REl - 0600412-16.2024.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso foi apresentado de forma tempestiva. Mostrando-se adequado e preenchendo os demais pressupostos recursais, conheço do apelo e passo a analisar o seu mérito.

As contrarrazões apresentadas pelo recorrido e o parecer do Ministério Público Eleitoral, considerando o exaurimento das Eleições de 2024, pugnam pelo reconhecimento da perda superveniente do objeto do interesse de agir para o não conhecimento do recurso eleitoral.

Todavia, conforme se extrai da petição inicial e do recurso manejado, há pretensão de aplicação de multa, bem como previsão legal de multa para o caso de pesquisa irregular, nos termos do art. 33, § 3º, do Lei n. 9.504/97.

Portanto, a representação visava questionar o cumprimento dos requisitos exigidos para o registro de pesquisa eleitoral junto ao Juízo a quo, previstos no art. 33 da Lei das Eleições e no art. 2º da Resolução TSE n. 23.600/19.

Segundo os dispositivos acima, a pesquisa eleitoral é considerada regular se registrada, através do Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (PesqEle), até cinco dias antes da divulgação da pesquisa, condicionada ainda a apresentação das informações previstas em seus incisos:

Art. 2º A partir de 1º de janeiro do ano da eleição, as entidades e as empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou às candidatas e aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (PesqEle), até 5 (cinco) dias antes da divulgação, as seguintes informações (Lei n° 9.504/1997, art. 33, caput, I a VII e § 1º):

I - contratante da pesquisa e seu número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ);

II - valor e origem dos recursos despendidos na pesquisa, ainda que realizada com recursos próprios;

III - metodologia e período de realização da pesquisa;

IV - plano amostral e ponderação quanto a gênero, idade, grau de instrução, nível econômico da pessoa entrevistada e área física de realização do trabalho a ser executado, bem como nível de confiança e margem de erro, com a indicação da fonte pública dos dados utilizados;

V - sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

VI - questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

VII - quem pagou pela realização do trabalho com o respectivo número de inscrição no CPF ou no CNPJ;

VIII - cópia da respectiva nota fiscal;

IX - nome da(o) profissional de Estatística responsável pela pesquisa, acompanhado de sua assinatura com certificação digital e o número de seu registro no Conselho Regional de Estatística competente;

X - indicação do estado ou Unidade da Federação, bem como dos cargos aos quais se refere a pesquisa.

Por esses motivos, rejeito a preliminar de perda de objeto da demanda.

 

No entanto, merece acolhida o reconhecimento da ilegitimidade passiva do recorrido FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA.

No caso, a empresa administradora da rede social não poderia ser condenada ao pagamento da multa aplicável à divulgação de enquete apresentada à população como pesquisa eleitoral, nos termos do art. 57-F da Lei n. 9.504/97 e do art. 23, § 1º-A, da Resolução TSE n. 23.600/19.

Nesse sentido, posicionou–se o colendo Tribunal Superior Eleitoral, entendendo que a legitimidade passiva de provedor da internet em sede de representação não é imediata, dependendo de prévia notificação judicial, conhecimento prévio ou descumprimento de decisão. Vejamos:

ELEIÇÕES 2010. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. INTERNET. BLOG. AÇÃO CAUTELAR. ANONIMATO. PSEUDÔNIMO. SUSPENSÃO LIMINAR. PROVEDOR. RESPONSABILIDADE. LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO.

1. As representações eleitorais que apontem irregularidades na utilização da internet como meio de divulgação de propaganda eleitoral podem ser propostas: (i) – contra a pessoa diretamente responsável pela divulgação tida como irregular, seja por autoria própria, seja pela seleção prévia do conteúdo divulgado; e (ii) – contra o provedor de conteúdo ou hospedagem quando demonstrado que este, em relação ao material incluído por terceiros, foi previamente notificado da irregularidade apontada ou, por outro meio, é possível verificar o seu prévio conhecimento. (iii) Desta última hipótese, excetua–se o armazenamento da propaganda realizada diretamente por candidatos, partidos e coligações, quando o provedor somente poderá retirar a propaganda após prévia apreciação judicial da irregularidade apontada, sendo ele responsável apenas no caso de descumprimento da decisão judicial.

[...]

(Ação Cautelar n. 138443, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: RJTSE – Revista de jurisprudência do TSE, Volume 21, Tomo 3, Data 29.06.2010, Página 179.) Grifei.

 

Seguindo essa lógica, solidificou–se a jurisprudência a corroborar o entendimento de que a legitimidade passiva de provedor de internet é excepcional, só sendo admitida quando for o responsável pela publicação ou houver necessidade de identificação do usuário ofensor:

DIREITO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. INTERNET. FACEBOOK. POSTAGEM OFENSIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO PROVEDOR. CARÁTER EXCEPCIONAL. IDENTIFICAÇÃO DO RESPONSÁVEL. CARÁTER CAUTELAR. INADEQUAÇÃO. MATÉRIA OFENSIVA. EXCLUSÃO CABÍVEL. I. Segundo a inteligência dos arts. 6º, parágrafo único, e 8º da Resolução/TSE 23.398/2004, e dos arts. 24, § 1º, e 74 da Resolução/TSE 23.404/2014, ordinariamente são partes legítimas para responder à representação eleitoral o autor e o beneficiário da propaganda irregular. II. A legitimidade passiva do provedor de conteúdo ou de serviços multimídia é excepcional e não se justifica nas hipóteses em que o criador do perfil e o beneficiário da propaganda eleitoral antecipada estão plenamente identificados. III. No contexto da propaganda eleitoral na internet, a legitimidade do provedor só se sustenta quando ele pode ser considerado responsável pela divulgação ou quando não é possível a identificação do responsável pela inserção do conteúdo considerado eleitoralmente irregular. IV. Deve ser excluída de sítio da internet matéria que exorbita da liberdade de expressão e degenera em ataque à honra e à imagem de candidato. V. A identificação do criador da página do facebook ou do responsável pelas postagens consideradas irregulares tem caráter cautelar e por isso não pode ser deduzida como pedido cumulado na representação eleitoral. VI. Pedidos julgados procedentes em parte.

(REPRESENTAÇÃO n. 177561, Acórdão de Relator (a) Des. ELIENE FERREIRA BASTOS, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Volume 19:30, Data 30.09.2014.)

 

Destarte, FACEBOOK SERVIÇOS ON LINE DO BRASIL LTDA. carece de legitimidade passiva ad causam, podendo tão somente ser destinatário, na qualidade de terceiro, de eventual ordem judicial visando: i) à remoção de publicações que constituem ilícitos eleitorais ou ii) à identificação de usuário anônimo.

Nessa linha, é a intelecção dos seguintes dispositivos da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57–J) .

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

[...]

§ 4º A ordem judicial que determinar a remoção de conteúdo divulgado na internet fixará prazo razoável para o cumprimento, não inferior a 24 (vinte e quatro) horas, e deverá conter, sob pena de nulidade, a URL e, caso inexistente esta, a URI ou a URN do conteúdo específico, observados, nos termos do art. 19 da Lei nº 12.965/2014 , o âmbito e os limites técnicos de cada provedor de aplicação de internet.

Art. 39. O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, de forma autônoma ou associados a dados cadastrais, a dados pessoais ou a outras informações disponíveis que possam contribuir para a identificação da usuária ou do usuário, mediante ordem judicial, na forma prevista nesta Seção (Lei nº 12.965/2014, art. 10, caput e § 1º)

 

Dessa forma, antes de citar o demandado, se o juiz constatar a inexistência de interesse processual ou que a parte for manifestamente ilegítima, deve indeferir a petição inicial, com fulcro no art. 330, inc. II, do CPC, e extinguir o processo sem resolução do mérito, com base no art. 485, incs. I e IV, do CPC.

Portanto, ainda que fosse superada a questão da perda de objeto, seria intransponível a nulidade capaz de justificar a aplicação das penalidades pleiteadas pela recorrente ao recorrido.

Dessa forma, o reconhecimento da ilegitimidade passiva da empresa recorrida é medida que se impõe, devendo o feito ser julgado extinto sem resolução do mérito, ante a ausência de interesse processual.

Ante o exposto, VOTO por RECONHECER a ilegitimidade passiva do recorrido FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. e EXTINGUIR o feito sem resolução do mérito, ante a ausência de interesse processual.