PCE - 0603064-09.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/01/2025 às 14:00

VOTO

Conforme relatado, cuida-se de processo de prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha de CARLA IZABEL TORRES, candidata ao cargo de deputada federal nas Eleições Gerais de 2022.

A receita total declarada pela prestadora de contas foi R$ 70.000,00, sendo os recursos exclusivamente provenientes do Fundo Especial Financiamento de Campanhas – FEFC.

Passo à análise das contas apresentadas.

 

I – Da análise das contas

I.1 – Impropriedades

Conforme Parecer Conclusivo, não se verificou impropriedades nesta prestação de contas.

 

I. 2 – Fontes vedadas

Não foi observado o recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas.

 

I.3 – Recursos de origem não identificadas

Da mesma forma, a unidade técnica deste Tribunal não observou o recebimento de recursos de origem não identificada nesta prestação de contas.

 

I.4 – Irregularidades no uso do FEFC

A unidade técnica e o Ministério Público Eleitoral apontaram falhas na contabilidade de campanha relacionadas à comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas – FEFC.

 

I.4.1 – Inconsistências nas informações prestadas em despesas declaradas com locação de veículos

Foram encontradas inconsistências nas despesas declaradas de aluguéis de veículos, através da análise e posterior comparação dos extratos bancários disponibilizados pelo TSE no SPCE com os documentos juntados no processo. A documentação apresentada não possui descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com o que prescreve o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Intimada a manifestar-se sobre as irregularidades, a candidata quedou-se silente.

Deveras, no art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19 há previsão de apresentação de documentos fiscais para comprovação da realização de gastos com recursos públicos, litteris:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[…]

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

[…]

c) documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Partidário e com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na forma do art. 60 desta Resolução;

É verdade que o art. 60 daquele estatuto, ao qual é feita a remissão, admite, em seu § 1º, outros meios idôneos de prova, com o seguinte teor:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

No caso, foram apresentados contratos de aluguel de veículo relativamente à MARIA DE LOURDES VARGAS (que sequer se encontra assinado) e à NAIÁ FERREIRA DA ROSA, onde ambos se encontram desacompanhados de qualquer documento que comprove a propriedade dos veículos. Nesse ponto, a Justiça Eleitoral possui o posicionamento de que se faz necessária a comprovação da propriedade do veículo objeto de contrato de locação para utilização em campanha eleitoral para fins de correta aferição da despesa. Trago o seguinte julgado a ilustrar tal assertiva:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA FASE RECURSAL. DOCUMENTOS DISPONÍVEIS À ÉPOCA DA INSTRUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PROPRIEDADE NÃO IDENTIFICADA. DESPESA COM COMBUSTÍVEL. ART. 60 DA RES. TSE Nº 23.607/2019. IRREGULARIDADES GRAVES. EXCESSO NO LIMITE DE GASTOS COM RECURSOS PRÓPRIOS. MULTA. MANUTENÇÃO. LIMITAÇÃO OBJETIVA. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO RECURSAL. 1. Segundo o art. 435 do CPC, a juntada posterior de documentos somente é admitida quando se tratar de documentos formal ou materialmente novos, incumbindo à parte interessada comprovar as razões pelas quais a juntada não foi oportuna, sob pena de se operar a preclusão temporal. 2. O art. 60 da Res. TSE nº 23.607/19 exige que os gastos eleitorais sejam devidamente comprovados, de modo que a ausência de comprovação quanto à propriedade do veículo objeto de locação compromete a confiabilidade das contas de campanha. 3. Não comprovado o gasto com a locação de veículo, prejudica-se a aferição da regularidade do gasto com combustível, situações que, por si sós, dão azo à desaprovação das contas eleitorais. 4. Constatado excesso no dispêndio com recursos próprios nos termos do art. 27 da resolução em comento, independentemente do valor excedente, pois se trata de limitação objetiva, impõe-se a manutenção da multa fixada na origem, a qual observou os princípios da razoabilidade. 5. Subsistentes irregularidades graves, comprometedoras da confiabilidade e legitimidade das contas eleitorais, mantém-se a sentença que as desaprovou. 6. Recurso conhecido e improvido. (TRE-SE - RE: 060035777 FEIRA NOVA - SE, Relator: CLARISSE DE AGUIAR RIBEIRO SIMAS, Data de Julgamento: 29/07/2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 03/08/2021)

Ademais, com relação às despesas com locação de veículos junto à CARLA GRACIELI DOS SANTOS BARTH e HOMERO AUGUSTO FLORES DA SILVA salienta-se que não foram apresentados contratos e prova da propriedade dos veículos, sendo os únicos documentos juntados quanto a essas despesas os documentos de ID 45240977 e ID 45240978, que são comprovantes de transferências por meio de pix. Quanto a este ponto, observa-se que ambos os documentos juntados se tratam de cópias do mesmo comprovante de transferência, realizado para a conta de HOMER AUGUSTO FLORES DA SILVA, na data de 07.9.2022, às 14h11, ID de transação E00360305202209071711ab0449e01f6.

Portanto, devem ser glosados tais gastos, que totalizam R$ 10.000,00, impondo-se o recolhimento da quantia aos cofres públicos, com esteio no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

I.4.2 – Despesas pagas com FEFC sem comprovação

No parecer conclusivo, a SAI apontou, ainda, que não foram apresentados documentos fiscais no valor de R$ 36.015,00 aptos a comprovar os débitos observados nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, em desatendimento ao art. 53, inc. II e de forma a comprovar os arts. 35 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. Da análise dos extratos eletrônicos, foram identificados como não comprovadas as despesas contratadas junto aos seguintes fornecedores:

Importante salientar que para cada despesa deve ser apresentado documento comprovando o pagamento do fornecedor, na forma do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Também intimada a manifestar-se sobre a irregularidade, a prestadora de contas manteve-se inerte.

Assim, por não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, considera-se irregular o montante de R$ 36.015,00, passível de devolução ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

I.4.3 – Irregularidades na contratação de prestação de serviço e de locação de imóvel

O Ministério Público Eleitoral, após manifestação final da unidade técnica deste Tribunal, apontou duas irregularidades adicionais àquelas apontadas pela SAI.

A primeira diz respeito ao contrato de prestação de serviços junto à BRUNA MACHADO ESCOBAR, no valor de R$ 5.000,00, o qual não apresenta detalhamento adequado das atividades, nem horário de expediente, e tampouco encontra-se assinado pela prestadora.

A Justiça Eleitoral, como forma de garantir a correta aplicação de recursos financeiros nas campanhas eleitorais, tem por considerar irregular a despesa com pessoal, quando os contratos celebrados apresentam objeto genérico, sem o detalhamento das atividades contratadas. Vejamos:

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO CEARÁ PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES GERAIS 2022. CARGO DEPUTADO FEDERAL. ENVIO INTEMPESTIVO DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS DE DOAÇÕES RECEBIDAS. VALOR DIMINUTO. RESSALVA. OMISSÃO DESPESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE DESPESAS COM RECURSOS PÚBLICOS. FALHAS QUE COMPROMETEM A CONFIABILIDADE DAS CONTAS. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS EM VALORES INCOMPATÍVEIS COM O PRATICADO PELO MERCADO E SEM DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS. GRAVIDADE DAS FALHAS SUFICIENTES PARA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. CONTAS DESAPROVADAS COM DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES AO ERÁRIO. Prestação de contas eleitorais de candidato, referente às Eleições de 2022. Devidamente notificado para corrigir as falhas apontadas no relatório preliminar para expedição de diligências, o candidato não se desincumbiu de seu ônus, remanescendo a irregularidade relativa à omissão de gastos eleitorais. Identificada a omissão de despesas sem o devido saneamento pelo prestador consiste em falha grave, apta a gerar desaprovação, em especial quando os recursos envolvidos em irregularidade são de origem pública. As divergências no registro de despesas revelam o descontrole contábil do candidato na utilização de recursos de campanha e retira a confiabilidade da prestação de contas. A contratação de pessoal para trabalhar na campanha exige detalhamento das atividades a serem desempenhadas, local, período e a justificativa do preço contratado, não sendo razoável a mera alegação de liberalidade das partes nos termos da avença. Configura–se irregular a despesa com pessoal, quando os contratos celebrados apresentam objeto genérico, sem o detalhamento das atividades contratadas ou preços notoriamente destoantes com aqueles praticados pelo mercado. O montante envolvido em irregularidade desautoriza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação, ainda que com ressalvas, as contas apresentadas. O conjunto de falhas compromete a transparência e a confiabilidade das contas de campanha, sendo medida que se impõe sua desaprovação. Contas desaprovadas, com determinação. (TRE-CE - PCE: 06019176220226060000 FORTALEZA - CE, Relator: Des. GEORGE MARMELSTEIN LIMA, Data de Julgamento: 23/01/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 24, Data 31/01/2023) (Grifei.)

A outra irregularidade apontada pelo parquet relaciona-se ao contrato de aluguel de imóvel situado na rua General Osório nº 1, sala 002, bairro Centro, cidade de Viamão/RS, pactuado com ERALDO ANTONIO ALMEIDA ROGGIA (ID 45240973) que não se revela meio idôneo de prova para comprovação de gastos (art. 60, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), uma vez que se encontra desacompanhado de comprovante de matrícula do imóvel.

Este Tribunal já referendou a necessidade de comprovação da titularidade do bem imóvel como requisito para atestar a regularidade de gastos com locação de imóvel. Colaciono o julgado de lava do Exmo. Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann a título de exemplo:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSO ORIUNDO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ¿ FEFC. PAGAMENTO DE DESPESA COM ALUGUEL DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PROPRIEDADE DO BEM LOCADO. JUNTADA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A DESPESA. APROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidato eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022. 2. Irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, devido ao pagamento de despesa com aluguel de imóvel a fornecedor que não comprovou propriedade do bem locado ao candidato. Juntado aos autos comprovante de matrícula referente ao imóvel, cuja titularidade está em nome da esposa, casada em regime de comunhão universal de bens com o signatário do contrato de locação. A documentação, apesar da apresentação intempestiva, pode ser considerada no julgamento, pois sua simples leitura tem o condão de sanar a irregularidade sem nova análise técnica. Desse modo, por meio do documento acostado, é possível verificar a propriedade do bem, devendo ser afastada a irregularidade. 3. Aprovação. (TRE-RS - PCE: 0602732-42.2022.6.21.0000 PORTO ALEGRE - RS 060273242, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25/11/2022, Data de Publicação: PSESS-, data 26/11/2022)

Além disso, o Ministério Público aponta parecer inverossímil o valor pago pela locação (R$ 6.850,00) por aproximadamente um mês e dez dias de uso de suposta sala (área total omitida) localizada em distrito do Município de Viamão/RS e cujo acesso se dá por uma estrada de terra, conforme demonstra quando colocada a localização no sítio "Google Maps" (https://www.google.com.br/maps/@-30.140282,-50.8801142,3a,75y,335.62h,90t/data=!3m7!1e1!3m5!1sRDWlw2TOVc0suFiBJLuKIA!2e0!6shttps:%2F%2Fstreetviewpixels-pa.googleapis.com%2Fv1%2Fthumbnail%3Fcb_client%3Dmaps_sv.tactile%26w%3D900%26h%3D600%26pitch%3D0%26panoid%3DRDWlw2TOVc0suFiBJLuKIA%26yaw%3D335.62!7i16384!8i8192?entry=ttu&g_ep=EgoyMDI1MDEwOC4wIKXMDSoASAFQAw%3D%3D):

Por derradeiro, cabe destacar que o endereço constante no contrato de locação de imóvel para instalação de comitê de campanha difere daquele informado pela candidata quando do seu requerimento de registro de candidatura (RCAND 0601252-29.2022.6.21.0000), onde consta Rua Barão de Cotegipe, 429 Rincão dos Ilhéus, Estância Velha/RS, CEP: 93608490.

Intimada dessas irregularidades, novamente a candidata não se manifestou.

Desse modo, impositivo o reconhecimento das irregularidades e a determinação de restituição dos valores correspondentes (R$ 5.000,00 + R$ 6.850,00) ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

II – Das conclusões

O valor total das irregularidades apuradas nos autos alcança R$ 57.865,00 (R$ 10.000,00 + R$ 36.015,00 + R$ 5.000,00 + R$ 6.850,00) - que representa 82,66% do montante arrecadado pelo candidato (R$ 70.000,00) -, de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto contábil, sendo, portanto, mandatória a desaprovação das contas.

Dessa forma, impõe-se a desaprovação das contas, na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, ante as irregularidades apontadas nos documentos de IDs 45240973, 45240977 e 45240972, determino a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral oficiante junto à 118ª Zona Eleitoral de Estância Velha/RS (conforme endereço declarado no ID 45113097), para eventual apuração de ilícito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO por DESAPROVAR as contas de CARLA IZABEL TORRES, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 57.865,00 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, do mesmo diploma normativo e, ainda, DETERMINAR a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral oficiante junto à 118ª Zona Eleitoral de Estância Velha/RS para eventual apuração de ilícito tipificado no art. 350 do Código Eleitoral.