REl - 0600030-12.2024.6.21.0079 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/09/2025 00:00 a 19/09/2025 23:59

VOTO

O Diretório Municipal do Progressistas em São Francisco de Assis/RS recorre contra a sentença que desaprovou suas contas do exercício financeiro de 2023 e determinou o recolhimento de R$ 1.220,00 ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 10%, devido ao recebimento de recursos de origem não identificada.

A falha consistiu no recebimento e na utilização, para o cumprimento de obrigações financeiras, do montante total de R$ 1.220,00, considerados como de origem não identificada, mediante depósito em espécie dessa quantia, em 09.02.2023, identificado com o CPF 305.589.640-87, pertencente ao doador Antônio Luiz Wallao, na conta bancária do PP, conforme extrato bancário do ID 45832910, p. 1.

Verifico também que o diretório recorrente identificou o depósito e emitiu o recibo de doação em 27.02.2023, no qual expressamente constou a forma de arrecadação “em espécie”, conforme ID 45832866. A arrecadação por meio de depósito em espécie, também, restou declarada no demonstrativo de doações financeiras recebidas do ID 45832830, p.1.

Portanto, a agremiação, por meio de seus dirigentes, tinha plena ciência da doação realizada em desacordo com a legislação.

Noto, ainda, que não há notícia nos autos de restituição do valor recebido de forma irregular ao doador identificado até o último dia do mês subsequente, nem o seu recolhimento ao Tesouro Nacional até o presente momento, como determina o art. 8, §§ 3º e 10, c/c art. 14, todos da Resolução TSE n. 23.604/19.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei nº 9.096/95) .

(…)

§ 3º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

(…)

§ 10. As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas, até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ou, se não for possível identificá-lo, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 14 desta resolução.

(…)

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

(...)

§ 3º O não recolhimento dos recursos no prazo estabelecido neste artigo ou a sua utilização constituem irregularidade grave a ser apreciada no julgamento das contas.

 

Portanto os valores não deveriam ser utilizados no financiamento das atividades partidárias e, no caso de utilização, como na hipótese dos autos, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional até o último dia do mês subsequente à efetivação do crédito, constituindo-se em grave irregularidade a inobservância do prazo de devolução dos valores.

Conforme a precisa conclusão da sentença, entendo que para verificar a origem do recurso é necessário conhecer o percurso da doação a partir das transferências eletrônicas e que o depósito de dinheiro em espécie identificado por determinada pessoa física seria, por si só, incapaz de comprovar a procedência dos valores recebidos.

Assim, o procedimento descumpre norma expressa de contabilidade eleitoral e impacta diretamente a confiabilidade das contas. Logo, em se tratando de regra objetiva, não cabe análise de eventual boa-fé ou má-fé.

A decisão merece ser mantida, pois de fato o procedimento adotado na doação contraria os art. 8, §§ 3º e 10, c/c art. 14, todos da Resolução TSE n. 23.604/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias realizadas em espécie.

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelas agremiações, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como feito pelos recorrentes.

Nesse cenário, ainda que os comprovantes de depósitos indiquem o CPF e o nome do doador originário, há irregularidade porque houve superação do limite de recebimento de doação em dinheiro, a qual inviabiliza o rastreamento. O depósito de R$ 1.220,00 realizado em espécie descumpre objetivamente a proibição de captação de recursos nessa modalidade, estando correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, o que conduz ao recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. 14 da Resolução TSE n. 23.604/19.

Ressalto que o Tribunal Superior Eleitoral compreende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mero formalismo. De acordo com o TSE: “A partir do momento em que se realiza o depósito em espécie na boca do caixa, não há sequer como saber a real origem do dinheiro, se do candidato ou de terceiros, de modo que a capacidade financeira é por si só inócua na hipótese” (TSE RO-El n. 060162796 NATAL - RN, Relator.: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 15.10.2020, Data de Publicação: 28.10.2020). A propósito, o seguinte precedente:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS . PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. IRREGULARIDADE. DOAÇÕES . DEPÓSITOS BANCÁRIOS. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. OFENSA AO ART . 21, § 1º, DA RES.–TSE Nº 23.607/2019. DEVOLUÇÃO AO TESOURO NACIONAL . PRECEDENTES. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1 . Nos termos da jurisprudência do TSE, "a doação de valor acima de R$ 1.064,10, em espécie, por meio de depósito bancário, não constitui mera irregularidade formal, mas irregularidade grave, que enseja a desaprovação das contas, uma vez que compromete sobremaneira a transparência do ajuste contábil" (AREspE nº 0600481–94/TO, Rel. Min. Mauro Campbel Marques, DJe de 23 .8.2022). 2. Contas de campanha desaprovadas, tendo em vista, dentre outras irregularidades, o recebimento de doações em valor superior a R$ 1 .064,10, em contrariedade ao disposto no art. 21, § 1º, da Res.–TSE nº 23.607/2019, o que caracteriza arrecadação de recursos de origem não identificada . Determinação de restituição da quantia irregular ao Erário. Incidência da Súmula nº 30/TSE. 3. Agravo interno ao qual se nega provimento .

(TSE - REspEl: 06003401620206170064 ÁGUAS BELAS - PE 060034016, Relator.: Min. André Ramos Tavares, Data de Julgamento: 18.08.2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 174) – Grifei.

Como se vê, não se trata de irregularidade meramente formal, nem de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de caso de malversação, de desvio de recursos, de recebimento de valores provenientes de fonte vedada ou de locupletamento indevido, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral objetiva aplicável a todos os candidatos.

De igual modo, não prospera a tese recursal de que dos valores irregulares deve ser deduzido o limite legal para fins de recolhimento ao Tesouro Nacional. Além de não possuir amparo legal, a falha representa a integralidade do crédito recebido em espécie em desacordo com a norma eleitoral, caracterizando o depósito inteiro como recurso de origem não identificada (TRE/RS, REl n. 0600516-71.2024.6.21.0022, Relator Francisco Thomaz Telles, DJe 13.3.2025).

Consoante o entendimento consolidado na jurisprudência, “O valor irregular deve ser considerado em sua totalidade, e não apenas na parte que excede o limite permitido, sendo necessário seu recolhimento ao Tesouro Nacional por representar recurso de origem não identificada” (TRE-ES, REl n. 0600640-62.2024.6.08.0007, Relatora Desembargadora Isabella Rossi Naumann Chaves, DJe, 07.3.2025). Há diretriz jurisprudencial firmada no sentido de que: “Não é possível considerar irregular apenas a diferença de valor que ultrapassar o montante de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), previsto no artigo 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, pois a doação é considerada na sua integralidade, é tida por única e impartível, não sendo possível fracioná–la para considerar parte regular e parte irregular”. (TRE-GO, REl n. 0600610-23.2020.6.09.0077, Relator Desembargador Eleitoral Adenir Teixeira Peres Júnior, DJE, 27.07.2023).

Dessa maneira, não prospera o pedido de recolhimento apenas do valor excedente ao limite de arrecadação de recursos em dinheiro em espécie.

A sentença está em sintonia com a jurisprudência pacífica deste Tribunal no sentido de que “Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do TSE no sentido de que se trata de ato meramente declaratório prestado à instituição bancária”:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2022. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MULTA. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. DOAÇÕES EFETUADAS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de órgão municipal de partido político, relativas ao exercício financeiro do ano de 2022, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia irregular, acrescido de multa de 20%, e a suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

2. Recebimento de recursos de origem não identificada - RONI. Doações efetuadas em espécie, acima do limite estipulado na norma de regência. Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do TSE no sentido de que se trata de ato meramente declaratório prestado à instituição bancária. A operação somente poderia ser realizada “mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal”, nos exatos termos do art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19. Configurada a irregularidade. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados (REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060166587/MA, Acórdão de 12.11.2020, relator Min. Edson Fachin, DJ-e 20.11.2020), circunstâncias não verificadas no caso dos autos.

4. Na hipótese, a irregularidade representa 100% das receitas do exercício, inviabilizando a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que a falha seja considerada pouco relevante no conjunto das contas, e impondo a sua desaprovação. Considerando que as irregularidades alcançaram a totalidade da arrecadação do partido político, a sentença não merece reparos quanto à fixação das sanções em seus patamares máximos.

5. Desprovimento.

(TRE/RS, REl n. 0600021-52.2023.6.21.0025, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJE, 03/09/2024, grifei).

 

Portanto, permanece a irregularidade, sendo inviável acolher o pedido de aprovação das contas, e a decisão merece ser mantida.

O procedimento adotado na doação contraria o art. 8, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias em espécie, realizadas por um mesmo doador. Assim, está correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, o que conduz ao recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. art. 8, § 10, c/c art. 14 da Resolução TSE n. 23.604/19.

A falha, por sua vez, importa em R$ 1.220,00 e representa 20,63% do total de recursos arrecadados (R$ 5.911,00). O valor extrapola os parâmetros de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, tendo em vista que o montante da irregularidade está acima de 10% do total de recursos arrecadados e é superior ao valor nominal de R$ 1.064,10.

De acordo com a jurisprudência: “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE-RS, REl n. 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJe, 13.02.2025).

Acrescento que a fixação da multa em padrão intermediário (10%) se encontra adequada e proporcional à falha constata e atende suficientemente a necessidade de reprovação da irregularidade.

Com essas considerações, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, concluo que o recurso merece ser desprovido, porque a manutenção do juízo de desaprovação das contas e da determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é medida que se impõe, nos termos do art. 45, inc. III, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.