanda, pois é parte, não fiscal da lei, reforçando a necessidade da suspensão, id. 127471916, sendo imediatamente contestada pelo impetrante, id. 127472514. Mas, decisão do magistrado, id. 127487338, acatou o pedido do MPE, não considerando a fundamentação do impetrante, com base na alínea “b”, do art. 313 do CPC, inclusive sublinhando o dispositivo legal, suspendendo a tramitação processual por mais ( + ) 90 (noventa) dias, em verdadeiro prejuízo do impetrante. Suspende-se a tramitação processual, apenas para tentar demonstrar o que até o momento não conseguiram. A fundamentação da peça inicial da AIJE é fictícia e temerária, sem dizer a existência da decadência. A improcedência da AIJE é cristalina, não aceitando o MPE a condição jurídica existente." 

  

CELSO, portanto, nitidamente encontra-se irresignado no que diz respeito a posicionamentos adotados pelo Juízo da 47ª ZE no andamento da AIJE n. 0600323-78.2024.6.21.0047. Todavia, tal irresignação haverá de ser veiculada dentro da sistemática processual eleitoral, qual seja, a de irrecorribilidade das decisões interlocutórias. 

Ora, se a irrecorribilidade é a regra, e a jurisprudência pátria admite somente de forma muito excepcional (teratologia ou flagrante ilegalidade) a modificação de decisão interlocutória mediante a impetração de mandado de segurança, não será no âmbito de mandamus que se discutirá o assunto aqui destacado - suspensões de prazos processuais para fins de investigação, sob pena inclusive de supressão de instância. Todos os tópicos apontados na inicial poderão ser analisados no momento oportuno pelo Tribunal Regional Eleitoral acaso haja recurso da sentença que será proferida, mediante a aplicação do princípio devolutivo, pois não há preclusão relativamente à invocação de tais eventos. 

Essa, repito, a cediça sistemática do processo judicial eleitoral. Manejos inadequados de demandas periféricas apenas tumultuam o andamento da própria AIJE originária, ação por si só já dotada de densa gravidade. CELSO, antes da presente impetração, já apresentara duas correições parciais e um primeiro writ, sempre buscando reforma de decisões interlocutórias despidas de flagrante teratologia ou ilegalidade - aliás, no que toca à alegação de decadência da ação, recebeu em obter dictum do e. Tribunal Superior Eleitoral a notícia de que a tese que defende não encontra respaldo na jurisprudência daquela Corte de Cúpula (Correição Parcial n. 0600099-53). 

Destaco, ademais, que muito embora a AIJE tenha natureza cível, é também certo que maneja matéria de ordem pública. Ora, as regras gerais do processo civil - dentre elas a disciplina do ônus da prova - são de incidência supletiva e subsidiária ao processo eleitoral e dependem de “compatibilidade sistêmica”, segundo a Resolução TSE n. 23.478/2016 - normativo que regula a aplicabilidade do Código de Processo Civil no âmbito da Justiça Eleitoral. É ação que possui prazo para o ajuizamento, sob pena de decadência, então é natural que a parte autora apresente a demanda com os elementos de prova que possua para, no transcorrer da demanda (que, repito, é de investigação judicial eleitoral) buscar elementos outros de comprovação dos pontos que pretende demonstrar. 

Nesse viés, o processo eleitoral não se submete pura e simplesmente ao modelo dispositivo próprio da tutela de direitos individuais (em regra, disponíveis); aqui, ao contrário, há tutela jurisdicional de direitos de natureza transindividual, dos quais todo o tecido social é titular, pois correlatos ao sistema político-eleitoral e aos direitos políticos. Especialmente a AIJE possui peculiaridades que a afastam do processo civil ordinário: natureza sancionatória, interesse público na lisura eleitoral e relevo da busca da verdade real. Note-se o nomen juris "investigação judicial". Todas essas circunstâncias impõem uma condução do processo mais proativa do juiz, aliás expressamente determinada pelo art. 23 da LC n. 64/90: 

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. 

Aqui, a causa de pedir remota, trazida por CELSO, carrega em si conteúdo interpretativo - atos da autoridade tida como coatora, e que o impetrante entende inadequados ao atual momento processual. Ou seja, é inviável que se pretenda impetrar mandado de segurança por discordância interpretativa relativamente à amplitude de prerrogativas do magistrado no que toca ao contato com os fatos - sobretudo à luz do já citado art. 23 da LC n. 64/90.   

Em resumo, cuida-se aqui de patente inexistência de direito líquido e certo. Não há flagrante ilegalidade ou teratologia nas decisões da autoridade tida como coatora. 

Diante do exposto, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL e julgo extinto o feito. 

 

E, repiso, não vislumbro fatores que possam reverter a decisão já tomada. A suspensão do processo vem, como bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral, amparada em decisão devidamente fundamentada pelo Juízo de Origem, com suporte no art. 313 do Código de Processo Civil, em aplicação subsidiária e compatível, nos termos da Resolução TSE n. 23.478/16, aos lindes do caso concreto. Transcrevo: 

Trata-se de analisar novo pedido de suspensão do feito em razão do aguardo das diligências a serem concluídas nos autos do IP 0600280- 44.2024.6.21.0047, em trâmite na 41ª ZE. Refere que foi autorizada a prorrogação dos atos investigatórios por mais 90 dias e, considerando a repercussão dos possíveis ilícitos eleitorais na seara cível, imprescindível a suspensão do autos. Pois bem, o caso é de deferimento. Para além da relação umbilical dos fatos apurados no IP acima com aqueles investigados nestes autos, é certo que a legislação processual civil, ciente de tais situações, assim previu: Art. 313. Suspende-se o processo: (...) V - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo; (...) § 4º O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. § 5º O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no § 4º. Logo, o pedido tem amparo no Código de Processo Civil. Além disso, os autos aguardam a conclusão das diligências por tempo aquém daquele previsto de 01 ano, longe, assim, de causar prejuízos ao investigado. 

Para além, as ações de investigação judicial eleitoral têm acentuada prevalência do interesse público na lisura eleitoral e o consequente relevo atribuído à busca da verdade real, características que impõem uma condução do processo mais proativa do magistrado, expressamente preconizada pelo art. 23 da LC n. 64/90:

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral. (grifos acrescidos). 

Saliento que a constitucionalidade do dispositivo citado foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI n. 1082/DF, oportunidade na qual foi reforçado o poder-dever do juiz eleitoral em determinar, de ofício, a produção de provas necessárias à formação de seu convencimento.

(...) O processo não é um fim em si. Não existe somente para a satisfação dos operadores do direito nem se revela apenas nos atos e relações internas a envolver as partes e o magistrado. No direito processual moderno, destaca-se o caráter instrumental, o aspecto externo, sob o qual o processo é mais útil quanto mais eficiente for para a efetiva prestação da jurisdição e garantia de acesso a uma ordem jurídica justa. (...) A par desse aspecto, não se espera mais do magistrado uma atitude passiva, inerte, porquanto imparcialidade não se confunde com indiferença. Abriu-se caminho para que possa suprir a deficiência da instrução. Da constatação da natureza pública da relação jurídico-processual e da busca da verdade real decorre a exigência de prática de atos voltados a viabilizar a formação da certeza jurídica e da tranquilidade necessárias ao julgamento do mérito. (STF, ADI 1082/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJE nº 110, divulgado dia 6.6.14 )

Vale ressaltar que o agravante invoca uma série de supostos prejuízos - pessoais, econômicos, financeiros, eleitorais, familiares, mas não apresenta qualquer detalhe de que prejuízos seriam esses e menos ainda comprova o alegado, situação idêntica à referência - grave – de que o Ministério Público Eleitoral atuante perante a 047ª Zona Eleitoral  "fica diretamente ligado ao órgão policial” - afirmação que desvirtua, sem provas, a prerrogativa do Ministério Público Eleitoral também quando age como demandante.  

O agravante, em síntese, pretende possuir direito líquido e certo de não ser posicionado no polo passivo de uma AIJE, situação de inviável deferimento diante de circunstâncias que precisam ser esclarecidas. Sua alegada inocência poderá surgir, assim se demonstrando, da conclusão da demanda.

As ações de investigação judicial eleitoral – AIJEs – possuem como objeto matéria de ordem pública e, como já asseverado, visam tutelar direitos transindividuais, como a normalidade e a legitimidade das eleições, com o afastamento de práticas de abuso de poder. O esclarecimento dos fatos de ordem pública - repito, ganha clara relevância sobre eventuais desconfortos pessoais. O inquérito policial e a AIJE vêm baseados nos mesmos fatos, e mostra-se inclusive prudente seja aguardado o desfecho investigatório - desde que obedecidos os prazos previstos em lei.  

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao agravo regimental de CELSO ANDRADE LOPES, nos termos da fundamentação.