REl - 0600084-95.2024.6.21.0137 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/01/2025 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, de acordo com a narrativa contida na petição inicial, Volmir Nazareno Rech e Fabiana Dutra de Oliveira, respectivamente, candidato ao cargo de prefeito e candidata ao cargo de vice-prefeita de São Marcos, firmaram o compromisso de ceder bens públicos a entidades tradicionalistas do município, caso eleitos, configurando a prática de abuso de poder político e econômico e de captação ilícita de sufrágio.

Os fatos estão descritos pelos representantes nos seguintes termos (ID 45723985):

(…) os representados, Sr. Volmir Nazareno Rech e Sra. Fabiana Dutra de Oliveira, candidatos a Prefeito e Vice-Prefeita de São Marcos pela Coligação Mais Amor Por São Marcos (PP, PSDB e PODEMOS), realização Declaração, devidamente registrada em Cartório, na qual se comprometem a ceder, se eleitos, bens públicos a entidades tradicionalistas de São Marcos.

No documento, o qual segue anexo, os representados prometem ceder o uso de Galpão Tio Carlo, bem público localizado no Parque de Eventos Prefeito Albino Antonio Ruaro, ao CTG Tio Carlo.

Ainda, prometem a retirada da Secretaria de Serviços Públicos e Urbano de seu atual prédio, localizado próximo ao Parque supracitado, cedendo o uso do mesmo, parte para o Piquete Potreiro da Serra, parte para os demais Piquetes do Município.

Após o registro em cartório, os representados entregaram cópias da referida declaração, em mãos, a representantes dos CTGs, Piquetes e demais entidades tradicionalistas de São Marcos, conforme fotografias em anexo, com a evidente intenção de angariar apoio eleitoral e obter vantagem indevida, configurando abuso de poder político e promessa ilegal de campanha.

 

O documento juntado com a exordial consiste uma uma declaração, certificada em Tabelionato de Notas, na qual os candidatos recorridos se comprometem com determinados itens de seu projeto de governo, com o seguinte texto (ID 45723988):

[…].

Ambos os declarantes, na condição de candidatos à chapa majoritária - Prefeito e vice-prefeita - pela COLIGAÇÃO MAIS AMOR POR SÃO MARCOS (PP, PODEMOS e PSDB), declaram que constitui parte de seu projeto de governo, bem como compromisso assumido e aqui tornado público, a realização das seguintes benfeitorias em prol dos grupos de tradicionalistas locais e dos eventos por estes produzidos:

1. manutenção da cancha municipal de laço Ricieri Bertulazzi junto ao Parque Municipal Albino Ruaro e realização de benfeitorias, incluindo ampliação e cobertura da cancha.

2. apresentação de projeto de lei para cessão de uso em comodato do Galpão Tio Carlo para a entidade CTG Tio Carlo;

3. realocação da Secretaria de Serviços Públicos e Urbanos;

4. apresentação de projeto de lei para cessão de uso de parte do galpão onde funciona a Secretaria de Serviços Públicos e Urbanos para utilização do Piquete Potreiro da Serra, incluindo a disponibilidade de mesas e cadeiras;

5. apresentação de projeto de lei para cessão de uso de parte do galpão onde funciona a Secretaria de Serviços Públicos e Urbanos para utilização dos demais piquetes, incluindo a disponibilidade de mesas e cadeiras;

6. apoiar a realização de eventos dos piquetes e demais entidades tradicionalistas, com o intuito de disseminar a cultura tradicionalista e incentivar o envolvimento da comunidade nos seus projetos.

Por ser a expressão da verdade, firmam esta declaração conjuntamente para que se faça conhecer por parte dos interessados, e para que represente uma aliança entre seus propósitos e a comunidade tradicionalista.

[…].

Ora, a divulgação de projetos e a assunção de compromissos com setores econômicos e sociais são partes inerentes das campanhas e do debate democrático, constituindo uma das principais ferramentas para o eleitorado avaliar as diferentes candidaturas e plataformas de governo.

A própria formalização das promessas em documento registrado em cartório, e divulgado em campanha, evidencia a ausência do dolo exigido pelo tipo legal do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, uma vez que a transparência da conduta é incompatível com a intenção de angariar votos mediante promessa ilícita de vantagens.

A publicidade do compromisso reafirma o caráter coletivo e genérico das propostas, destinadas a fomentar políticas públicas em benefício geral de entidades tradicionalistas do município, e não a atender interesses individuais de eleitores específicos.

O teor da declaração em análise, embora registre compromissos específicos de cessão de bens públicos para determinadas entidades nominadas, não extrapola o âmbito de promessas administrativas genéricas, comuns em contextos eleitorais.

As propostas apresentadas referem-se a ações públicas de fomento da cultura local e ao apoio de entidades que preservam o tradicionalismo gaúcho. Essas iniciativas são legítimas dentro de um programa de governo, especialmente em um município em que as atividades tradicionalistas possuem relevância cultural, social e econômica.

O compromisso de apresentar projetos de lei, condicionada a eventual cessão de bens públicos, a um processo legislativo futuro, sujeito à deliberação da Câmara Municipal, afasta a ideia de vantagem imediata em troca de votos ou apoio político.

Dessa forma, bem concluiu a Magistrada da origem que os representados tão somente subscreveram projetos e promessas genéricas e lícitas de campanha:

[…].

A promessa de manutenção da cancha de bocha beneficia a todos os apreciadores do esporte independentemente da linha partidária ou ideológica. No mesmo sentido, o apoio à realização de eventos das entidades tradicionalistas.

Quanto a apresentação de projetos de lei, a decisão final será do legislativo municipal, como constou na declaração atacada, não se verificando vantagem a determinado eleitor.

Por fim, a realocação da Secretaria de Serviços públicos é ato discricionário do administrador público, não cabendo apreciação desta Justiça Especializada.

[…].

 

Portanto, não há como cogitar a ocorrência de captação ilícita de sufrágio na hipótese dos autos, pois inexiste o elemento subjetivo indispensável à configuração da infração: a intenção de angariar votos por meio da concessão de vantagens concretas e individualizadas a eleitores.

A jurisprudência do TSE é clara ao estabelecer que "as promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997" (TSE, REspe n. 47444, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 30.4.2019).

Nessa senda, colaciono julgado desta Corte Regional:

RECURSOS. JULGAMENTO CONJUNTO. REPRESENTAÇÕES IMPROCEDENTES. CANDIDATOS DA CHAPA MAJORITÁRIA. OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. SERVIÇO PÚBLICO DELEGADO. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. USO PROMOCIONAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INOCORRÊNCIA. CONDUTA VEDADA. CONFIGURAÇÃO. ARTS. 41-A E 73, INC. IV, DA LEI N. 9.504/97. PROVIMENTO PARCIAL. MULTA. ELEIÇÃO 2016. 1. Julgamento conjunto dos RE 34071 e RE 20207 por tratarem dos mesmos fatos; processamento que se deu em autos distintos em face do enquadramento jurídico: captação ilícita de sufrágio e conduta vedada. 2. A captação ilícita de sufrágio é a negociação personalizada em troca do voto; necessário que o ato de compra de votos esteja dirigido a eleitor determinado ou determinável. Diversa é a hipótese da promessa de campanha: não vedada pela legislação, genericamente dirigida a uma coletividade, mas sem proposta em concreto condicionante do voto. […]. 6. Negado provimento ao RE 34071; dado parcial provimento ao RE 20207, para aplicar multa individual aos representados.

(TRE-RS - RE: 20207 ROSÁRIO DO SUL - RS, Relator: DR. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 26.09.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 175, Data 29.09.2017, Página 12.) Grifei.

 

De modo semelhante, não há como considerar que o compromisso abstrato e geral de candidatos para o fomento de determinado setor cultural do município configure abuso de poder político ou econômico, com gravidade para romper com a normalidade e legitimidade do pleito.

Nessa senda, esta Corte Regional já pronunciou que "a divulgação de promessa genérica, em meio lícito e dentro do período de campanha, ainda que envolvendo iniciativa governamental passível de discussões sobre sua viabilidade ou legalidade, não caracteriza conduta enganosa ou abusiva" (TRE-RS - REl n. 0600311-81, Relator: Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, Data de Julgamento: 01.9.2022, DJE de 05.9.2022).

Assim, tendo em vista que as promessas feitas pelos recorridos foram genéricas e dependeriam de futuros processos administrativos e legislativos, caso eleitos, bem como que não se constituíram em benefício individualizado a eleitores e foram realizadas de forma pública e transparente, em consonância com as práticas legítimas de campanhas eleitorais, não merece reparos a bem-lançada sentença recorrida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.