REl - 0600341-39.2024.6.21.0164 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/09/2025 00:00 a 19/09/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo e preenche os pressupostos atinentes à espécie. Conheço do apelo e passo à análise do mérito.

 

MÉRITO

Conforme relatado, trata-se de recurso eleitoral em processo de prestação de contas, onde a controvérsia reside na destinação errônea dada a valores que configuraram “sobras de campanha”.

Tal divergência refere-se a crédito relativo a serviço contratado com FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., no valor de R$ 326,72 (trezentos e vinte e seis reais e setenta e dois centavos), valor que configura sobra de campanha, devendo ser recolhido ao Partido dos Trabalhadores de Pelotas, uma vez que se trata de recursos provenientes de origem privada, registrados na conta “Outros Recursos”.

Nesse sentido, dispõe a Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC.

II - ao partido político, via conta Fundo Partidário ou Outros Recursos, a depender da origem dos recursos (grifei).

 

Na petição de ID 45958105 e anexos, aduz o prestador que, "considerando a verificação de sobras referente aos gastos com empenhados Facebook Serviços Online do Brasil, requer a juntada da GRU e comprovante de recolhimento dos valores”. Juntou, nesse sentido, comprovante de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional (ID 45958107).

De antemão, importa destacar, sem dúvidas, que há uma distinção entre a natureza dos recursos financeiros arrecadados na campanha eleitoral, de maneira que, no caso das contas eleitorais sob análise, verifica-se que o montante não utilizado pelo recorrente é formado por receitas que advêm da arrecadação na conta Outros Recursos, na qual são movimentados valores de natureza privada.

E a esse respeito, sabe-se que a destinação dos recursos financeiros remanescentes, ou seja, recursos arrecadados e não utilizados pelos candidatos e partidos, leva a caminhos diversos, notadamente em razão da natureza da verba.

Primeiro, na hipótese de sobras oriundas do Fundo Partidário ou de recursos privados de campanha (Outros Recursos), segundo interpretação do art. 31 da Lei n. 9.504/97, os candidatos que porventura possuam recursos remanescentes da campanha eleitoral devem declarar a sobra em sua prestação de contas e realizar a transferência do saldo para o diretório partidário da circunscrição do pleito. Vejamos:

Art. 31. Se, ao final da campanha, ocorrer sobra de recursos financeiros, esta deve ser declarada na prestação de contas e, após julgados todos os recursos, transferida ao partido, obedecendo aos seguintes critérios:

I - no caso de candidato a prefeito, vice-prefeito e vereador, esses recursos deverão ser transferidos para o órgão diretivo municipal do partido na cidade onde ocorreu a eleição, o qual será responsável exclusivo pela identificação desses recursos, sua utilização, contabilização e respectiva prestação de contas perante o juízo eleitoral correspondente;

II - no caso de candidato a governador, vice-governador, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital, esses recursos deverão ser transferidos para o órgão diretivo regional do partido no estado onde ocorreu a eleição ou no Distrito Federal, se for o caso, o qual será responsável exclusivo pela identificação desses recursos, sua utilização, contabilização e respectiva prestação de contas perante o tribunal regional eleitoral correspondente;

III - no caso de candidato a presidente e vice-presidente da República, esses recursos deverão ser transferidos para o órgão diretivo nacional do partido, o qual será responsável exclusivo pela identificação desses recursos, sua utilização, contabilização e respectiva prestação de contas perante o Tribunal Superior Eleitoral;

IV - o órgão diretivo nacional do partido não poderá ser responsabilizado nem penalizado pelo descumprimento do disposto neste artigo por parte dos órgãos diretivos municipais e regionais.

Parágrafo único. As sobras de recursos financeiros de campanha serão utilizadas pelos partidos políticos, devendo tais valores ser declarados em suas prestações de contas perante a Justiça Eleitoral, com a identificação dos candidatos.

 

Na mesma linha, o art. 34, inc. V da Lei n. 9.096/95:

Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e os recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas:

(...)

V - obrigatoriedade de prestação de contas pelo partido político e por seus candidatos no encerramento da campanha eleitoral, com o recolhimento imediato à tesouraria do partido dos saldos financeiros eventualmente apurados.

(...)

 

A Resolução TSE n. 23.607/19 também disciplina a matéria em questão, cujo tratamento é feito em capítulo específico, no qual se demonstra, claramente, o norte dos saldos de campanha não utilizados:

DAS SOBRAS DE CAMPANHA

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;

II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha;

III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária da candidata ou do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º O comprovante de transferência das sobras de campanha deve ser juntado à prestação de contas da (o) responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido político.

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

 

Em síntese, compreende-se como sobra de campanha o conjunto de valores oriundos das contas do Fundo Partidário (verba pública) bem como da conta Outros Recursos (verba privada). O destino da sobra, nesse caso, é o mesmo: a conta do diretório partidário da circunscrição.

Dessa forma, acertada a sentença ao apontar a irregularidade, visto que os recursos e sobras de campanha deveriam ter sido transferidos do Diretório do Partido dos Trabalhadores de Pelotas.

Sem dúvida, está-se diante de uma inconsistência, uma vez que o recorrente deixou de observar que, nos moldes da legislação, as sobras existentes nas contas bancárias deveriam ter tido destino diferente.

Entretanto, em que pese o descumprimento legal, o equívoco quanto à transferência de sobra de campanha não é suficiente para comprometer a regularidade e a confiabilidade das contas, como bem asseverou a sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral, sob pena se de incorrer em vedado bis in idem:

“Ora, o principal objetivo das normas de prestação de contas é garantir a transparência, a lisura e a legitimidade da movimentação financeira eleitoral, bem como evitar o enriquecimento ilícito.

No caso, o valor não foi retido pelo candidato nem utilizado para fins alheios à campanha, mas sim transferido para uma entidade pública.

Embora a destinação legalmente prevista para as sobras de "Outros Recursos" seja o partido político, o fato de os fundos, de origem privada, terem sido recolhidos ao Tesouro Nacional não gera um dano inverso ao erário público, nem configura má-fé ou tentativa de ocultação por parte do candidato. O erro foi de alocação, não de apropriação”.

 

Tal posicionamento encontra guarida em precedentes desta Justiça Especializada, dos quais seleciono o julgado, a título de exemplo:

ELEIÇÕES 2022. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATA. DEPUTADA ESTADUAL. NATUREZA DOS RECURSOS. DISTINÇÃO. ART. 50 DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. OUTROS RECURSOS. SOBRA DE CAMPANHA RECOLHIDA AO TESOURO NACIONAL. VALOR ÍNFIMO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. A lei confere distinção entre a natureza dos recursos financeiros arrecadados na campanha eleitoral, de maneira que o conjunto das receitas é formado tanto por recursos de natureza privada, quanto de natureza pública. Inteligência do art. 50 da Resolução TSE nº 23 .607/2019. 2. Na espécie, desacurando–se de observar a natureza do recurso, a candidata depositou todo o saldo remanescente de campanha na conta do Tesouro Nacional, incluindo nesse montante a módica quantia de R$ 189,00 (cento e oitenta e nove reais) que deveria ter sido transferida para a conta do órgão partidário estadual, por se tratar de valor residual existente na conta Outros Recursos, em desacordo com a norma de regência. Ausência de má–fé por parte da prestadora. 3. Em que pese o descumprimento legal, o equívoco quanto à transferência de sobra de campanha não é suficiente para comprometer a regularidade e a confiabilidade das contas, vez que não impediu a análise contábil em questão, o que atrairia a aprovação das contas com ressalvas, nos termos do art. 74, II, da Resolução n.º 23 .607/2019. Precedentes TRE/PE. 4. O montante de R$ 189,00 (cento e oitenta e nove reais) afigura–se ínfimo, tanto em termos absolutos, quanto diante dos gastos de campanha que ultrapassam R$ 1 .000.000,00 (um milhão de reais). 5. Contas aprovadas com ressalvas.

(TRE-PE - PCE: 06027160220226170000 RECIFE - PE, Relator.: Des. Humberto Costa Vasconcelos Junior, Data de Julgamento: 01.12.2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 01.12.2022.)

 

Ademais, e tão somente na intenção de exaurir a matéria, imprescindível pontuar que, na hipótese de o órgão municipal pretender o ressarcimento da verba que lhe deveria ter sido destinada, trago à colação julgado que enfrentou questão análoga, oriundo do TRE-DF, no qual houve especificamente a transferência ao Tesouro Nacional de saldo remanescente que deveria ter sido depositado na conta do órgão partidário respectivo, restando consignado que, “na hipótese do partido político sentir-se lesado, uma vez que era o destinatário correto dos recursos, tem ele todo o direito de buscar o ressarcimento pelas vias que julgar adequadas”:

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPÓSITO DE RECURSOS PRÓPRIOS NAS CONTAS DESTINADAS À MOVIMENTAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVA. O equívoco na transferência de valores entre contas, acarretando mistura nos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, é irregularidade formal que não impede a análise, mas que enseja a aposição de ressalva nas contas. A irregularidade apontada acarretou o indevido recolhimento, ao Tesouro Nacional, de todo o montante financeiro arrecadado pela candidata, não apenas daqueles recursos oriundos do FEFC, mas também dos recebidos do Fundo Partidário, os quais deveriam ter sido devolvidos à agremiação partidária respectiva. A irregularidade também comporta a aposição de ressalva.

(TRE-DF - PC: 060264785 BRASÍLIA - DF, Relator: WALDIR LEÔNCIO CORDEIRO LOPES JÚNIOR, Data de Julgamento: 05.02.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 25, Data 11.02.2020, Página 4.)

 

Portanto, em linha com os argumentos expendidos pela Procuradoria Regional Eleitoral, o presente recurso merece provimento para, mantendo-se o juízo de aprovação das contas com ressalvas, afastar a determinação de recolhimento da importância de R$ 326,72 ao Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores de Pelotas.

Ante o exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso interposto por RAFAEL GODOY PORTO MARTINELLI, para AFASTAR a determinação de recolhimento da sobra de campanha no valor de R$ 326,72 ao Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores de Pelotas/RS, nos termos da fundamentação.