REl - 0600649-05.2024.6.21.0058 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/09/2025 00:00 a 19/09/2025 23:59

VOTO

FLAVIO HOFFMANN PELIZZARI e FATIMA RODRIGUES DE SALIS,  candidatos a prefeito e vice-prefeita do Município de Campestre da Serra,  respectivamente,  recorrem contra sentença do Juízo da 058ª Zona Eleitoral de Vacaria, que julgou desaprovadas suas contas de campanha referente às eleições municipais de 2024 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 70.000,00 em razão do uso irregular de valores recebidos do FEFC, nos termos do § 1º do art. 79, e, ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 248,30, nos termos do art. 32, inc. IV e § 3º, todos da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 46002416).

Em suas razões, defendem que os saques de valores na instituição financeira foram vinculados a despesas específicas por meio de contratos e notas fiscais, motivo pelo qual não seria cabível a desaprovação de sua contabilidade, hipótese reservada a desvio de recursos. Alegam que os extratos bancários são hábeis a demonstrar a movimentação integral do valor de R$ 70.000,00. Quanto ao valor de R$ 248,30, invocam o princípio da insignificância e afirmam que houve a identificação da doadora por meio de Pix.

Sem razão.

Restou comprovada a realização de saques da quantia total de R$ 70.000,00 “na boca do caixa”, em espécie e provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para quitar gastos eleitorais.

O procedimento caracteriza o descumprimento de regra objetiva e expressa do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

V - PIX, somente se a chave utilizada for o CPF ou o CNPJ. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

V - Pix. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais e cartões pré-pagos geridos por empresa intermediadora. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

 

Assim, irreparável o quanto consignado na sentença (ID 46002416):

Por outro lado, os extratos eletrônicos, disponibilizados pelas instituições financeiras à Justiça Eleitoral, juntados aos autos no ID n. 126989167, demonstram que a única receita recebida é a declarada (R$ 70.000,00), advinda do FEFC (ID n. 126989174). Os débitos registrados na conta indicam quatro operações de “saque eletrônico”, nos valores de R$ 5.000,00, em 16/09/2024; R$ 5.000,00, em 17/09/2024; R$ 20.000,00, em 18/09/2024; e R$ 40.000,00, em 18/09/2024, totalizando R$ 70.000,00.

A alegação de que às operações de saque foram realizadas por orientação de terceiros (ID n. 127056012) deve ser afastada, pois é de responsabilidade dos candidatos a correta destinação dos valores recebidos, nos moldes exigidos pela legislação eleitoral.

A maneira utilizada pelos candidatos para a realização dos gastos de campanha, por meio de saque dos valores da conta FEFC e posterior pagamento em espécie, torna impossível a confirmação dos reais destinatários dos valores recebidos e a efetiva fiscalização do destino dos recursos públicos recebidos.

 

Aliás, é firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que o saque de recursos da conta do FEFC e o pagamento em espécie impedem a rastreabilidade dos valores e a confirmação acerca dos efetivos destinatários dos recursos:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2022. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Prestação de contas de candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente às Eleições Gerais de 2022.

1.2. A Secretaria de Auditoria Interna emitiu parecer conclusivo pela desaprovação, apontando irregularidades na comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão em discussão consiste em determinar se a realização de despesas de campanha por meio de saques eletrônicos, em contrariedade ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, é irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que os gastos eleitorais devem ser efetuados com identificação do beneficiário, sendo vedada a utilização de saques eletrônicos para pagamento de despesas de campanha, excetuados casos de pequeno valor, que neste processo não se aplicam.

3.2. Resta caracterizada a irregularidade em relação à maneira utilizada para a quitação dos gastos eleitorais, ou seja, saque de recursos da conta do FEFC e pagamento em espécie, o que impede a rastreabilidade dos valores e a confirmação acerca do efetivo destinatário dos recursos.

3.3. As falhas apuradas representam 93,03% do montante de recursos arrecadados, superando, assim, os parâmetros de R$ 1.064,10 e de 10% da movimentação financeira, admitidos pela jurisprudência como um “balizador, para as prestações de contas de candidatos” e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância”, sendo adequado, razoável e proporcional, no presente caso, o julgamento pela desaprovação das contas. e o recolhimento ao Tesouro Nacional, com base nos arts. 74, inc. III, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Desaprovação das contas, com determinação de recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

Tese de julgamento: “A realização de despesas de campanha, por meio de saques eletrônicos, sem identificação do beneficiário, viola o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, configurando irregularidade grave que justifica a desaprovação das contas e o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, quando representar percentual significativo dos recursos de campanha.”;

Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, art. 38, art. 39, art. 40, art. 74, inc. III, art. 79, § 1º.

Jurisprudência relevante citada: TRE-RS - PCE: 06030529220226210000, Rel. Des. Patrícia Da Silveira Oliveira, DJE, 25/09/2023; TRE-RS, REl n. 060043220, Rel. Des. Francisco José Moesch, DJE, 19/04/2022; TSE; AgR-REspe n. 0601473-67, Rel. Min. Edson Fachin, de 5.11.2019.

(TRE/RS – PCE n. 0603276-30.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Francisco Thomaz Telles, DJE, 26/11/2024).

 

Ainda, houve a realização de despesas sem a indicação das receitas, em flagrante ofensa ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, a seguir identificadas:

 

 

O recorrente aduz que a receita é proveniente de doação de Marta da Silva e que “por um lapso” não constou na prestação de contas, alegação que não merece acolhida para afastar a falha, conforme muito bem examinado na sentença:

[...]

Justificando o apontamento, os candidatos declaram que “As despesas ali elencadas, foram doação à campanha da pessoa física Marta da Silva […] e, por um lapso, não foram elencadas” (ID n. 127056012), apresentando o comprovante de operação de PIX ID n. 127056013, que indicada como pagadora a pessoa física mencionada e como destinatário “Facebook Serviços”.

Entretanto, as alegações e o documento juntado não comprovam a procedência dos valores empregados no pagamento das Notas Fiscais omitidas. Eventual doação não foi registrada na prestação de contas e não está vinculada ao pagamento da Nota Fiscal não declarada.

Assim, o valor total respectivo (R$ 248,30) é considerado, tecnicamente, como recurso de origem não identificada e, portanto, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do artigo 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019, que assim dispõe: “Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU)”.

Assim, reconheço a omissão das despesas relacionadas, no valor total de R$ 248,30, importância que deve ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Desta feita, presentes irregularidades nas contas apresentadas, nos termos acima exposto, sua desaprovação é medida que se impõe, com a consequente devolução ao Tesouro Nacional da quantia recebida do FEFC e aplicada de maneira irregular (R$ 70.000,00) e, ainda, o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 248,30, reconhecido como de origem não identificada, nos termos acima exposto, sem prejuízo dos candidatos responderem por abuso do poder econômico, nos termos do artigo 22 da LC n. 64/90.

 

Por derradeiro, o total de irregularidades representa mais de 100% (R$ 70.248,30) da receita dos candidatos (R$ 70.000,00), quantia superior a R$ 1.064,10 e está acima de 10% do total de recursos arrecadados, devendo ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.