REl - 0600514-41.2024.6.21.0042 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/01/2025 às 14:00

VOTO

1. Tempestividade.

O recurso é tempestivo, obedece ao prazo de três dias concedido pela legislação, art. 258 do Código Eleitoral, e atende aos demais pressupostos processuais, de forma que merece conhecimento.

2. Mérito

2.1. Fatos.

Colegas, extraio da petição inicial dos recorrentes a descrição dos fatos – incontroversos:

(...)

Em 21 de agosto de 2024, conforme se verifica no Portal da Transparência do Município de Santa Rosa, já durante o período de campanha eleitoral, foi publicado no Diário Oficial do Município edital de Pregão Eletrônico para “aquisição de cestas básicas de alimentos” que, conforme o Edital anexo, serve “para atender as demandas de bem de consumo concedido aos cidadãos em situação de vulnerabilidade e/ou risco social, benefício eventual para atender situações emergenciais e de vulnerabilidades temporárias”.

Fundamentam as compras no PAC/2024 e nos arts. 12 e 13 do Anexo Decreto Municipal n. 108/2018, que “Homologa e aprova a resolução editada pelo Conselho Municipal de Assistência Social, determinando sua aplicabilidade no âmbito do território do Município de Santa Rosa.”:

(...)

É de se assinalar que esse tipo de aquisição, conforme o próprio texto da Resolução que referenda a compra, veda “a concessão de forma continuada”. Logo, tal compra de cestas de alimentos, em período crítico sob a ótica eleitoral, não poderia ser realizada. Tal Procedimento Licitatório, com edital lançado em 21 de agosto, teve o pregão realizado e, posteriormente, foi firmado o contrato 169/2024, com LUMA DE OLIVEIRA RAMBO LTDA.

O contrato está vigendo desde o dia 06 de setembro (ou seja, um mês antes do dia do pleito) e tem vigência até o último dia do ano de 2024, justamente todo o já mencionado período crítico.

Foram adquiridas 250 (duzentas e cinquenta) cestas básicas, dado também incontroverso.

Por seu turno, os recorridos argumentam que, muito embora tenham sido, de fato, adquiridas em agosto de 2024, as cestas básicas não foram entregues no período eleitoral – situação igualmente admitida pela federação recorrente:

(...)

Importante destacar que, na exordial, não há qualquer menção ou prova de que uma ordem de serviço tenha sido emitida, o que poderia indicar a iminência da entrega das cestas básicas durante o período eleitoral. Os autores, mais uma vez, fazem uso de meras presunções, sem apresentar evidências concretas que sustentem suas alegações de que a entrega ocorrerá de forma irregular ou em desacordo com as normas eleitorais. Portanto, não há fundamento que justifique qualquer alegação de violação da legislação eleitoral, uma vez que não há indícios de que a entrega das cestas ocorrerá dentro do período eleitoral, conforme o próprio Termo de Referência estabelece.

Estabelecida a moldura fática, passo à análise propriamente dita.

2.2. Os fatos sob a ótica do abuso de poder.

O sistema legislativo busca a proteção da normalidade e legitimidade do pleito, bem como o resguardo da vontade do eleitor, para que não seja alcançada pela prática nefasta do abuso.

Para tanto, a Constituição Federal, art. 14, § 9º, dispõe:

Art. 14. (…) § 9.º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

E, para a configuração do abuso de poder, saliento que deve ser considerada, precipuamente, a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas foi – ou poderia ser - influenciado. É o que preconiza o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...). (Grifei.)

Nesse sentido é também a posição da doutrina, aqui representada pela lição de Rodrigo Lopez ZILIO:

O relevante, in casu, é a demonstração é a demonstração de que o fato teve gravidade suficiente para violar o bem jurídico que é tutelado, qual seja, a legitimidade e a normalidade das eleições. Vale dizer, é bastante claro que a gravidade como critério de aferição do abuso de poder apresenta uma característica de correlação com o pleito, ou seja, tem-se por necessário examinar o fato imputado como abuso de poder e perscrutar a sua relação com a eleição, ainda que essa análise não seja realizada sob um aspecto puramente matemático. (Manual de Direito Eleitoral. São Paulo: JusPodivm, 10ª ed. 2024, p. 756). (grifei)

Com tal sistemática - que pode ser denominada "gradiente da gravidade" - a lente do julgador passou a examinar as circunstâncias do ato tido como abusivo - quem, quando, como, onde - com o fito de avaliar diversos fatores, dentre os quais a existência de repercussão na legitimidade e normalidade das eleições e o grau de reprovabilidade da conduta sob o ponto de vista social, em exame do meio fático e do meio normativo sob aspectos quantitativos e qualitativos (em lição de ALVIM, Frederico, in Abuso de Poder nas competições eleitorais. Curitiba, Juruá Editora, 2019).

Nessa ordem de ideias, a análise da gravidade consubstancia uma questão de ser "menos" ou "mais", e não um dilema dual - de "ser" ou "não ser".

Aqui, indico desde já que não há gravidade.

Inicialmente, transcrevo trecho do parecer de ID 45584733, que bem resume a situação, e adoto-o expressamente como razões de decidir:

(...)

Pois bem, no que tange à análise do fato, o parecer ministerial (ID 45777558) salientou que, por força da Lei de Inelegibilidades, inciso XVI do art. 22, o simples ato de aquisição dos itens de consumo não ostenta gravidade para caracterizar o abuso de poder econômico (…) opino por manter o entendimento do juízo a quo, bem como do MPE, uma vez que a aquisição envolve 250 cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade, as quais não foram entregues ao órgão assistencial e, consequentemente, não há vislumbre sobre ilícito eleitoral e nem ao menos se nota a influência na liberdade de voto popular. Portanto, inexistiu eventual quebra da igualdade de chances entre candidatos na disputa eleitoral ou qualquer forma de abuso de poder. Isso, por consequência, leva à conclusão de que a falta de gravidade do fato é incapaz de gerar a aplicação das penalidades insculpidas no art. 73, IV e 74 da Lei n° 9.504/97.”

 

Por brevidade, indico que o ato da compra das cestas básicas não teve repercussão – aliás, cabe consignar aqui que a repercussão, acaso tida, poderia ser inclusive negativa, pois ao cidadão leigo poderia parecer inércia da Administração Pública o ato de apenas comprar cestas básicas - e não distribuí-las. Não há nos autos comprovação de que o ato administrativo tenha sido utilizado em campanha eleitoral, por exemplo.

O vetor da repercussão, saliento, é utilizado em precedentes do e. Tribunal Superior Eleitoral, seara na qual se demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral:

“Eleições 2020. [...] Inexistência de gravidade das condutas. Abuso do poder econômico e político. Não configurado. [...] 8. Na linha do que foi afirmado pela Corte de origem, não há, na espécie, prova robusta que demonstre a configuração do abuso de poder, porquanto, embora esteja comprovado nos autos que os candidatos se utilizaram da máquina pública para divulgar sua candidatura, não ficou demonstrada a repercussão das condutas (ainda que em seu conjunto) no âmbito do pleito e sua influência perante o eleitorado, para fins de albergar a configuração do abuso de poder, mediante a imposição das graves sanções de cassação de diploma e de inelegibilidade. 9. Consoante remansosa jurisprudência desta Corte Superior, não se admite reconhecer o abuso de poder com fundamento em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos, porquanto ‘a configuração do abuso de poder demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral’ [...] 11. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que, ‘para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento’ [...]”. (Grifei.) (Ac. de 11.5.2023 no AgR-AREspE nº 060055782, rel. Min. Sérgio Banhos.)

 

Ora, o Município de Santo Ângelo possui mais de 60.000 (sessenta mil) eleitores, uma população estimada de cerca de 77.000 (setenta e sete mil) pessoas, circunstâncias que tornam sem gravidade, para fins de identificação de abuso de poder, a mera compra, desacompanhada de distribuição, de parcas 250 cestas básicas – quantidade que, convenhamos, é praticamente irrisória no cenário de um município de quase 80.000 mil pessoas.

Mesmo a linha temporal dos atos – edital ainda em agosto de 2024, início do período eleitoral (próximo dos registros dos candidatos), e extensão até o final do ano de 2024 - bem demonstra a simplicidade do fornecimento, espalhado ao longo de cerca de quatro meses (setembro, outubro, novembro e dezembro).

Em resumo repito, por didática, que as circunstâncias do “como”, o “onde”, o “quem”, o “quando” e “por que” não são graves, ao menos como elas constam nos autos.

Inexistente abuso. Não merece provimento o recurso.

2.3. Os fatos sob a ótica das condutas vedadas.

Por seu turno, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa a tutelar o bem jurídico da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004).

No âmbito deste Tribunal Regional, igualmente já fora decidido que a vedação legislativa à prática das condutas vedadas tem como bem jurídico tutelado “(…) a igualdade de oportunidades entre os concorrentes ao pleito, sendo as hipóteses relativas às condutas vedadas taxativas e de legalidade restrita” (REl n. 29933, Rel. DESA. ELAINE HARZHEIM MACEDO, j. 12.12.2012, DEJERS - Tomo 244, Data 19.12.2012).

Na doutrina, Luiz Carlos dos Santos GONÇALVES define como “tipos” as condutas vedadas, e assevera que “o tipo penal é uma técnica advinda do Direito Penal, no qual há uma descrição, tanto quanto possível, pormenorizada do comportamento proibido, seguido da indicação da sanção aplicável a quem tenha praticado a conduta. Em tese, diminuiu o espaço de discricionariedade do intérprete, que deve proceder ao juízo de subsunção dos fatos às normas, sem espaço para a integração de conceitos abstratos ou genéricos” (in Ações Eleitorais contra o registro, o diploma e o mandato. Publique Edições, Sâo Paulo. 2ª ed, 2024, p. 295).

Dessa forma, ao contrário do abuso de poder, a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral – dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos.

A recorrente aponta ilicitude pela desobediência do art. 73, §10, da Lei das Eleições. Note-se a redação do comando legal:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006) Grifei

 

Ora, claro está que a vedação se refere relativa e exclusivamente à distribuição. É inviável, portanto, acolher o raciocínio exposto pela recorrente, ampliativo da tipicidade escolhida pelo legislador, sobretudo por se tratar de norma restritiva de direitos e sancionadora – com grave sanção, aliás.

Logo, não tendo sido comprovada distribuição, inaplicável o art. 73, § 10º – a propósito, inaplicável quaisquer das condutas elencadas ao longo do art. 73 como de prática vedada, pois constato, repito, atipicidade. As cestas não foram distribuídas, ou sequer a compra fora noticiada sob o viés eleitoral (que poderia atrair a incidência do art. 73, inc. IV).

 

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso interposto pela FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA DE SANTO ÂNGELO e manter a sentença pelos seus próprios fundamentos.