REl - 0600227-05.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2025 às 16:00

VOTO

1. Preliminares.

O recorrente suscita nulidade da intimação da sentença. Ainda, argui ausência de análise das preliminares apresentadas na origem, conforme se extrai na síntese do recurso, que segue:

Conforme explanado na petição de ID 125046708, a intimação realizada acerca da r. sentença de ID 124972538 em relação aos Recorrentes padece de nulidade, uma vez que (i) a intimação via Mural Eletrônico se destina exclusivamente aos advogados dos candidatos ou dos partidos e coligações, não abrangendo os Recorrentes neste caso específico, nos termos do art. 94, §5ª da Lei 9.504/971 e (ii) a Resolução TSE nº 23.608/2019, em seu artigo 9º, estabelece que as comunicações processuais ordinárias devem ocorrer entre as 10h e 19h, salvo determinação em contrário do Juízo.

Assim, os advogados que subscrevem esta petição, Recorridos dos demandados, deveriam ter sido intimados via Diário da Justiça Eletrônico (DJE). Quando muito, poderia se cogitar a intimação pessoal dos Recorrentes via e-mail.

Considerando que não houve determinação expressa na r. sentença que autorizasse a intimação fora do horário estipulado, é evidente que a publicação às 19h38 foi realizada em desacordo com o previsto.

Por conseguinte, patente a nulidade da intimação dos Recorrentes da acerca da r. sentença ID 124972538.

(...)

Nota-se que a r. sentença não teceu uma palavra sequer sobre as preliminares suscitadas na contestação. Dessa forma, requer-se que a r. sentença seja anulada para retornar os autos aos Tribunal de origem para apreciação da preliminar de ilegitimidade passiva e incompetência Justiça Eleitoral.

Caso não seja esse o entendimento desta Câmara, necessário se faz a análise dessas preliminares na presente instância:

III.I. Da incompetência da Justiça Eleitoral

Após uma análise detida dos autos, torna-se patente a ausência de competência da Justiça Eleitoral para exame da matéria fática nos moldes em que foi posta (…)

III.II. Da ilegitimidade ativa da pessoa jurídica do candidato

No contexto da ação proposta, a análise da legitimidade ativa se faz imprescindível, uma vez que a narrativa da exordial aponta para uma suposta ofensa à honra de Marciano Perondi. Contudo, é necessário destacar que a honra, enquanto bem jurídico, é um direito subjetivo de natureza pessoal, cuja proteção se limita ao indivíduo e não se estende a pessoas jurídicas.

(…)

III.III. Da impossibilidade jurídica da remoção de conteúdo - ADPF 130

O pedido de remoção da notícia é incompatível com o ordenamento jurídico vigente e por isto, merece mais do que a simples improcedência, mas sim, a rejeição nos termos do artigo 485, VI, CPC.

(Grifos do original.)

Passo a análise de cada uma das prefaciais.

1.1 Nulidade da intimação da sentença

O recorrente suscita preliminar de nulidade da intimação da sentença proferida em 25.10.2024, realizada por meio de Mural Eletrônico às 19h38 do mesmo dia, ao entendimento de que deveria ter sido efetivada por meio do Sistema do Processo Judicial Eletrônico.

Assiste razão ao recorrente.

A irresignação proposta em 28.10.2024 deve ser recebida como tempestiva, visto ser aplicável o disposto no § 5º do art. 94 da Lei n. 9.504/97, o qual prevê a publicação em edital na página do Tribunal somente aos advogados dos candidatos, partidos ou coligações.

Acolho a prefacial e, no ponto, conheço do recurso. Com o conhecimento do recurso, incide o efeito devolutivo, de molde a ser despiciendo o requerido retorno dos autos à origem.

Sigo.

1.2. Ilegitimidade ativa do representante, ora recorrido

Em síntese, alega a recorrente não haver legitimidade de candidato ao pleito para propor ação em razão de ofensa à honra, sob o argumento de ser a honra, enquanto bem jurídico, um direito subjetivo de natureza pessoal cuja proteção se limita ao indivíduo e não se estende a pessoas jurídicas, no caso, a candidatura de Marcelo Perondi.

Sem razão.

Inconteste a legitimidade ativa do representante, expressamente referida na Resolução n. 23.462/15, a qual dispõe sobre as representações, reclamações e pedidos de resposta previstos na Lei das Eleições. Senão, vejamos:

Resolução nº 23.462/15

Art. 2º As reclamações e as representações poderão ser feitas por qualquer partido político, coligação, candidato ou pelo Ministério Público (Lei nº 9.504/1997, art. 96, caput e inciso I).

Assim, afasto a prefacial.

1.3 Incompetência Justiça Eleitoral

A empresa recorrente alega ser patente a ausência de competência da Justiça Eleitoral para exame da matéria fática nos moldes em que foi posta a matéria objeto da presente ação não se encaixa no conceito de Propaganda Eleitoral, de modo que inaplicável qualquer regra nesse sentido afeta à Resolução n. 23.610/19 do TSE.

Sem razão.

A manifestação que, em tese, venha a violar as regras eleitorais ou ofender direitos de pessoas que participam do processo eleitoral recebe como subsunção a norma descrita no art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610:

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

Afasto, igualmente, a preliminar - pois com razão a sentença, ao indicar que a matéria se confunde com o mérito.

1.4 Da impossibilidade jurídica da remoção de conteúdo - ADPF 130

A recorrente sustenta que o pedido de remoção da notícia é incompatível com o ordenamento jurídico vigente e por isto, merece mais do que a simples improcedência, mas sim, a rejeição nos termos do art. 485, inc. VI, CPC. Invoca a decisão do STF na ADPF n. 130/DF, cujo efeito vinculante impediria a remoção de conteúdo, por implicar censura.

Mais uma vez, sem razão.

Não há direito fundamental ilimitado, como a boa doutrina constitucionalista assevera. Toda e qualquer manifestação que venha a ofender a legislação eleitoral no âmbito da propaganda não será, por óbvio, resguardada pelo ordenamento jurídico - menos ainda pelo decidido pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADPF n. 130. A livre manifestação do pensamento não constitui liberdade incondicional, tem seu exercício limitado aos limites fixados no amplo sistema jurídico no qual estão inseridas as regras de Direito Eleitoral.

Acolhida a prefacial atinente à tempestividade e afastadas as demais, conheço do recurso.

2.Mérito

No mérito, NN&A PRODUÇÕES JORNALÍSTICAS LTDA insurge-se contra a sentença que julgou procedente a representação por propaganda eleitoral irregular ajuizada por MARCIANO PERONDI, por suposta propaganda eleitoral com conteúdo calunioso e difamatório, veiculada em rede social na internet.

Transcrevo excerto da fundamentação da sentença:

Acolho o parecer do DD. Promotor de Justiça Eleitoral, quando destacou que a acusação propalada na postagem combatida não foi processada e julgada na Justiça Criminal, evidenciando a leviana disseminação da informação, a qual, se não desconsiderada, pode impactar negativamente a imagem do candidato.

Considerando também que a defesa apresentada pelo representado, que sustenta a legalidade da publicação e a ausência de inverdade nas informações veiculadas, está em desacordo com o princípio de que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade, especialmente em um contexto eleitoral. A proteção à honra e à imagem dos candidatos é essencial para assegurar um pleito democrático e justo. A mera referência a informações veiculadas por veículos de comunicação, ainda que fossem verdadeiras, não exime da responsabilidade de não propagar acusações que possam ser consideradas ofensivas e que não se sustentam perante a Justiça.

A análise do conteúdo veiculado revela que o representado atribuiu ao representante a prática de crimes ainda não processados pela Justiça Criminal, como o homicídio culposo e a omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial. A disseminação dessas informações de forma antecipada e sem o devido processo legal configura, de fato, violação à honra e à imagem do representante.

Além disso, a publicação possui claro potencial de comprometer a integridade do processo eleitoral, ao influenciar negativamente a opinião dos eleitores sobre o candidato com base em acusações infundadas e sem decisão judicial transitada em julgado.

A conduta do representado extrapola os limites da crítica política legítima e adentra o campo das agressões pessoais, causando danos à honra e à imagem do representante, bem como à lisura do processo eleitoral.

A publicação impugnada, veiculada à época no link "https://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-caminho-de-encontro-com-bolsonaro-candidato-em-pelotas-atropela-e-mata-idoso-dificulta-indenizacao-e-irmao-da-vitima-se-suicida/", foi escrita sob o título Candidato bolsonarista em Pelotas atropela e mata idoso, nega indenização, e irmão da vítima se suicida.

A representada, ora recorrente, alega que a matéria impugnada não imputaria o cometimento de crimes ao recorrido, apenas informa que o Recorrido está sendo investigado e narra os fatos que são corroborados pelos autos nº 5025219-62.2024.8.21.0022, no seu entender, incontroversos. Aduz não ter falado em omissão de socorro, Mas mesmo que falasse, há provas de que o candidato abandonou o local conforme Laudo Pericial de Acidente de Trânsito.

Pois bem.

Se, por um lado, o exercício do direito de liberdade de expressão possui matriz constitucional, verdadeiro pilar do Estado Democrático de Direito, por certo também é que tal exercício há de ser realizado com responsabilidade e fidedignidade. Dito de outro modo, a "livre manifestação do pensamento" não pode, obviamente, deturpar fatos.

Segundo a jurisprudência do TSE, a restrição à propaganda eleitoral deve ocorrer de modo excepcional, limitada às hipóteses em que caracterizada a divulgação de fato inverídico, descontextualizado ou de existência de grave ofensa à honra e à imagem de candidato, sob pena de comprometimento do direito do eleitor ao acesso à informação (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial Eleitoral n. 060012451/SP, Relator(a) Min. Isabel Gallotti, Acórdão de 27.02.2025, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico n. 32, data 10.3.2025).

Nestas balizas, analiso o feito.

Ocorreu, é certo e infelizmente, a morte por atropelamento.

Inicialmente, a manifestação da recorrente não seria irregular. Se circunscreveu à reprovação ética do comportamento do então candidato MARCIANO - a escolha de prosseguir viagem, em detrimento de acompanhar o desfecho trágico do acidente no qual se envolvera:

Seu Jairo não morreu na pista da estrada. Foi levado com vida para o hospital, em estado muito grave. Marciano Perondi, que é de Caxias de Sul e disputa sua primeira eleição em Pelotas, não se preocupou em acompanhar o pelotense e sua família. Na realidade, simplesmente não se preocupou com nada. Ele manteve a agenda com o ex-presidente, seguiu viagem para Porto Alegre, para o encontro com seu capitão.

(…)

Enquanto seu Jairo seguia entre a vida e a morte de ambulância para o hospital, o candidato seguiu viagem sem esperar a chegada da polícia.

Tal postagem não manifestou pensamento, e sim afirmou como fato ocorrido uma situação ainda sob escrutínio policial.

Ou seja, manifestação dentro dos limites do exercício regular do direito constitucional de liberdade de expressão - ainda que de forma ácida.

Todavia, a par disso, a reportagem vincula o suicídio do irmão da vítima ao acidente ocorrido e refere uma alegada "pressão" exercida por PERONDI sobre os familiares da vítima: pô

Nada disso abalou Perondi, que permaneceu em campanha. Buscando se esquivar de uma possível indenização à família de Jairo, também resolveu pressioná-los.

(…)

Após o ocorrido, Carlos Alberto "sucumbiu ao desânimo e ostracismo", narra a ação judicial. Em 19 de julho, onze dias após a morte do irmão, ele enviou uma mensagem de áudio à família falando em suicídio. Foi encontrado morto na Praia do Laranjal, no dia 23 de julho.

(...)

Até agora, porém, não pagou um centavo de indenização à família da vítima.

Destaco que esta Casa tem examinado de modo minudente essa questão, respeitando as particularidades de cada processo. Nessa linha, o Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, ao redigir acórdão vencedor no Recurso Eleitoral n. 0600226-20.2024.6.21.0034 - mais um feito a reproduzir parcialmente a presente matéria impugnada -, assim se pronunciou e sobre a alusão ao suicídio do irmão da vítima de atropelamento:

E mais do que isso. No comentário, ademais, o recorrente afirma ser verdadeira a informação, sem fonte fidedigna, de que o irmão da vítima do atropelamento teria se suicidado em razão da conduta de PERONDI ao supostamente negar indenização.

Ou seja, o recorrente não se limitou a repetir fatos veiculados. Ao revés, foi além ao assegurar fatos imputados ao recorrido que pendiam de confirmação e, ao que se sabe, especialmente este último sequer resultou confirmado.

Como dito naquele julgado, tal vinculação sequer resultou confirmada.

O mesmo ocorre aqui.

Assim, os conteúdos anteciparam o resultado de julgamentos não ocorridos, violando a honra e imagem do representante. E além, não se limitou a informar a existência de um pedido de indenização, mas anotou julgamento pessoal, ao comparar o valor requerido àquele arrecadado na campanha:

Pela morte dos dois irmãos, a família cobra Perondi na Justiça uma indenização de R$ 1.079.326,24. É menos do que a quantia arrecadada pelo bolsonarista em sua campanha até agora.

A afirmação extrapolou a situação posta para além do que as mídias, os órgãos de imprensa noticiaram.

Diante do exposto, VOTO por acolher a preliminar de tempestividade, afastar as demais prefaciais e, no mérito, negar provimento ao recurso.