REl - 0600322-30.2024.6.21.0165 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/09/2025 00:00 a 19/09/2025 23:59

VOTO

Irresignados, Robes e Douglas Schneider recorrem da sentença que aprovou com ressalvas suas contas de campanha referente às eleições municipais de 2024 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 2.000,00, em razão da utilização indevida desta quantia proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A sentença considerou a falha na medida em que “não trouxe o prestador comprovação do efetivo custo do combustível”, pago com recursos públicos. Reproduzo as razões de decidir:

(…)

Em que pese ao longo da instrução o prestador tenha logrado êxito no afastamento de parte das irregularidades inicialmente apontadas, por meio de manifestações, documentos adicionais e da própria retificação das contas, subsiste a falha apontada no parecer conclusivo de ID 126603228, no tocante ao preço praticado na locação de veículo contratada com ALAN SCHNEIDER, cujo pagamento se deu com recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC.

O contrato de locação de veículo mantido com ALAN SCHNEIDER (ID 126551063), pelo período de 20/08/2024 a 05/10/2024, prevê o pagamento do preço de R$ 3.000,00, que foi quitado com recursos provenientes de FEFC (extratos de ID 126573517). O prestador também contratou com recursos privados a locação de veículo com SANDRA LUCIA PALAVRO (ID 126551059) pelo período de 15/08/2024 a 05/10/2024, mediante preço de R$ 1.000,00.

Em sua defesa, ante o apontamento, o prestador alegou que "no contrato de locação de veículo de ID 126551063, especifica na cláusula terceira que o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), as despesas de combustível ficam a cargo do locador. Já no contrato de ID 126551028, especifíca na cláusula terceira que o valor de R$ 1.000,00 (três mil reais) somente a título de locação do veículo. Ou seja, a diferença entre os contratos é que no do Alan Schneider, o mesmo teve que arcar com as depesas de combustível, por isso o valor do contrato de locação dele é maior do que o sa Sandra Lucia Palavro. Por esse motivo não há porque devolver valores ao FEFC." (ID 126592063).

Com efeito, há previsão contratual de que no valor da locação específica com ALAN SCHNEIDER as despesas de combustível estão inclusas. Contudo, diante do apontamento da divergência do preço pela análise técnica, não trouxe o prestador comprovação do efetivo custo do combustível, a ponto de possibilitar aferir-se o valor efetivo da locação. Meras suposições ou inferências não guardam lugar no trato de recursos públicos, que, alias, longe disso, exige cautela e zelo ainda maior na sua utilização e demonstração, à luz do princípio da moralidade.

Diante de discrepantes preços em contratações similares, uma paga mediante recurso público outra, mediante recurso privado, incumbia, sim, ao prestador demonstrar e justificar o valor efetivo da locação, em atenção ao princípio da boa-fé e o dever de transparência dele decorrente.

Em vista disso, não tendo o prestador demonstrado minimamente o custo que teria o locador dispendido com abastecimento do veículo, de forma a justificar o preço contratado na locação com recurso público, ônus que lhe incumbia, reputo irregular o valor da diferença das contratações, qual seja, R$ 2.000,00, sujeito ao recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Não obstante isso, atente-se que a irregularidade representa 8,92% da totalidade dos recursos recebidos (R$ 22.412,00) permitindo a aplicação dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade autorizadores da oposição de ressalvas às contas sobe exame, na esteira do entendimento uníssono do Tribunal Superior Eleitoral.

(...)

 

Como se vê, foram firmados dois contratos de locação de veículo, nos valores de R$ 3.000,00, adimplidos com recursos do FEFC, e de R$ 1.000,00, pagos com recursos privados. O contrato referente a recursos públicos contém previsão contratual de que o valor de combustível está incluído, e o contrato custeado com recursos privados dispõe que as despesas com abastecimento seriam pagas em separado.

Devido à ausência de especificação quanto ao valor pago a título de combustível relativamente ao contrato adimplido com recursos do FEFC, o qual é R$ 2.000,00 a mais do que o custeado com recursos privados, os candidatos foram intimados para esclarecer e discriminar a movimentação financeira, mas não juntaram notas fiscais demonstrando qual foi efetivamente a quantia utilizada para abastecimento.

No recurso os candidatos sustentam que o gasto com combustível pago com recursos privados, no valor de R$ 920,10, relativo ao contrato de locação do veículo de propriedade de Sandra Lúcia Palavro, foi devidamente comprovado por notas fiscais e que deve ser considerado o mesmo valor como sendo o gasto com combustível do automóvel pertencente a Alan Schneider.

Transcrevo as razões recursais:

(…)

Quanto a divergência do preço apresenta pela análise técnica, foi comprovada pelo prestador, pois conforme demostrada na ID 126551059, o contrato de locação da Sandra Lúcia Palavro foi de R$ 1.000,00, porém ela teve R$ 920,10 com custo de combustível, conforme comprovado com as notas de combustíveis das ID126551072, 126551071, 126551070, 126551069, 126551068 e 126551067, destinadas todas para o veículo de placa JAP9G89 de propriedade da Sandra Lúcia Palavro, conforme consta na nota fiscal. O que totalizou um montante de R$ 1.920,10.

No entanto, o contrato de locação com Alan Schneider foi de R$ 3.000,00, (locação mais combustível incluso), enquanto o contrato de locação do Robes foi de R$ 1.000,00 mais o combustível de R$ 920,10 (notas fiscais anexas a prestação de contas), sendo a diferença entre os dois contratos de R$ 1.079,90.

No presente caso, o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 1.079,90 e não 2.000,00 como proferido em sentença, pois o juízo a quo não considerou o valor de R$ 920,10 do combustível utilizado pela locação de Robes Schneider, salienta-se novamente que o contrato de locação de Douglas Schneider era com combustível incluso, enquanto o de Robes Schneider era locação e combustível a parte, dessa forma, para se falar em equidade tem que se analisar o montante das despesas de locação e combustível do candidato Robes Schneider.

(...)

 

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, ponderou que a existência de cláusula contratual obrigando o locador ao abastecimento do veículo “por si só, não afasta o apontamento, pois a simples disposição não demonstra qual o valor efetivamente gasto em combustível”.

O parecer da unidade técnica aponta dois contratos com Alan Schneider, no valor total de R$ 5.000,00, quantia que compreende a totalidade de recursos provenientes do FEFC destinada à conta do Vice-Prefeito, Douglas Schneider (parecer conclusivo, ID 45853985; vide extrato CEF, conta 3000019670, disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024/210002103746/2024/86282/extratos).

Enquanto o primeiro contrato dos serviços de militância e de motorista fora considerado regular, quanto ao segundo contrato, no valor total de R$ 3.000,00, houve o apontamento da irregularidade relativa à falta de comprovação do gasto com combustível.

Efetivamente, após examinar os autos, não verifico a comprovação da regular aquisição de combustível para abastecimento no veículo locado, cujo contrato foi pago com verbas do FEFC: Ford Focus, placa IVW0E89 (contrato de locação, ID 45853946; certificado de registro e licenciamento de veículo, ID 45853896).

Compreendo correto o argumento da sentença e da Procuradoria Regional Eleitoral de que não podem ser considerados gastos eleitorais as despesas com abastecimento, quitadas com recursos públicos do FEFC, quando ausente a apresentação de documento fiscal com o CNPJ de campanha e o respectivo relatório semanal de volume e de preço pago pelo combustível.

A previsão contratual de pagamento de abastecimento pelo próprio motorista contratado e proprietário do veículo locado não tem força suficiente para atestar a destinação lícita da verba pública.

Aliás, o procedimento adotado, por estar desprovido de documento fiscal idôneo de aquisição do combustível e do relatório semanal de volume e de valor do combustível utilizado, não permite o controle da transparência do gasto com recursos públicos e representa descumprimento objetivo aos limites impostos pelo art. 35, § 6º, al. “a”, e § 11, inc. II, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

(…)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal da candidata ou do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pela candidata ou pelo candidato na campanha;

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

(...)

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

(...)

 

A propósito, este Tribunal tem o posicionamento consolidado de que “os gastos eleitorais com combustíveis para veículos utilizados em campanha devem ser comprovados por documento fiscal, do qual conste o CNPJ de campanha”:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. DEPUTADA FEDERAL. ELEIÇÕES 2022. GASTOS IRREGULARES COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEL. NOTA FISCAL SEM CNPJ DE CAMPANHA. SERVIÇO DE TROCA DE ÓLEO. AUSÊNCIA DE PERMISSIVO LEGAL. REDUZIDO PERCENTUAL DAS IRREGULARIDADES. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata ao cargo de deputada federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

2. Gastos irregulares com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Abastecimento de combustíveis. Emissão e apresentação de documento fiscal sem identificação do consumidor. A legislação de regência dispõe que os gastos eleitorais com combustíveis para veículos utilizados em campanha devem ser comprovados por documento fiscal, do qual conste o CNPJ de campanha da candidata (art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19), o que não ocorreu no caso dos autos. "Comprovante Pix" de pagamento da despesa não afasta a "exigência legal formal" de emissão da nota fiscal identificada contra o CNPJ de campanha. Caracterizada a irregularidade.

3. Despesa efetuada com verbas do FEFC em serviço de troca de óleo em veículos utilizados em campanha. O art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 prevê, de forma literal, a natureza dos gastos eleitorais que podem ser realizados em campanha, não havendo menção à permissão de gastos com "manutenção de automóvel". Não havendo autorização legal expressa, o gasto com "manutenção" está proibido, pois as hipóteses da lei são taxativas.

4. O valor irregular representa 2% da receita total declarada pela candidata, configurando parcela ínfima dos recursos movimentados em campanha. Possibilidade de aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de aprovar as contas com ressalvas. Determinação de recolhimento dos valores impugnados ao Tesouro Nacional.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE/RS, PCE n. 0602241-35.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, DJE, 20/07/2023, grifei).

 

Por conseguinte, não é possível acolher a pretensão dos recorrentes no sentido de que se presuma que os gastos com combustível efetuados num dos contratos sejam os mesmos dos realizados para outro contrato. No caso em tela, foram juntadas notas fiscais nas quais consta abastecimento somente do veículo de Sandra Lúcia Palavro.

Dessarte, revela-se razoável, proporcional e justa a decisão de utilizar o valor da locação contratada com Sandra Palavro (R$ 1.000,00) para fixar o real custo da locação do veículo de Alan Schneider (R$ 3.000,00), pago com recursos do FEFC. Assim, resulta sem comprovação a utilização de R$ 2.000,00 referente ao valor pago a Alan Schneider, sendo inviável sequer presumir ter havido pagamento de despesas com combustíveis por falta de apresentação de documento fiscal de abastecimento.

Assim, o recurso não comporta provimento.

A irregularidade, como bem observado pela Procuradoria Regional Eleitoral, importa em R$ 2.000,00, representa o percentual de 8,92% dos recursos arrecadados (R$ 22.412,00) e se enquadra nos parâmetros da jurisprudência das Cortes Eleitorais para aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade a fim de aprovar as contas com ressalvas, tal como concluiu a sentença. De acordo com a jurisprudência: “Em prestação de contas cuja irregularidade envolver valores reduzidos, inferiores a R$ 1.064,10 ou a 10% da arrecadação, é admitida a aprovação com ressalvas, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.” (TRE/RS, REl 0600724-60.2024.6.21.0085, Relator Desembargador Eleitoral Nilton Tavares da Silva, DJE, 13.02.2025).

Com essas considerações, em linha com a Procuradoria Regional Eleitoral, o recurso não comporta provimento.

Em face do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.