REl - 0600030-68.2022.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/01/2025 00:00 a 23:59

VOTO

 

ADMISSIBILIDADE

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Em relação a representação processual dos recorrentes, todos estão devidamente representados nos autos, conforme acertadamente pontuou a Procuradoria Regional Eleitoral, litteris:

“Preliminarmente, voltando-se a compulsar os autos, percebe-se que cada um dos ora Recorrentes, sem ressalva, outorgou procuração ao advogado Thiago Bonfanti (IDs 45569118, 45569120, 45569121 e 45569122). Todavia, este profissional veio a substabelecer seus poderes ao advogado Lieverson Luiz Perin, peticionante do presente recurso, nos seguintes termos: “Ficam substabelecidos com reserva de iguais, os poderes que me foram conferidos por RENAN MARCON, REINALDO ANTONIO NICOLA, ADEMIR BATISTELLA, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA - SARANDI - RS – MUNICIPAL e EDITE TEREZINHA ORTOLAN, referente ao processo nº PC-PP 0600030- 68.2022.6.21.0083”. (ID 45569147)

 

MÉRITO

Conforme relatado, o PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT do Município de Sarandi recorre da sentença proferida pelo Juízo da 083ª Zona Eleitoral que desaprovou a suas contas anuais, relativas ao exercício financeiro de 2021, com fulcro no art. 45, inc. III, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.604/19, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 13.027,72, devidamente atualizado, acrescido de multa de 10% incidente sobre o valor a ser recolhido, além de impor a suspensão da distribuição de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.

As contas foram desaprovadas, tendo a decisão a quo reconhecido as irregularidades apontadas pela unidade técnica (ID 45569136), quais sejam: 1) recebimento de recursos de origem não identificada, no montante de R$ 600,00; 2) recebimento de recursos de fonte vedada no montante de R$ 12.427,72.

Passo à análise das falhas identificadas:

I) Recebimento de recursos de origem não identificada

Conforme o órgão técnico, foi apontada irregularidade consistente no recebimento de recurso de origem não identificada, no montante de R$ 600,00 por meio de depósitos detectados, no extrato bancário, com o CNPJ do próprio partido político como depositante.

Nos termos do art. 7º da Resolução TSE n. 23.604/19, as contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador, quando pessoa física, ou do CNPJ, no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou do contribuinte ou no CNPJ, no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

§ 1º Para arrecadar recursos pela internet, o partido político deve tornar disponível mecanismo em página eletrônica que permita o uso de cartão de crédito, cartão de débito, emissão on-line de boleto bancário ou, ainda, convênios de débitos em conta, observados os seguintes requisitos:

I - identificação do doador pelo nome e pelo CPF;

II - emissão de recibo para cada doação auferida, dispensada a assinatura do doador;

§ 2º As doações por meio de cartão de crédito ou cartão de débito somente são admitidas quando realizadas pelo titular do cartão e deverão ser realizadas com a utilização de terminal de captura de transações.

§ 3º Eventuais estornos, desistências ou não confirmação da despesa do cartão devem ser informados pela respectiva administradora ao beneficiário e à Justiça Eleitoral.

§ 4º A emissão de boleto on-line deverá observar os seguintes requisitos:

I - somente o doador poderá figurar como pagador do boleto, devendo constar do boleto a identificação do seu nome e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou, quando se tratar de partido político ou candidato, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);

II - somente o órgão do partido político poderá figurar como beneficiário, devendo constar do boleto o seu nome, endereço e número de inscrição no CNPJ;

III - deverão constar do boleto o valor do pagamento e a data de vencimento;

IV - o boleto bancário somente poderá ser pago até a data do seu vencimento, não sendo admitida a cobrança de juros ou multa por atraso, sem prejuízo de o doador solicitar a emissão de novo boleto; e

V - a quitação do boleto bancário não poderá ser realizada em espécie quando o seu valor for igual ou superior à R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos).

A infringência à norma impede o conhecimento da real origem dos valores recebidos, implicando a sua caracterização como de origem não identificada, na forma do art. 13, parágrafo único, inc. I, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I - o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou do contribuinte ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II - não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou no CNPJ informado; 

Em relação aos depósitos identificados com o CNPJ do próprio partido, a grei política alegou a ocorrência de “equívoco na hora da doação” e que a verdadeira doadora seria Eliane Tasso Soares Almeida, CPF n. 992.693.500-10.

Na esteira de julgados deste Tribunal, a alegação não socorre o recorrente, uma vez que as receitas financeiras recebidas em conta bancária devem ser identificadas com o CPF do doador, no caso de pessoas físicas. Ademais, não há nos autos documentação que poderia, eventualmente, corroborar a sua tese, como, por exemplo, extrato bancário da conta-corrente da doadora contendo os lançamentos dos débitos correspondentes aos depósitos realizados na conta bancária do partido.

Dessa forma, impõe-se sejam considerados como de origem não identificada os recursos arrecadados no valor de R$ 600,00 como a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, consoante definido no art. 14, caput, da citada Resolução.

 

II) Recebimento de recursos de fonte vedada

A unidade técnica, examinando a contabilidade, apontou irregularidade concernente ao recebimento de recursos de fonte vedada no montante de R$ 12.427,72, consistente em contribuições de pessoas não filiadas ao partido e que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2021, enquadrando-se, assim, na vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…).

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Logo, como regra, o partido político é proibido de receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário.

Note-se, porém, que na parte final do inciso V do artigo 31 da Lei n. 9.096/95, é estabelecida uma exceção à vedação, justamente no sentido de que, “quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação”, a operação será lícita.

No presente caso, contudo, consoante apurou o órgão técnico, 21 doadores ocupavam, no período das doações, cargo/função comissionada e não eram filiados ao PDT, conforme tabela anexa ao relatório de exame das contas (ID 45569140): 1) Arnaldo da Cruz Quaresma Júnior (R$ 100,00), Chefe de Secretaria, cargo em comissão; 2) Graciela Thais Baccin (R$ 430,00), Diretora do Departamento Meio Ambiente, cargo em comissão; 3) Giulia Gentilini (R$ 495,00), Coordenadora de Gabinete, cargo em comissão; 4) André Luís Morel Pinheiro (R$ 285,00), Diretor de Transportes, cargo em comissão; 5) Odacir Antônio Borges (R$ 1.645,87), Advogado, contratação temporária; 6) Alencar Portes da Silva (R$ 1.148,00), Diretor FGTAS e Centro Tecnologia, cargo em comissão; 7) Andressa Rossetto Panizzi (R$ 295,00), Coordenadora Secretaria Administração, cargo em comissão; 8) Sarita Elaine Corneau Santos (R$ 420,00), Diretora de Compras e Empenhos, cargo em comissão; 9) Carlos Eduardo Portes da Silva (R$ 250,00), Secretário Municipal, cargo em comissão; 10) Lori Luiz Vargas de Oliveira (R$ 938,85), Assessor de Imprensa, cargo em comissão; 11) Jaime Peruzzo (R$ 710,00), Mestre do Obras, contratação temporária; 12) Sabrina Zaffari (R$ 960,00), Assessora Assuntos Institucionais, cargo em comissão; 13) Laura da Silva (R$ 200,00), professora, contratação temporária; 14) Daniela de Cabrera (R$ 100,00), Coordenadora de Pagamentos, cargo em comissão; 15) Anderson Portes da Silva (R$ 600,00), Condutor Socorrista, contratação temporária; 16) Alana Camila Picollo de Quadros (R$ 450,00), Psicóloga, contratação temporária; 17) Tânia Maria Cardoso da Silva (R$ 1.200,00), Enfermeira, contratação temporária; 18) Glaucia Portes da Silva Zancanaro (R$ 150,00), Dir. Obras Engenharia SME, cargo em comissão; 19) Denise Franciosi (R$ 450,00), Procuradora-Geral, cargo em comissão; 20) Tiago Furini (R$ 100,00), Condutor Socorrista, contratação temporária; e 21) Roseli Fatima Salami Debastiani (R$ 1.500,00), Secretária Municipal, cargo em comissão.

Os recorrentes sustentam se tratarem de pessoas filiadas ao partido, mas que, por falha do sistema, ou por falha humana, não ostentam tal condição nos registros oficiais da Justiça Eleitoral no período das doações.

Sob o argumento de que a jurisprudência e a própria legislação admitem a prova da filiação partidária através de outros elementos de convicção, a agremiação acostou as fichas de filiação relativas aos doadores ALENCAR PORTES DA SILVA, ANDERSON PORTES DA SILVA, ANDRESSA ROSSETTO PANIZZI, DANIELA DE CABRERA, GRACIELA THAIS BACCIN, ODACIR ANTÔNIO BORGES, SABRINA ZAFFARI e TÂNIA MARIA CARDOSO DA SILVA, bem como capturas de tela com manifestações de apreço pelo partido postadas em rede social pelas doadoras GLAUCIA PORTES DA SILVA ZANCANARO e ROSELI FATIMA SALAMI DEBASTIANI.

Nada obstante a prova da filiação partidária possa ocorrer por outros elementos de convicção, não se admite para tanto documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública, como bem observado na sentença, in verbis:

“É válido ressaltar que, embora a súmula 20 do TSE preveja que a prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados pode ser realizada por outros elementos de convicção, o verbete, em ressalva, indica que a produção unilateral de documentos não são admitidos, visto que são destituídos de fé pública, portanto: Ficha de filiação ou prints de declarações de estima e simpatia pela agremiação, por si só, não são apropriados a confirmar a filiação na grei em epígrafe.”

Acerca da alegação do recorrente de possíveis falhas no sistema, prossegue de forma correta a decisão do Juízo a quo:

“Outrossim, alegação de problemas técnicos para a falta de registro de filiação não prospera, na medida em que o Partido Político é o administrador do sistema Filia e, revestido desta qualidade, é habilitado a consultar e, porventura, corrigir eventuais divergências de filiação no cadastro de seus filiados perante a Justiça Eleitoral.”

Nesse panorama, mostra-se inaplicável ao caso as ressalvas contidas nas partes finais do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 e do art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, que afastam a proibição de detentor de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, realizar contribuição ao partido político.

Em outras palavras, por não estarem os mencionados servidores públicos filiados ao PDT, no momento de efetivação das doações, era vedado ao partido receber tais valores, vindo a se caracterizar como advindos de fonte vedada.

Assim, considera-se como de fonte vedada a importância de R$ 12.427,72, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Em relação à aplicação da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c art. 48 da Resolução TSE n. 23.604/19, tenho que no caso, levando em consideração o somatório indevido de 38,58% do total dos recursos recebidos (R$ 33.763,14), a multa de 10% aplicada na sentença, incidente sobre o valor total irregular de R$ 13.027,72, mostra-se adequada.

Por fim, quanto à penalidade de suspensão do Fundo Partidário, concluindo que a sanção estaria limitada à condenação por recebimento de R$ 12.427,72, procedentes de fonte vedada, entendo que, apesar de a pena de multa ter sido fixada com equidade, penso que a determinação da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano é excessiva, principalmente considerando os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que afirmam ser indispensável ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada e compatibilizar a necessidade de sobrevivência dos diretórios partidários e a inibição de práticas irregulares (Recurso Especial Eleitoral n. 3757, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Diário de justiça eletrônico de 02.8.2019; Recurso Especial Eleitoral n. 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Diário de justiça eletrônico de 02.10.2018).

Tal solução já fora adotada por esta Corte, conforme a jurisprudência que colaciono:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. FONTE VEDADA. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES. INAPLICABILIDADE DO ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95. ALTO PERCENTUAL DA IRREGULARIDADE. MANTIDA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL, ACRESCIDO DE MULTA. REDUÇÃO DA SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A irregularidade corresponde a 33,59% das contribuições recebidas pela agremiação, inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantida a desaprovação das contas.4. Sanções. Mantido recolhimento ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 5%. Reduzido período de suspensão do Fundo Partidário para dois meses.5. Parcial provimento. (TRE-RS - RE: 1258 SANTIAGO - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 14/09/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 182, Data 01/10/2020, Página 5-6) Grifei.

Portanto, com amparo nessa diretiva e nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, reduzo o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 5 (cinco) meses.

Ante o exposto, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para reduzir a sansão de suspensão de recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para o prazo de 5 (cinco) meses, mantidos os demais termos da sentença.