REl - 0600042-06.2022.6.21.0076 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/01/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso mostra-se regular e tempestivo, visto que a sentença fora publicada no DEJERS em 14.11.2023 e o recurso foi interposto em 16.11.2023. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade recursal, passo à análise do mérito.

 

MÉRITO

Conforme relatado, o PARTIDO DOS TRABALHADORES do Município de Novo Hamburgo recorre da sentença proferida pelo Juízo da 076ª Zona Eleitoral, que desaprovou a suas contas anuais relativas ao exercício financeiro de 2021, com fulcro no art. 45, inc. III, al. “a” e “b”, da Resolução TSE n. 23.604/19, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 8.694,77 (R$ 7.904,34 + multa de 10%), bem como a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário - FP e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha até que o esclarecimento da origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral.

O parecer técnico contábil conclusivo (ID 45582613) apurou o recebimento de créditos, no montante de R$ 7.904,34, efetivados com a identificação do CNPJ do diretório nacional do partido, sem a correta identificação do doador originário, conforme exigido pelo art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.604/19, situação essa que configura o recebimento de recursos de origem não identificada.

Eis o que dispõe o art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 5º Constituem receitas dos partidos políticos:

[...]

IV - doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário;

[…]

(Grifei.)

Apesar de regularmente intimado para manifestar-se acerca dos apontamentos realizados pela análise técnica, o partido permaneceu silente.

Conforme indicado na sentença (ID 45582628), “o partido não apresentou a totalidade dos documentos elencados no art. 29 da Resolução TSE nº 23.604/2019, bem como, não retificou as contas e não se manifestou em nenhum dos prazos oportunizados para que as falhas fossem sanadas, restando emitido “Parecer Conclusivo” pela desaprovação das contas e pelo recolhimento de R$ 7.904,34 ao Tesouro Nacional em razão de valores recebidos de fonte não identificada.” (Grifei.)

Desta forma, não tendo ocorrido a apresentação de esclarecimentos e/ou documentos aptos a sanar as falhas verificadas, as contas da agremiação restaram desaprovadas pelo Juízo a quo.

Após interposição do recurso eleitoral e remessa dos autos a esta instância, o partido recorrente apresenta petição acompanhada de nova documentação, consistente em relatório extraído do sistema interno do diretório nacional do PT (relatório SACE), que, em seu entendimento, possui o condão de afastar as irregularidades indicadas na sentença.

Pois bem. Embora seja possível o conhecimento de documentos novos em fase recursal, tenho que tal permissivo não encontra guarida no presente caso.

Inicialmente, o Código de Processo Civil (CPC) admite, no art. 435, hipóteses em que é cabível a apresentação de documentos após o momento processual oportuno:

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da parte de acordo com o art. 5º.

A jurisprudência da Justiça Eleitoral e, especialmente, deste Regional tem admitido a juntada de documentos na fase recursal, mormente em sede de prestação de contas, quando esses sejam suficientes para, primo ictu oculi, ou seja, perceptível de plano, sanar as irregularidades, sem que seja necessário novo exame pela unidade técnica.

In casu, a agremiação recorrente acostou documento interno do ente nacional da agremiação, consistente em um relatório com 58 páginas, que, segundo seu julgamento, demonstraria a origem das doações tidas na sentença como de origem não identificada.

Nada obstante a petição de ID 45590616, onde tal relatório encontra-se anexo, trazer uma tabela com mais de 90 transações, a verificação das informações constantes do referido relatório envolveria a conferência de uma série de dados, tais como os valores lançados, a legitimidade e a regularidade dos CPFs dos doadores informados, bem como a existência de eventuais fontes vedadas, demandando, assim, a reabertura da instrução para nova análise técnica, providência inviável nesta instância, quando já prolatada a sentença.

Entendendo ser excepcional a admissão de novos documentos apresentados com o recurso e que o documento apresentado na fase recursal exigiria submissão ao crivo do órgão técnico, a Procuradoria Regional Eleitoral assim se manifestou (ID 45596281):

“Com efeito, a acolhida de documento em sede recursal somente poderia se dar nas hipóteses do parágrafo único do art. 435 do CPC.

Excepcionalmente, poderiam ainda ser admitidos documentos cuja data em que firmados, para se ter certeza de que não foram forjados após constatada a irregularidade, decorre da data aposta no reconhecimento de firma ou na autenticação da cópia do documento, ou ainda por outro modo similar, que traga certeza quanto ao momento em que foi produzido.

Nessa linha, a jurisprudência dessa Corte tem admitido a juntada de documentos que, em sede de prestação de contas, sejam suficientes para, primo ictu oculi, sanar as irregularidades, sem que seja necessário novo exame pela Unidade Técnica, que não é mais possível neste momento processual. Assim, tendo ocorrido regulares e reiteradas intimações do recorrente e mostrando-se inviável a análise técnica nessa instância, deve ser mantida a sentença que julgou as contas desaprovadas e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.”

Destarte, a recorrente não cumpriu adequadamente o rito da prestação de contas, deixando de acostar documentos no momento processual adequado. Inclusive, quanto a este ponto, observa-se que nas notas explicativas de ID 45582587 e 45582494 o partido já se manifestara no sentido de que as receitas relacionadas como transferências do Diretório Nacional se referem a contribuições estatutárias que estariam relacionadas no aludido relatório SACE, que não fora anexado naquela oportunidade.

Por isso, nem a unidade técnica nem o juízo de primeiro grau teve a oportunidade de examiná-lo dentro da regularidade do rito.

Analisar a grande quantidade de informações constantes do relatório apresentado na esfera recursal (ID 45590617), alterando o rito processual e mesmo a competência deste Tribunal, acabaria por transformar tal exceção em regra e, como manifestado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, “o objetivo da norma, certamente, é evitar a montagem de prestações de contas a partir do momento em que vão sendo constatadas as irregularidades”.

Com estes fundamentos, e na linha de entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser mantida a sentença de desaprovação das contas, nos termos do art. 45, inc. III, als. "a" e "b", da Resolução TSE n. 23.604/19, e a determinação de recolhimento do valor de R$ 8.694,77 (R$ 7.904,34 acrescido de multa de 10%) ao Tesouro Nacional.

No entanto, tenho que merece ser afastada a penalidade aplicada pelo Juízo a quo, consistente na suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário "até que o esclarecimento da origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral".

Nos termos já decididos por esta Corte, verifica-se que a suspensão de quotas até que a origem dos recursos seja informada somente tem sentido durante a tramitação do feito, e não após a prolação da decisão que julga as contas, pois nela deve ser determinado que os recursos de origem não identificada retornem integralmente aos cofres públicos. Vejamos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O JUSTIÇA ELEITORAL PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

(...). 5. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas até que a origem do recurso seja informada. A interpretação teleológica do texto do art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.432/14 evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito. Reduzido prazo de suspensão do Fundo Partidário para seis meses. Recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia impugnada, oriunda de origem não identificada e de fonte vedada.

6. Parcial provimento. (TRE; PC 35-92.2016.6.21.0005; Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann; julgado em 01.07.2019, DJE de 23.08.2019.) (Grifei.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019. RECEBIMENTO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO EM PERÍODO VEDADO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ALTO PERCENTUAL. INVIABILIZADA A PLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APLICADA MULTA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas de diretório estadual partidário, relativa ao exercício financeiro de 2019. Parecer técnico e ministerial pela desaprovação das contas, recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional e multa. 2. Recebimento do diretório nacional partidário de quotas do Fundo Partidário em período cujo repasse estava suspenso. Patente a vedação em tais circunstâncias, tanto do repasse de recursos pelo órgão distribuidor quanto de seu recebimento pelo favorecido, o qual está obrigado a manter supervisão constante sobre suas movimentações bancárias, para, no prazo devido, emitir recibos de doação (art. 11, caput e inc. IV, da Resolução TSE n. 23.546/17) e devolver valores creditados indevidamente (art. 11, § 5º, e art. 14, caput e § 1º, do mesmo diploma regulamentar). A Resolução TSE n. 23.546/17 é expressa em dispor que é defeso ao diretório, durante o cumprimento da sanção em tela, ter suas obrigações assumidas por outros órgãos, caso pagas com recursos do Fundo Partidário (art. 23, caput e § 1º). Inaplicável à hipótese a norma contida no art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95. Jurisprudência consolidada no sentido de que as prestações de contas devem ser julgadas e sancionadas consoante as regras previstas na legislação vigente à época dos fatos. Ressarcimento aos cofres públicos da quantia espúria, nos termos do art. 49, caput, e em sintonia com os arts. 59, § 2º, e 62, todos da Resolução TSE n. 23.546/17. 3. Aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário. Existência de despesas não comprovadas, sem a apresentação de documentos que descrevam detalhadamente os serviços executados. 4. Recebimento de recursos de origem não identificada. Recebimento de depósito em espécie com a identificação do CNPJ pertencente ao diretório municipal, apesar de o órgão partidário não ter realizado movimentação financeira no exercício. Alegado equívoco por parte da doadora, pois foi registrado o CNPJ da legenda, em vez do CPF da doadora. Inviabilizada a verificação da procedência dos valores, devendo o montante ser considerado como recurso de origem não identificada e, via de consequência, transferido ao Tesouro Nacional. 5. As irregularidades representam 84,82% da receita total arrecadada no exercício, inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar a relevância das máculas sobre o conjunto das contas e impondo a desaprovação das contas partidárias, com fulcro no art. 46, inc. III, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.546/17. Aplicação de multa no patamar de 15%. Descabe a aplicação da penalidade de suspensão no recebimento de quotas do Fundo Partidário, porquanto representa consequência específica do percebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17. No mesmo sentido inaplicável o art. 47, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17, o qual preceitua que o recebimento de valores de procedência não revelada importa suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário “até que o esclarecimento da origem do recurso seja aceito pela Justiça Eleitoral”, pois seu campo de incidência confina-se da tramitação do feito até o julgamento final, não podendo ser estendido após esse marco, pois poderia significar cominação de pena ad infinitum. 6. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional. Aplicação de multa. (TRE-RS - Prestação de Contas: 060022749 PORTO ALEGRE - RS, Relator: KALIN COGO RODRIGUES, Data de Julgamento: 10/03/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 14/03/2022) (Grifei.)

Interpretação diversa poderia redundar na imposição de sanção ad aeternum, penalidade não admitida no ordenamento jurídico brasileiro, sendo certo que, após a prolação da sentença, sequer teria lugar o exame de novos esclarecimentos, como, de fato, foi a conclusão do presente julgado.

Diante do exposto, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do Diretório Municipal do PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT de Novo Hamburgo para AFASTAR a sanção de suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário - FP e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC até que o esclarecimento da origem dos recursos seja aceito pela Justiça Eleitoral; e MANTER a DESAPROVAÇÃO das contas e a DETERMINAÇÃO de recolhimento do valor de R$ 8.694,77 ao Tesouro Nacional.