REl - 0600909-98.2024.6.21.0085 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/09/2025 00:00 a 16/09/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, BRUNO ENGEL JUSTIN e ANILDO CARVALHO, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e de vice-prefeito de Três Forquilhas/RS, recorrem contra a sentença que desaprovou suas contas referentes às eleições municipais de 2024, em virtude das seguintes irregularidades na comprovação dos gastos de campanha pagos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), envolvendo a contratação de pessoal para militância e mobilização de rua; a produção de jingle e a aquisição de material de impresso de propaganda eleitoral.

Passo à análise.

1. Do Contrato com Vitória Rosa Sparremberg

A sentença considerou irregular a comprovação da contratação de Vitória Rosa Sparremberg, apontando que “o § 12, do art. 35, da Resolução TSE n. 23.607/19, é claro e expresso ao indicar os requisitos para o regular pagamento de militância, porém não foi observado pelos candidatos, que trouxeram aos autos apenas um contrato genérico, sem comprovação da prestação do serviço por parte da contratada”.

O contrato em questão prevê o pagamento de R$ 881,21 pela prestação do “serviço de secretária administrativa, pelo período de 01 de setembro de 2024, até o final do período eleitoral, para auxílio da campanha eleitoral de 2024” (ID 45922295, fl. 2), sem indicar os dias de trabalho ou a duração da jornada.

Por ocasião dos embargos de declaração opostos em face da sentença, o candidato esclareceu que o serviço de secretariado administrativo abrangeu “o preenchimento de recibos eleitorais, a organização e arquivamento de extratos, notas fiscais e outros documentos necessários à prestação de contas do CONTRATANTE”, bem como que as funções foram executadas por quatro horas diárias, “podendo ser ajustada conforme necessário e acordo prévio entre as partes” (ID 45922372, fl. 6).

Portanto, a contratação não teve por objeto a prestação de serviços de militância e mobilização de rua, mas atividades de cunho burocrático para instrumentalizar a atuação dos profissionais de contabilidade e advocacia na elaboração das contas de campanha.

Diante disso, a exigência constante do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 deve ser interpretado de forma teleológica e sistemática, a fim de compatibilizar a sua finalidade – que é conferir transparência e rastreabilidade ao gasto eleitoral – com a realidade prática das campanhas.

De fato, existem contratações que não se ajustam ao regime de controle por carga horária diária, mas sim por resultado ou tarefa concluída. É o caso, por exemplo, dos contratos firmados com advogados, contadores e publicitários, cujas obrigações são mensuradas pela entrega do serviço contratado e não pela jornada de horas trabalhadas.

No caso, o contrato firmado com a Sra. Vitória Rosa previu a execução de serviços de apoio administrativo durante o período eleitoral, com valor previamente ajustado e quitação posterior, em lógica muito mais próxima de uma “tarefa completa” do que de uma contratação de mão de obra por jornada.

Nos autos constam, ainda, documentos elaborados pela própria contratada em diversas datas no curso da campanha, especialmente recibos de doações eleitorais (IDs 45922263 a 45922270), que confirmam a execução de atividades administrativas no período eleitoral. Esses documentos constituem prova suficiente de que os serviços foram efetivamente prestados, afastando a hipótese de gasto fictício.

Outrossim, o crédito bancário de pagamento ocorreu em 19.10.2024 (ID 45922353, fl. 3), ou seja, em data compatível com o encerramento da movimentação financeira referente ao pleito e à conclusão das atividades burocráticas de campanha.

Ainda que ausente a especificação de carga horária diária, o essencial está presente: a definição do objeto, o valor ajustado, a identificação da contratada e a vinculação direta com a campanha, atendendo, portanto, à finalidade de transparência e controle exigida pela legislação.

Em contextos fáticos semelhantes, esta Corte já asseverou que “o valor eleito como contraprestação para um mês de trabalho revela–se módico, pouco acima de um salário mínimo, o que mitiga a importância da especificação da carga horária para se aferir a justeza do pacto celebrado” (REl n. 060052421, Relator: Des. Nilton Tavares da Silva, Acórdão de 11.7.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 130, data 17.7.2025), o que entendo aplicável ao caso concreto ao efeito de afastar a relevância da falha.

Assim, julgo que o contrato em tela apresenta falhas formais relativamente às prescrições do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, mas que não comprometem a confiabilidade e a regularidade do gasto declarado, considerando as suas especificidades e os demais elementos colacionados aos autos, de modo que suficiente a aposição de ressalvas sobre a contabilidade.

2. Da Despesa com Produção de Jingle

No tocante ao gasto eleitoral com produção de jingle de campanha, a sentença analisou que “os candidatos realizaram despesa para produção de jingle no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) sem apresentação de contrato com o prestador de serviços ou recibo firmado legitimamente por este, não sendo possível afirmar que o prestador dos serviços tenha sido o beneficiário dos recursos públicos”.

Todavia, não há imposição de que todos os serviços contratados devam estar necessariamente acompanhados de contrato formal escrito, sobretudo em hipóteses em que a própria natureza da despesa permite outros meios de comprovação do gasto.

Nesse trilhar, o art. 60, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 preceitua que “a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos”, tais como comprovante bancário e “recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação da destinatária ou do destinatário e da(o) emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura da prestadora ou do prestador de serviços”.

No caso do jingle de campanha, trata-se de produto intelectual e criativo entregue pronto e acabado ao contratante, de modo que a própria natureza da despesa permite outros meios de documentação do serviço, independentemente da formalização contratual.

Na hipótese, a suficiência do recibo e do comprovante de bancário de pagamento estão bem sintetizadas na manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, que colho como razões de decidir:

A comprovação da despesa com a produção de jingle, no valor de R$ 2.000,00 foi realizada por meio de recibo de pagamento e comprovante de transferência bancária (ID 45922300). Não há indícios de falsidade na assinatura aposta no recibo e é possível depreender que se trata de firma autêntica, por semelhança em relação àquela constante na carteira de habilitação (ID 45922373) do responsável pela empresa fornecedora. O valor não se apresenta dissonante do que é crível pagar por esse tipo de serviço, que envolve conhecimentos especializados e criação. Assim, merece ser afastada a glosa.

 

Com efeito, a ausência de contrato formal não deve conduzir à glosa da despesa, visto que os documentos acostados são suficientes para atestar a regularidade do gasto, não subsistindo a falha apontada pela sentença.

3. Da Indicação das Dimensões do Material Impresso de Campanha

O juízo da origem reputou irregular a nota fiscal emitida por Antônio Carlos Lima pela produção de material gráfico para a campanha, no valor de R$ 173,15, porquanto ausente o registro sobre as dimensões dos impressos adquiridos (ID 45922291), contrariando o art. 60, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Contudo, a omissão restou integralmente sanada mediante a apresentação de nota fiscal retificadora (ID 45922376) que especifica a aquisição de adesivos com 9 cm de diâmetro.

Este Tribunal firmou o entendimento de que “a ausência de indicação das dimensões em nota fiscal de material gráfico pode ser suprida por documento apresentado em grau recursal, desde que comprovada a regularidade do gasto com recursos públicos” (REl n. 0600360-58, Acórdão, Relator Des. Federal Leandro Paulsen, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 12.08.2025), tal como ocorre na hipótese em tela.

Dessa forma, a irregularidade resultou sanada, não subsistindo fundamento sequer para a aposição de ressalvas na contabilidade ou para a determinação de recolhimento de valores ao erário.

Do Julgamento das Contas

Em desfecho, tem-se que o único apontamento ora mantido está relacionado a uma mera falha formal na elaboração do contrato firmado com Vitória da Rosa Sparremberger, que, embora justifique a aposição de ressalvas, ante a inobservância do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, não compromete a regularidade das contas e não dá azo à determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de BRUNO ENGEL JUSTIN e ANILDO CARVALHO, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, e afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.