PCE - 0603413-12.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/01/2025 00:00 a 23:59

VOTO

Conforme relatado, o presente feito trata de prestação de contas apresentada por NEREU CRISPIM, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

O órgão técnico deste Tribunal, Secretaria de Auditoria Interna (SAI), ao analisar as contas prestadas, constatou a receita total de R$ 1.354.539,8 e apontou irregularidades remanescentes no montante de R$ 616.014,06, consistentes em:

a) R$ 20.000,00 recebidos na forma de desconto de serviços prestados pela pessoa jurídica ANTONIO MARCOS SCHEFFER DA SILVA - ME, em desacordo com a documentação fiscal, indicando o aporte de recursos de fonte vedada (item 2.1 do parecer conclusivo, ID 45638920);

b) recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 395.975,98, cujos pagamentos não transitaram nas contas bancárias de campanha, sendo a quantia de R$ 395.517,00 verificada a partir de 09 notas fiscais emitidas contra o CNPJ da candidatura; e R$ 458,98 relacionados à diferença entre o valor declarado e pago pela conta bancária oficial de campanha (R$ 10.500,00) a Adyen a Serviço de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. e a importância efetivamente declarada na nota fiscal do fornecedor, no montante de R$ 10.958,88 (respectivamente, itens 3.2 e 3.3 do parecer conclusivo, ID 45638920);

c) irregularidade na aplicação de R$ 175.121,66 de recursos originários do FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha), decorrente de:

c1) ausência de comprovação de R$ 137.928,36 na contratação de 14 colaboradores, pessoas físicas, sem apresentação de contrato com as cláusulas exigidas no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19;

c2) R$ 5.000,00 gastos em combustíveis, comprovados por duas notas fiscais com valor divergente, no montante total de R$ 4.999,99; c3) não foram apresentados os documentos fiscais regularmente emitidos, referentes ao pagamento de R$ 32.000,00 à fornecedora Bravance Global Marketing Ltda. e de R$ 193,30 à empresa fornecedora Jeferson Dariva.

d) ausência de comprovação da aplicação de R$ 24.916,42 na implementação de política pública inclusiva, valores originários do percentual de recursos do FEFC para promoção de candidaturas de pessoas negras, correspondentes à parcela da doação do candidato autodeclarado negro Fernando Rodrigues Cantes.

Ressalto que o candidato, intimado sobre esses apontamentos, apresentou justificativas e documentos complementares e pediu a aprovação das contas.

Passo à análise das irregularidades:

 

a) Recebimento de Recursos de Fontes Vedadas

Apontou-se a emissão de nota fiscal eletrônica contra o CNPJ da candidatura, no montante total de R$ 64.748,75 (cópia abaixo), pelo fornecedor Antônio Marcos Scheffer, transitando, nas contas de campanha, o pagamento de apenas R$ 44.748,75.

 

 

Por sua vez, o prestador de contas alegou que teria recebido desconto de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), concedido pelo fornecedor Antônio Marcos Scheffer ME, em recibo de quitação em ajuste particular, o qual serviria como “prova de pagamento”, ID 45308557, p.7.


Aduziu, por meio de nota explicativa, que, em razão do decurso do prazo legal junto ao fisco, não teria sido possível o cancelamento da nota fiscal (ID 45538048).

Com efeito, verifico que a contratação consistia na locação de material e de serviço de manutenção de 20 computadores, 33 celulares, 3 impressoras, 7 notebooks, 5 tablets, 2 câmeras digitais, 1 projetor, 2 memórias HD externas, dois televisores smart TV, e outros equipamentos de informática, pelo período de 16.08.2022 a 02.10.2022, conforme nota fiscal eletrônica n. 2022/18, emitida em 21.10.2022, reproduzida no parecer conclusivo da unidade técnica, ID 45638920, e contrato de locação de equipamentos móveis CL002/22, ID 45308557, p. 1-4.

Noto, por oportuno, que não localizei nos autos redução proporcional do período da locação ou da quantidade de equipamentos locados. Logo, ainda que retificado o documento fiscal, na forma do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, concedendo desconto de quase um terço do valor contratado, os serviços de locação foram prestados na sua totalidade, tanto no período, quanto em quantidade de equipamentos locados.

Dessa forma, ao conceder o desconto não previsto previamente em contrato, a empresa teria doado ao candidato serviço de locação estimável em R$ 20.000,00, com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização, comprovados pela nota fiscal de serviço, pelo contrato de locação e pelo recibo referidos.

Todavia, é vedado ao candidato receber, ainda que indiretamente por meio de desconto, doação estimável em dinheiro procedente de pessoa jurídica, conforme norma do art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidata ou candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

(...)

§ 3º O recurso recebido por candidata ou candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediatamente devolvido à doadora ou ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.

§ 4º Na impossibilidade de devolução dos recursos à pessoa doadora, a prestadora ou o prestador de contas deve providenciar imediatamente a transferência dos recursos recebidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 5º Incidirão atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

§ 6º O disposto no § 5º deste artigo não se aplica quando a candidata ou o candidato ou o partido político promove espontânea e imediatamente a transferência dos recursos para o Tesouro Nacional, sem deles se utilizar.

§ 7º A transferência de recurso recebido de fonte vedada para outro órgão partidário ou candidata ou candidato não isenta a donatária ou o donatário da obrigação prevista nos §§ 3º e 4º deste artigo.

§ 8º A beneficiária ou o beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça Eleitoral responde solidariamente pela irregularidade, e as consequências serão aferidas por ocasião do julgamento das respectivas contas.

§ 9º A devolução dos recursos de fonte vedada ou o seu recolhimento durante a campanha ou, ainda, a determinação de seu recolhimento ao Tesouro Nacional não impede, se for o caso, a desaprovação das contas, quando constatado que a candidata ou o candidato tenha se beneficiado, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 e do § 10 do art. 14 da Constituição Federal. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 10. O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha e deverá observar os procedimentos fixados na Res.- TSE nº 23.709/2022. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

 

Portanto, entendo que a nota fiscal deveria ter espelhado com exatidão o pagamento efetivado, não se sustentando o fundamento de que teria sido ofertado desconto ao candidato em razão de antieconomicidade e da redução do controle desta Jurisdição Especializada sobre a real origem e destino dos recursos empregados em campanha. Ao analisar caso semelhante, esta Casa afastou argumento semelhante, a partir do voto do ilustre Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. INCONGRUÊNCIA ENTRE O VALOR TRANSFERIDO PARA PAGAMENTO DE DESPESA E O VALOR DA NOTA FISCAL. DESATENDIDA A NORMA DE REGÊNCIA. VALOR REDUZIDO. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. Inviável o argumento de que foi concedido um desconto ao candidato. A nota fiscal deve espelhar exatamente o valor despendido com a prestação dos serviços, não parecendo lógico que o prestador tenha emitido nota fiscal em valor superior, pagando mais tributos, e recebido quantia inferior.

(...)

6. Parcial provimento.

(TRE/RS, REl n. 060113623, Relator Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Publicação: DJE, 11.02.2022.) Grifei.

 

Por conseguinte, representa doação originária de pessoa jurídica, fonte vedada, estimável em R$ 20.000,00, o desconto concedido pela empresa Antônio Marcos Scheffer ME, não previsto em contrato nem no documento fiscal, em patamar muito além do razoável para operações comerciais similares, devendo esta quantia ser depositada nos cofres públicos, conforme disposto no art. 31, §§ 4º e 10, c/c art. 79, caput, ambos da Resolução TSE 23.607/19.

 

b) Recebimento de recursos de origem não identificada

Apontou-se a emissão de nove notas fiscais eletrônicas (NFE) contra o CNPJ da candidatura, no montante total de R$ 395.517,00, cujos pagamentos não transitaram nas contas de campanha, relacionadas na planilha abaixo (item 3.2 do exame de documentos após parecer conclusivo, ID 45638920, p. 3; notas fiscais, ID 45534569):

 

DATA

CNPJ

FORNECEDOR

NFE

VALOR (R$)

05/09/22

01.498.610/0001-20

ANDRE VON ESENWEIN – ME

2739

R$ 5.133,00

26/09/22

21.387.237/0001-47

VANESSA DE MOURA BRINDES

42880004

R$ 2.700,00

10/09/22

89.255.616/0001-17

ANNA JULIA MOREIRA COIMBRA (COIMBRAS HOTEL)

11348

R$ 435,00

30/08/22

24.533.137/0001-70

ROGERIO JOAQUIM VALIM

3768

R$ 56.850,00

06/09/22

03.949.149/0001-00

JEFERSON DARIVA

42560415

R$ 3.482,00

29/08/22

42398632

R$ 67.080,00

29/08/22

42398217

R$ 34.200,00

08/09/22

24.533.137/0001-70

ROGERIO JOAQUIM VALIM

3782

R$ 225.000,00

06/09/22

94.279.932/0002-40

R. A. CORREA

42540789

R$ 637,00

 

TOTAL

R$ 395.517,00

 

Ao mesmo tempo, não transitou pelas contas oficiais de campanha a divergência de R$ 458,98, constatada pela unidade técnica através da diferença entre o valor declarado e pago pela conta bancária oficial de campanha (R$ 10.500,00) a Adyen a Serviço de Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. e a importância informada ao fisco pelo fornecedor Facebook, nas duas notas emitidas contra a candidatura, no montante total de R$ 10.958,88 (item 3.3 do exame de documentos após parecer conclusivo, ID 45638920, p. 3):

DATA

CPF/CNPJ

FORNECEDOR

NFE

VALOR (R$)

02/09/22

13.347.016/0001-17

FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.

49977580

R$ 453,31

02/10/22

13.347.016/0001-17

FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.

51145253

R$ 10.505,67

Total (R$)

R$ 10.958,98

 

Assim, neste ponto, a conclusão técnica indica falha de R$ 395.975,98 (R$ 395.517,00 + R$ 458,98).

Em defesa, o candidato reconhece o apontamento referente aos serviços gráficos dos fornecedores Vanessa de Moura Brindes, Rogério Joaquim Valim e Jeferson Dariva, no montante total de R$ 391.312,00, mas atribui equívoco dos fornecedores, que deveriam ter emitido a nota contra o CNPJ da direção nacional do PSD (Partido Social Democrático). Informou, ainda, que não conseguiu cancelar essas notas fiscais.

Assevera, também, que não lhe foram apresentadas para pagamento as notas emitidas por André Von Esenwin, Ana Júlia Moreira Coimbra e RA Correa, representando a importância total de R$ 6.205,00, nem o saldo de R$ 458,98 do fornecedor Facebook.

Todavia, a partir do exame dos autos, observa-se que foram realizados os gastos em benefício da campanha, não havendo qualquer providência do candidato junto aos fornecedores para esclarecer a origem dos recursos ou para retificar os referidos documentos fiscais.

Aliás, até o presente momento, os documentos fiscais não restaram cancelados junto ao órgão tributário correspondente, conforme exige o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, nem há prova de que o prestador de contas tenha realizado esforço para corrigir as notas fiscais junto ao fisco.

Nesse sentido, anoto que esta Corte firmou o entendimento de que “havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas” (TRE-RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0602944-63.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, publicado em sessão em 01.12.2022).

Reforço: não se encartou ao feito esclarecimento firmado pelos fornecedores, nem comprovação do cancelamento do documento junto à respectiva autoridade fazendária, como exige a Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 92, §§ 5º e 6º.

Ao mesmo passo, a quitação dos débitos não transitou em conta bancária registrada nesta prestação de contas.

Lembro, a este respeito, as judiciosas razões de decidir do Excelentíssimo Desembargador Mario Crespo Brum no sentido de que “Despesas eleitorais não declaradas, para as quais houve emissão de nota fiscal eletrônica para o CNPJ de campanha. Ausentes provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno. Infração ao disposto no art. 53, inc. I, al. ‘g’, da Resolução TSE n. 23.607/19. Configurada sonegação de informações a respeito de valores cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal, caracterizando os recursos como de origem não identificada” (TRE-RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0603653-98.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJE, 27.11.2024).

Destarte, realizados os pagamentos dessas faturas por meio diverso das contas registradas para a campanha, considera-se o montante de R$ 395.975,98 como recurso de origem não identificada, devendo esse valor ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme inteligência dos arts. 14, § 2º, 32, § 1º, inc. VI, 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

c) Aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

(c1) O parecer técnico glosou 15 (quinze) pagamentos referentes a 14 contratos de prestação de serviço de militância e de mobilização de rua, por ausência das assinaturas das partes contratantes e por insuficiência de informações previstas no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 quanto ao detalhamento acerca dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas, da justificativa do preço contratado, conforme planilha do item 4.1.1 do exame após o parecer conclusivo (ID 45638920, p. 5):

 

FORNECEDOR

CPF / CNPJ

VALOR PAGO COM FEFC

ID PJE

ALEXSANDER SOARES MARCELINO

046.457.990-29

R$ 1.750,00

45308321

FABIANA DA SILVA ACHTERBERG

580.696.230-04

R$ 73.896,36

45308528

FABIANE SANTANA DOS SANTOS

704.313.530-34

R$ 4.230,00

45308522

FABIANE SANTANA DOS SANTOS

704.313.530-34

R$ 450,00

45308438

GIOVANA RODRIGUES VELASQUES

047.856.190-31

R$ 2.002,00

45308404

GISELE MOURA GOMES

012.721.540-92

R$ 3.000,00

45308354

GISELE VERIDIANA SCHERE FINOTTI TELLES

952.771.610-15

R$ 4.900,00

45308343

LISIANE AGAPIA PIETSCH

002.361.660-18

R$ 7.700,00

45308341

LUANA PIANEZZOLA SILVA

870.636.620-15

R$ 15.000,00

45308502

PABLO DA SILVA SCHEREN

032.340.760-90

R$ 1.500,00

45308383

RODRIGO DIAS ESPINOZA

007.833.910-30

R$ 4.000,00

45308410

TAMIRES DOS SANTOS GADES

020.401.700-90

R$ 4.000,00

45308355

TAYNA MARION MACHADO MORAES

012.449.920-11

R$ 3.500,00

45308384

TEODORO WILHELM PUTTFARCKEN

027.512.430-45

R$ 10.000,00

45308540

THALLES DE OLIVEIRA FERNANDES

050.723.650-50

R$ 2.000,00

45308332

‍TOTAL

R$ 137.928,36

 

 

Após o parecer conclusivo, o candidato carreou aos autos novamente os instrumentos contratuais de Fabiana da Silva Achterberg (ID 45626191), Pablo da Silva Sheren (ID 45626205), Rodrigo Dias Espinoza (ID 45626207), Tayna Marion Machado (ID 45626211), Teodoro Wilhelm Puttfarcken (ID 45626212), Fabiane Santana dos Santos (ID 45626192) e Thalles de Oliveira Fernandes (ID 45626214), todos sem o preenchimento da cláusula segunda, referente ao valor do pagamento pelo dia trabalhado.

No contrato de Fabiane Santana dos Santos (ID 45626192), aponta ainda o exame técnico a falta da assinatura da contratada.

Nenhuma explicação sobreveio sobre as lacunas na contratação de Alexsander Soares Marcelino, Giovana Rodrigues Velasques, Gisele Moura Gomes, Gisele Veridiana Schere Finotti Telles, Lisiane Agapia Pietsch, Luana Pianezzola Silva e Tamires dos Santos Gades.

Penso que a falta de assinatura nos contratos indica a falta de comprovação da aquiescência das cláusulas contratadas. Enquanto a falta de estipulação dos valores pagos por dia trabalhado impede a verificação da justificativa do preço ajustado, fator essencial para controlar o destino correto de verbas públicas originárias do FEFC.

Aliás, é exigência da norma contábil eleitoral a observância nas contratações de prestação de serviço das cláusulas descritas nos arts. 35, § 12, 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

(...)

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

(...)

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Reforço, a esse respeito, que a ausência do valor contratado caracteriza grave irregularidade, consoante precedente deste Tribunal: “Ausência de valor e indicação do período da contratação, cláusulas essenciais faltantes no ajuste dos serviços de militância prestados, em desobediência aos arts. 35, § 12, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Caracterizada irregularidade.” (TRE/RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0602138-28.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, DJE, 26.11.2024).

Conclui-se, dessa forma, que a documentação juntada ao feito não tem força para afastar a falta de comprovação adequada dos gastos de recursos públicos, na medida em que os contratos apresentados não se mostram suficientes para comprovar o desembolso de R$ 137.928,36, seja pela ausência da assinatura das partes contratantes, seja pela inexistência de cláusulas essenciais e obrigatórias, especialmente sobre o valor do pagamento por dia trabalhado e, por consequência, da justificativa do preço praticado, consoante previsão do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19.

(c2) A unidade técnica, de igual modo, apontou o desajuste entre o pagamento efetuado a Metropolitano Com. De Combustíveis Ltda., no montante de R$ 5.000,00, e a comprovação do gasto no valor de R$ 4.999,99 por meio de dois documentos auxiliares de notas fiscais eletrônicas n. 2023, série 05, de 14.09.2022, no valor de R$ 4.477,21, e n. 1042, série 005, de 19.09.2022, no valor de R$ 522,78 (ID 45308362, p. 1 e 3).

Nesse aspecto, divirjo parcialmente da conclusão da unidade técnica e da Procuradoria Regional Eleitoral, compreendendo que apenas o dispêndio de R$ 0,01 não restou demonstrado por meio de documento fiscal idôneo, na forma do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, quantia que deve ser devolvida aos cofres públicos.

Portanto, deve ser afastada desse apontamento a determinação de recolhimento do montante de R$ 4.999,99.

(c3) Quanto aos pagamentos às empresas Bravance Global Marketing Ltda. e Jeferson Dariva, respectivamente nos valores de R$ 32.000,00 e R$ 193,30, realizados em 16.08.22 e 31.10.22, segundo o exame técnico, não houve apresentação da nota fiscal com a descrição dos serviços prestados.

Sobre a fornecedora Bravance, carreou-se ao feito o contrato particular de prestação de serviços de marketing e a transferência eletrônica (ID 45308555).

No que se refere a empresa Jeferson Dariva, apenas restou mencionado no corpo da nota explicativa de ID 45538048, p. 4, parte final.

Todavia, em suas explicações, o candidato deixa de juntar a comprovação das contratações por meio de documento fiscal.

Por conseguinte, a ausência do adequado registro no órgão tributário impede a aferição da destinação dos recursos públicos provenientes do FEFC, como exige o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Logo, a importância de R$ 32.193,30 deve ser restituída ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, não restaram devidamente comprovados os gastos com verbas públicas do FEFC no montante de R$ 170.121,67 (R$ 137.928,36 + R$ 0,01 + R$ 32.193,30).

 

d) Falta de comprovação de aplicação de recurso na política pública de promoção de candidaturas de pessoas negras

Quanto à doação de R$ 49.000,00 originários do candidato Fernando Rodrigues Cantes (Mestre Pelé), autodeclarado pessoa negra, proveniente de parcela do FEFC destinada à promoção de candidaturas de pessoas negras, o prestador de contas, autodeclarado pessoa branca, comprovou apenas a utilização de R$ 1.980,00 para implementar política afirmativa racial, com a nota fiscal da produção de windbanners, em “dobradinha”, no valor de R$ 990,00 (nota fiscal, ID 45626252) e do recibo de doação de adesivos para vidros de veículos, tipo perfurite, estimável em R$ 990,00 (ID 45626257).

A unidade técnica, com base nas doações estimadas efetuadas declaradas e nas notas fiscais apresentadas, constatou que foram direcionados R$ 24.083,58 para as candidaturas de Fernando Rodrigues Cantes e de Djalmo da Rosa, pessoas autodeclaradas negras.

Portanto, no Exame de Documentos, após o Parecer Conclusivo (ID 45638920), a unidade técnica deste Tribunal apontou a falta de comprovação da utilização do montante de R$ 24.916,42 para o fomento de candidaturas de pessoas negras.

Importa frisar que o direcionamento de recursos do FEFC a candidaturas de indivíduos de ascendência negra ou parda constitui medida de ação afirmativa, orientada para a correção da carência de representatividade política desse segmento da população.

Portanto, resta vedada a utilização desses recursos com o intuito de promover a campanha de candidato que não seja identificado como negro ou pardo, exceto nos casos em que esses valores sejam empregados para cobrir despesas compartilhadas, desde que haja prova documental de que tal emprego seja benéfico ao candidato enquadrado como beneficiário das cotas, nos termos dos §§ 6º e 7º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 17 (…)

§ 6º A verba do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras.

 

Com a transferência de recursos para candidatos autodeclarados de cor branca, viola-se o direito de acesso ao financiamento público de candidaturas de pessoas pretas previstos em política de ação afirmativa. Dessa forma, surge a obrigação de reparação, mediante ressarcimento dos valores correspondentes aos cofres públicos, de maneira conjunta e solidária entre o doador e os candidatos beneficiados, conforme disposto pelo § 9º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19 e pelo art. 942 do Código Civil:

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidata ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução a pessoa recebedora, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

 

A obrigação solidária, por sua vez, importa em responsabilidade por toda a dívida, sendo faculdade do credor demandar o ressarcimento de todos os devedores solidários, na forma dos arts. 264 e 275 do Código Civil.

Contudo, ressalto que ainda estamos na fase de conhecimento, cabendo nesta etapa apenas a análise das questões controvertidas dos autos. Com efeito, o exaurimento da prestação jurisdicional ocorre com a resolução do mérito posto em juízo, neste caso, a averiguação da regularidade ou não das contas apresentadas.

Assim, a eventual configuração do bis in idem em razão de responsabilidade solidária legal, ou outras questões relativas ao pagamento, deve ser tratadas no cumprimento de sentença, fase processual oportuna.

Portanto, considera-se irregular a utilização da quantia total de R$ 24.916,42 (R$ 49.000,00 - R$ 24.083,58) procedentes do FEFC, devendo ser recolhida ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Das conclusões

O valor total das irregularidades apuradas nos autos alcança R$ 611.014,07 (R$ 20.000,00 + R$ 395.975,98 + R$ 170.121,67 + R$ 24.916,42), que representa 45,47% do montante arrecadado pelo candidato (R$ 1.354.539,98), de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto contábil, sendo, portanto, mandatória a desaprovação das contas.

Dessa forma, impõe-se a desaprovação das contas, na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Divirjo da Procuradoria Regional Eleitoral unicamente quanto à comprovação da utilização de R$ 4.999,99, pagos ao fornecedor Metropolitano Com. De Combustíveis Ltda. com recursos do FEFC, como descrito na fundamentação (item c2).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de NEREU CRISPIM, determinando o recolhimento, com juros e correção monetária, de R$ 611.014,07 ao Tesouro Nacional, sendo R$ 20.000,00 de fonte vedada; R$ 395.975,98 de recursos de origem não conhecida, R$ 170.121,67 da irregularidade na aplicação do FEFC, e R$ 24.916,42 da ausência de destinação do FEFC para promoção de candidatura de pessoas negras, na forma do art. 79, caput, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.