REl - 0600336-42.2024.6.21.0091 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/01/2025 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e, ademais, encontram-se presentes todos os requisitos de admissibilidade, de forma que a irresignação está a merecer conhecimento.

No mérito, a controvérsia está adstrita à análise da existência de suposta propaganda de cunho negativo, veiculada por perfil anônimo.

A sentença entendeu demonstrada, nos prints da página no Facebook "JOÃO TRANSPARÊNCIA HUMAITÁ" e das publicações por ele realizadas (IDs 124401563 e 124411589), perfil anônimo criado com o claro intuito de difusão de propaganda eleitoral negativa, que contava com um número considerável de seguidores/"amigos".

A insurgência dos recorrentes, em síntese, aduz que os fatos tratados nos autos não configurariam propaganda eleitoral.

Antecipo que o recurso merece prosperar. O caso dos autos não é de extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão, ainda que sob a utilização de página anônima, para a qual foi utilizado pseudônimo (tema que adiante será tratado).

Reproduzo as postagens realizadas no perfil “João Transparência Humaitá” (https://www.facebook.com/profile.php?id=61565391092917&locale=pt_BR), cujo teor foi tido por propaganda eleitoral negativa no grau de origem:

 

 

 

 

Há, de fato, críticas à administração do município, cuja gestão 2020 a 2024 é do MDB. Contudo, o e. Tribunal Superior Eleitoral tem assentado que críticas, ainda que veementes, são naturais do embate político, cabendo aos competidores eleitorais responder no espaço a eles franqueado de forma ordinária, na propaganda eleitoral. Manifestações contrárias a ideologias ou gestões administrativas não constituem, em si mesmas, propaganda eleitoral negativa, incluindo-se no permissivo legal do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19. A respeito da liberdade de expressão e do espaço público de debate, José Jairo Gomes leciona:

A liberdade de expressão apresenta uma relevante interface com o Direito Eleitoral.

A livre circulação de ideias, pensamentos, valorações, opiniões e críticas promovida pela liberdade de expressão e comunicação é essencial para a configuração de um espaço público de debate, e, portanto, para a democracia e o Estado Democrático. Sem isso, a verdade sobre os candidatos e partidos políticos pode não vir à luz, prejudicam-se o diálogo e a discussão públicos, refreiam-se as críticas e os pensamentos divergentes, tolhem-se as manifestações de inconformismo e insatisfação, apagam-se, enfim, as vozes dos grupos minoritários e dissonantes do pensamento majoritário.

Depois de lembrar que o direito eleitoral constitui um importante campo de incidência da liberdade de expressão, Aline Osório (2017, p. 129) assinala que

“Durante períodos eleitorais, a importância da liberdade de expressão é amplificada. Partidos e candidatos devem prestar contas de suas ações passadas e expor suas opiniões, propostas e programas futuros. Os meios de comunicação devem funcionar como canais de disseminação de informações, críticas e pontos de vista variados. Os cidadãos precisam de plena liberdade não só para acessarem tais informações, mas para manifestarem livremente as suas próprias ideias, críticas e pontos de vista na arena pública. Nesse processo, é necessário que todas as questões de interesse público – incluindo, é claro, a capacidade e a idoneidade dos candidatos e a qualidade de suas propostas – sejam abertas e intensamente discutidas e questionadas. A efetividade das eleições como mecanismo de seleção de representantes e o próprio funcionamento do regime democrático dependem de um ambiente que permita e favoreça a livre manifestação e circulação de ideias. [...]. Em regimes representativos, o voto e a liberdade de expressão configuram dois importantes instrumentos de legitimação da democracia, permitindo que os interesses e as opiniões dos cidadãos sejam considerados na formação do governo e na atuação dos representantes.

[...]”.

Por outro lado – no âmbito do direito de informação –, os cidadãos têm direito a receber toda e qualquer informação, positiva ou negativa, acerca de fatos e circunstâncias envolvendo os candidatos e partidos políticos que disputam o pleito;

sobretudo acerca de suas histórias, ideias, programas e projetos que defendem. Só assim estarão em condições de formar juízo seguro a respeito deles e definir seus votos de forma consciente e responsável.

É, pois, fundamental que todo cidadão seja informado acerca da vida política do país, dos governantes e dos negócios públicos.

(Direito Eleitoral, 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, edição eletrônica).

Destaco, ademais, que a jurisprudência desta Corte Eleitoral se firmou no sentido de que posicionamentos pessoais, ainda que contundentes, desde que não importem ofensa à honra pessoal, fazem parte do jogo político:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. OFENSA À HONRA. EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO QUE NÃO IMPUGNA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA Nº 26/TSE. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A livre manifestação do pensamento não encerra um direito de caráter absoluto, de forma que ofensas pessoais direcionadas a atingir a imagem dos candidatos e a comprometer a disputa eleitoral devem ser coibidas, cabendo à Justiça Eleitoral intervir para o restabelecimento da igualdade e normalidade do pleito ou, ainda, para a correção de eventuais condutas que ofendam a legislação eleitoral.

2. O entendimento desta Corte Superior é no sentido da admissibilidade de críticas ácidas, cáusticas e contundentes dirigidas aos cidadãos que ingressam, ou buscam ingressar, na vida pública, pois nessas situações há, e se encoraja que ocorra, maior iluminação sobre diversos aspectos da vida dos postulantes a cargos públicos e, enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas, na condição de homens públicos, servem para a construção de uma decisão eleitoral melhor informada pelos eleitores brasileiros.

3. Não obstante, na espécie, extrai-se da moldura fática a ocorrência de propaganda negativa irregular, visto que os comentários consubstanciaram ofensa pessoal, transcendendo os limites da crítica política.

4. A regularidade formal dos recursos, conforme doutrina abalizada, demanda a observância da dialeticidade, que não se considera suprida pela repetição de petição anteriormente aventada e analisada. Ao dever de fundamentação analítica da decisão judicial corresponde o ônus de fundamentação analítica da postulação (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, v. 2, p. 154).

5. Na espécie, o agravante deixou de infirmar o fundamento referente a não demonstração do dissídio jurisprudencial, limitando-se a repetir os argumentos lançados nos recursos anteriores.

6. Descumprido o dever de dialeticidade necessário para se infirmar a decisão agravada, resta obstado o provimento do agravo interno, por força da Súmula nº 26 do Tribunal Superior Eleitoral.7. Agravo regimental a que se nega provimento.

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060022853, Acórdão, Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16/09/2021.


 

Ademais, no relativo ao alegado anonimato – na verdade, o autor da página utiliza um pseudônimo para veicular manifestações, julgo que seria necessário, como antecedente, identificar ofensa ou inverdade (que não se vislumbra, como dito) para promover a requerida suspensão. Neste sentido aponto julgado desta Corte, de relatoria do Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE AFASTADA. OFENSA À HONRA. NÃO CONFIGURADA. PERMISSIVO LEGAL. ART. 27, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.610/19. PSEUDÔNIMO. ART. 40, § 2º, DA RESOLUÇÃO N. 23.610/19. DESPROVIMENTO.

1. Irresignação contra decisão que julgou improcedente a representação por propaganda eleitoral negativa, veiculada por perfil que utiliza pseudônimo.

2. Preliminar de intempestividade afastada. Circunstância que pode ter induzido em erro. 2.1. Em consulta aos registros internos do processo, verifica-se o prazo de “19.10.2020 23:59:59” como “data limite prevista para ciência ou manifestação”. Ademais, o procedimento para intimação das partes (mural eletrônico) não foi observado, de forma que, em prestígio da boa-fé, o recurso deve ser considerado tempestivo.

3. Controvérsia adstrita à análise da existência de propaganda de cunho alegadamente negativo, veiculada por perfil que utiliza pseudônimo. Manifestações contrárias a ideologias ou gestões administrativas não constituem, em si mesmas, propaganda eleitoral negativa, incluindo-se no permissivo legal do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19. A jurisprudência desta Corte Eleitoral firmou-se no sentido de que posicionamentos pessoais, ainda que contundentes, desde que não importem ofensa à honra pessoal, fazem parte do jogo político. Entendimento do TSE no mesmo sentido.

4. Utilização de pseudônimo ao veicular manifestações. Nos termos do art. 42, § 2º, da Resolução n. 23.610/19, “a ausência de identificação imediata do usuário responsável não constitui circunstância suficiente para a quebra de sigilo de dados. Insuficiente alegação de que o material é anônimo para promover sua remoção. Necessidade de identificação da frase ou trecho que caracterize a ofensa para que se promova a suspensão, resguardando-se, ao máximo possível, o pensamento livremente expressado.

5. Alegação da existência de vídeo alterado. A peça em questão é montagem curta e satírica de trechos de falas do recorrente, a qual, em hipótese alguma, poderia caracterizar distorção de fatos ou mesmo induzir eleitor em erro, de forma que também não desborda dos limites da crítica.

6. Desprovimento.

(0600238-58.2020.6.21.0039 Rel. Des. Eleitoral Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler . Julgado em 27.10.2020, Publicado em sessão de 29.10.2020, unânime). Grifei.

Impõe-se, dessarte, a reforma da sentença.

Ante o exposto, VOTO por dar PROVIMENTO ao recurso, ao efeito de julgar improcedente a representação.