REl - 0600046-06.2024.6.21.0098 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2025 às 16:00

VOTO

Inicialmente, verifico que houve marcha processual atípica nesses autos.

Após o recebimento do requerimento de regularização da omissão de prestação de contas do exercício de 2012 (ID 45901441) e de parecer técnico pela regularidade da contabilidade (ID 45901442), houve publicação e intimação das partes acerca de uma primeira sentença que reconheceu a inexistência de movimentação financeira e deferiu a regularização da inadimplência (ID 45901444).

Depois da publicação e das intimações das partes e do Ministério Público Eleitoral, sobreveio comunicação do cartório informando que, somente após o julgamento, foi executado o procedimento técnico aplicável e constatado, no Sistema de Informações de Contas (SICO), inexistir registro pretérito de julgamento "como não prestadas", o que inviabilizaria a anotação de regularização, pois o sistema permitiria apenas classificar a sentença como de omissão, desaprovação ou aprovação, com ou sem ressalvas (ID 45901450).

Em razão desse óbice técnico-operacional - não obstante o resultado prático da sentença de regularização equivaler, na substância, à aprovação das contas -, o juízo monocrático, por decisão interlocutória e de ofício, anulou a própria sentença, tornando-a sem efeito, e determinou o prosseguimento do feito pelo rito da prestação de contas anual.

Na sequência, foi prolatada uma segunda sentença, agora desaprovando as contas e impondo a sanção de suspensão do Fundo Partidário por um ano, por ausência de abertura de conta bancária específica e de apresentação dos livros Diário e Razão.

Em que pese não tenha havido pedido dos recorrentes em relação à anulação da segunda sentença, tenho que houve violação ao art. 494 do CPC e, de ofício, deve ser afastada do mundo jurídico a "segunda sentença".

O princípio da inalterabilidade da sentença, positivado no art. 494 do CPC, admite apenas a correção de inexatidões materiais e erros de cálculo, ou a integração por embargos de declaração.

A orientação é reiterada no Superior Tribunal de Justiça, que tem aplicado o art. 494 do CPC para assentar que, publicado o decisum, a alteração somente é possível nas balizas estritas do dispositivo:

 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO COM RITO MONITÓRIO. ALTERAÇÃO DO VALOR DA CAUSA. PETIÇÃO INICIAL. ERRO DO AUTOR. LIBERALIDADE DO JUIZ. LIMITE TEMPORAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. COISA JULGADA. PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE DAS DECISÕES. ERRO MATERIAL. NÃO CONFIGURADO. MUDANÇA SUBSTANCIAL DA DECISÃO. PREJUÍZO DE UMA DAS PARTES.

1. Ação de conhecimento com rito monitório da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 16/11/2021 e concluso ao gabinete em 11/11/2022.

2. O propósito recursal é decidir se o julgador pode alterar o valor da causa de ação de conhecimento com rito monitório após o réu cumprir o mandado de pagamento.

3. Na ação de conhecimento com rito monitório, sem a oposição de embargos monitórios, a decisão que expediu o mandado de pagamento tem eficácia de sentença condenatória e faz coisa julgada (I) com a constituição do título executivo judicial ou (II) com o cumprimento do mandado de pagamento pelo réu antes da constituição de título executivo judicial.

4. O art. 292, §3º, do CPC determina que o juiz corrija, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.

5. O juiz pode proceder à correção de ofício do valor da causa somente até a sentença, em respeito à coisa julgada formal. Precedentes.

6. Em se tratando de ação de conhecimento com rito monitório em que não houve oposição de embargos monitórios, o juiz somente pode alterar o valor da causa de ofício ou por arbitramento até a expedição do mandado de pagamento.

7. Após a publicação da sentença, o juiz apenas poderá alterá-la para corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; ou por meio de embargos de declaração, nos termos do art. 494 do Código Processual Civil.

8. A decisão eivada de erro material caracteriza-se pela ausência de declaração, intenção ou vontade do juiz, razão pela qual não pode fazer coisa julgada. Precedentes.

9. Quando o juiz altera a fundamentação e a conclusão de sentença que já transitou em julgado, prejudicando uma das partes, a fim de sanar erro cometido pelo autor na petição inicial, não está caracterizado o erro material.

10. Na espécie, após a expedição do mandado de pagamento, o recorrente efetuou a quitação do valor pleiteado pelo recorrido por meio de depósito judicial. Após, o recorrido solicitou a majoração do valor da causa por ter indicado montante errado na petição inicial. O juiz deferiu o pedido de reconsideração, sob o argumento de que lhe é facultado alterar valor da causa discrepante e de que é possível sanar erro material após a prolação da sentença, determinando que o recorrente complementasse o valor depositado em juízo.

11. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ - Respe. 2.038.384 -DF, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 03.10.2023).

No Direito Eleitoral, existe a possibilidade de retratação pelo magistrado, mas em face de recurso e com disciplina específica no art. 267 do Código Eleitoral: o juízo de retratação constitui exceção legal e pressupõe a existência de recurso, para que o magistrado, na primeira instância, mantenha ou reforme sua decisão dentro da fase recursal. O caso dos autos, porém, não envolve essa hipótese.

Além disso, o caso desafia o princípio da proteção da confiança, projeção objetiva da segurança jurídica e da boa-fé (CF, art. 5º, caput e inc. XXXVI), segundo o qual o jurisdicionado pode contar com a estabilidade e a previsibilidade das decisões estatais.

A duplicidade de sentenças - com anulação de ofício de pronunciamento já publicado para, depois, proferir novo julgamento de mérito - rompe expectativas legítimas formadas a partir da primeira decisão, gerando surpresa e agravando custos de conformidade. 

Por se tratar de matéria de ordem pública, cognoscível a qualquer tempo e grau, reputo válida a primeira sentença, ainda que se possa discutir o rito então seguido (regularização de omissão versus prestação de contas anual), não havendo espaço para a substituição, de ofício, de sentença já publicada. O óbice técnico do SICO, ademais, não legitima a violação do art. 494 do CPC e poderia ser contornado por meio de lançamento sistêmico compatível com o resultado prático do julgamento.

Diante disso, impõe-se reconhecer a nulidade da segunda sentença (20.12.2024 - ID 45901582) e dos atos processuais subsequentes, subsistindo apenas a primeira sentença (29.7.2024 - ID 45901444).

Resta, por consequência, prejudicada a análise das preliminares e do próprio mérito recursal, pois o apelo se dirige contra sentença nula e destituída de efeitos.

Com esses fundamentos, VOTO para declarar a nulidade da segunda senteça prolatada e de todos os atos processuais a ela relacionados ou dela decorrentes, devendo a questão técnico-operacional ser solucionada no SICO em conformidade com o resultado "aprovação das contas", restando prejudicado o recurso.