REl - 0601041-66.2024.6.21.0050 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

Ronaldo Vieira Cabral recorre unicamente para reduzir o quantum do valor da multa de 7.000 UFIRs aplicada na sentença em decorrência de conduta vedada realizada na condição de Secretário Municipal da Agricultura, ao veicular no seu perfil pessoal, na rede social Instagram, promoção da campanha do candidato Ricardo Machado Vargas à reeleição para o cargo de prefeito da cidade de Charqueadas/RS.

Em postagem, com gravação de vídeo, veiculando o número do partido pelo qual concorreu o candidato e o uso de imagens da assinatura de um contrato público firmado pela prefeitura municipal, o recorrente divulgou o serviço de castração de felinos e caninos.

A sentença considerou que o fato se enquadra na conduta vedada de fazer ou permitir uso promocional de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, custeados ou subvencionados pelo Poder Público, em favor de candidato, partido político ou coligação, prevista no art. 73, inc. IV, § 4º, da Lei 9.504/97, regulamentado pelo art. 15, inc. IV, c/c o art. 20, inc. II, da Resolução TSE n. 23.735/24:

Lei 9.504/1997

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(...) 

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

 

Resolução TSE n. 23.735/2024

Art. 15. São proibidas às agentes e aos agentes públicas(os), servidoras e servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre pessoas candidatas nos pleitos eleitorais (Lei nº 9.504/1997, art. 73, incisos I a VIII):

(...)

IV - fazer ou permitir uso promocional, em favor de candidata, candidato, partido político, federação ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de natureza social custeados ou subvencionados pelo poder público;

(…)

Art. 20. A configuração da conduta vedada prevista neste capítulo acarreta, sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, cível, penal, administrativo ou disciplinar fixadas pela legislação vigente:

(...)

II - a aplicação de multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) à(ao) agente pública(o) responsável e à candidata, ao candidato, ao partido político, à federação ou à coligação beneficiária(o) da conduta (Lei nº 9.504/1997, art. 73, §§ 4º e 8º)

 

Na decisão recorrida, a condenação foi fixada em 7 mil UFIRs, acima do patamar mínimo da pena de multa, estabelecido em 5 mil UFIRs ou R$ 5.320,50 para a conduta, com fundamento na quantidade de 1.449 visualizações da propaganda, superior ao número de seguidores do recorrente na rede social. 

As razões recursais postulam apenas a redução da penalidade ao mínimo legal de 5.000 UFIRs, e  a conversão do valor para moeda corrente, equivalente a R$ 5.320,50. O recorrente pondera que o vídeo não teria atingido mais do que 4% do total da população residente, de 35.012 habitantes de Charqueadas/RS, quando comparados os dados demográficos do IBGE, sem significativo impacto na disputa eleitoral.

Em contrarrazões, o Ministério Público Eleitoral defende a manutenção da multa, porque o número de visualizações alcançaria boa parte do eleitorado de Charqueadas, ostentando maior potencial para influenciar indevidamente o pleito, enquanto a Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo provimento do recurso para que o quantum seja reduzido ao mínimo legal, devido ao reconhecimento da reduzida gravidade da conduta.

O recurso comporta provimento, pois assiste razão ao recorrente ao apontar que a própria sentença reconhece a ausência de gravidade da conduta, conforme se verifica do seguinte excerto:

 

(...)

Ao contrário do afirmado pelos Requeridos, em uma breve passada pelo referido perfil de RONALDO VIEIRA CABRAL, Secretário de Agricultura de Charqueadas, e do conteúdo indicado depreende-se que a pessoa no vídeo se identifica como Ronaldo Secretário de Agricultura do município de Charqueadas e divulga a assinatura de contrato de licitação para a realização de castração de animais, serviço que será realizado no município e o logotipo “10” fica inserido durante todo o vídeo, tratando-se do número registrado para o candidato à reeleição RICARDO MACHADO VARGAS; depreende-se que o vídeo é evidente propaganda eleitoral, na qual o Secretário da Agricultura da gestão do candidato à reeleição utiliza-se para fazer uso promocional da atividade social que será executada, em evidente promoção em favor do candidato à reeleição, em inegável benefício a este, utilizando-se da divulgação dos serviços de caráter social que serão prestados iniciando com as pessoas atingidas pela enchente que assolou o município, incidindo no disposto na proibição prevista no inciso IV do artigo 73 da Lei das Eleições, acima citado.

No entanto, verifica-se que muito embora vedada tal conduta a cassação do registro e do diploma – pois eleitos os candidatos - não guarda proporcionalidade com a conduta ilícita praticada pelo agente público, Secretário da Agricultura, no contexto da campanha eleitoral, razão pela qual entendo não deve ser aplicado o disposto no § 5º do art. 73 da Lei Eleitoral, conforme pretende o Ministério Público Eleitoral, que prova alguma outra produziu a respeito.

Ademais, o aditamento da inicial realizado apenas após o pleito, por si só, já desqualifica a representação, pois induz presunção de ausência de risco ao princípio da isonomia entre os candidatos e que tinha capacidade de acarretar influência no resultado e que não via nenhum risco à igualdade de oportunidades em permanecer sendo veiculada; entendo, pois, que a violação do comando legal, foi de reduzida gravidade para afetar o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Como já exposto em julgamentos anteriores, como entendimento deste juízo eleitoral, necessário prova robusta a demonstrar a gravidade da conduta, a viciar a legitimidade do processo eleitoral e o seu reconhecimento impõe grande prudência, diante da gravidade das suas sanções, cuja intervenção no processo eleitoral há de se fazer de forma minimalista, para que não haja alteração da vontade popular.

Diante disso, a prática irregular tem suficiente reprimenda na pena pecuniária, pois o Tribunal Superior Eleitoral já se posicionou no sentido de que, “[...] 9. Configurada a conduta vedada, a proporcionalidade e a razoabilidade devem nortear a aplicação das penalidades.” (Rp n. 119878, j. em 13.8.2020, Relator Min. Luís Roberto Barroso).

Quanto ao seu valor, o patamar mínimo é equivalente a 5.000 UFIR e tendo em vista a quantidade de visualizações (1.449), superior ao números de seguidores do Representado, entendo adequado e proporcional à gravidade da conduta e à ofensa ao bem jurídico violado, um pouco acima do mínimo legal, ou seja, 7.000 UFIR, condenando-se RONALDO VIEIRA CABRAL ao seu pagamento de forma individual – pois agente público responsável - deixando de aplicar multa aos demais Representados uma vez que não demonstrada a ingerência na referida conduta.

(...)

 

O afastamento de outras penalidades indica a baixa reprovação da conduta e não há, nos autos, juntada de outros elementos de prova capazes de conduzir à conclusão pelo aumento da pena de multa acima do mínimo legal, além da quantidade de visualizações do vídeo.

Entendo que, para a graduação da pena de multa, não basta a aferição do número de visualizações, pois deve-se perquirir a medida da gravidade da conduta e de seu reflexo no pleito.

Conforme dados do TSE, a cidade de Charqueadas/RS conta com 24.306 eleitores, e do total de 1.449 visualizações do vídeo não é possível se extrair a certeza de que foram realizadas exclusivamente por eleitores do município (https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao-eleitorado/home?p0_municipio=CHARQUEADAS&p0_uf=RS&session=317152653543134). 

Logo, o número de visualizações, isoladamente, não representa circunstância capaz de determinar, por si só, o agravamento da penalidade.

Ademais, este Tribunal, no julgamento de caso similar envolvendo postagem com apoio a candidato, no qual foi analisada divulgação de vídeo em perfil pessoal de rede social contendo 2.800 visualizações, compreendeu que a pena de multa no patamar mínimo era suficiente para reprovação da conduta:

REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE BENS PÚBLICOS. ART. 73, INC. I, DA LEI N. 9.504/97. NATUREZA OBJETIVA DA NORMA. GABINETE DE PREFEITURA. PERÍODO ELEITORAL. PEDIDO DE APOIO A OUTRO CANDIDATO. VÍDEO. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL. FACEBOOK. LOCAL INACESSÍVEL AOS DEMAIS CANDIDATOS. QUEBRA NA ISONOMIA E IGUALDADE ENTRE OS CONCORRENTES. APLICAÇÃO DE MULTA. PROCEDÊNCIA.

1. Representação apresentada pelo Ministério Público Eleitoral contra prefeito pela prática de conduta vedada a agente público, consistente no uso de bem imóvel pertencente ao município, durante o período eleitoral, para pedir votos ao então candidato a governador do Estado.

2. A Lei n. 9.504/97 traz capítulo específico sobre as condutas proibidas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação trazida nos arts. 73 a 78. Para o reconhecimento do ilícito, é suficiente a demonstração da sua prática e respectiva tipificação legal. Significa dizer, sua caracterização tem natureza objetiva, independentemente de sua influência no pleito, ou mesmo a potencialidade lesiva ou a gravidade da conduta realizada.

3. Matéria fática. Utilização, por prefeito à época dos fatos, de seu gabinete na prefeitura, durante o período eleitoral, para gravação de vídeo em apoio a candidato a governador estadual eleito, com posterior publicação em seu perfil pessoal na rede social Facebook, com duas mil e oitocentas visualizações.

4. Utilização de bens públicos. O representado, deliberadamente, expressa e pede apoio a outro candidato utilizando-se de imóvel pertencente à administração pública, cujo acesso apenas ele, na condição de prefeito, detinha. Não é vedada a utilização de bens públicos para promoção de candidaturas, contudo, conforme jurisprudência do TSE, há os seguintes requisitos: (i) o local das filmagens deve ser de livre acesso a qualquer pessoa; (ii) o serviço não deve ser interrompido em razão das filmagens; (iii) o uso das dependências deve ser franqueado a todos os demais candidatos (AgR-RO 1379-94/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 22.3.2017); (iv) a utilização deve se restringir à captação de imagens, sem encenação (RO 1960-83/AM, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 10.8/2017). Na espécie, o gabinete do prefeito não era local de livre acesso aos demais candidatos, configurando quebra na isonomia e igualdade, bem jurídico protegido pelas condutas vedadas. Nesse sentido, jurisprudência do TSE e do TRE-RS.

5. Reconhecida a conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Aplicação de multa no patamar mínimo legal.

6. Procedência.

(TRE/RS, RP n. 0603729-25.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Federal Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, DJE, 27.04.2023, grifei.)

 

Assim, penso que, para a fixação da multa, devem ser adotados os mesmos critérios considerados na sentença para afastar a penalidade de cassação do registro e do diploma, relativos à ausência de violação ao princípio da isonomia entre os candidatos e à baixa capacidade de influência no resultado do pleito, com o que há reduzida gravidade da conduta para afetar o bem jurídico tutelado pela norma.

Por conseguinte, na hipótese dos autos devem ser aplicados os princípios de proporcionalidade e de razoabilidade a partir do prisma da reduzida gravidade ao bem jurídico tutelado, da ausência de risco à igualdade entre os participantes do pleito e da pouca influência no resultado das eleições, de forma a adequar a penalidade de multa aos mesmos parâmetros objetivos que determinaram o afastamento da condenação em cassação de registro e de diploma.

Com esses fundamentos, concluo que o recurso comporta provimento, para que o montante da multa seja redimensionado para o patamar mínimo legal (5.000 UFIRs) e para que o seu valor seja convertido em moeda corrente nacional, representando o equivalente a R$ 5.320,50, consoante disposto no art. 20, inc. II, da Resolução TSE n. 23.735/24.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença unicamente para reduzir o valor da penalidade de multa aplicada ao recorrente Ronaldo Vieira Cabral para o montante de R$ 5.320,50, nos termos da fundamentação.