REl - 0600770-14.2024.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, HELOIZA HELENA KURTZ, candidata ao cargo de vereadora no Município de Palmeira das Missões/RS, foi condenada ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, com fundamento nos arts. 9º-C e 22, inc. X, da Resolução TSE n. 23.610/19 e no art. 57-D da Lei n. 9.504/97, em razão de discurso realizado pela recorrente em comício, no qual teria proferido ofensas e disseminado desinformação contra candidatos da coligação adversária, com a seguinte fala (ID 45749509, p. 2):

(...) de receber esse caquedo do PT que veio com o Marangon de ônibus, uns chinelão. Hoje cada um tem sua mansão, seu carro zero e nós que somos donos dessa terra ficamos na saudade. Está na hora de nós mandar os caras que desceram de paraquedas, pegar o paraquedas e voar. Aqui não é lugar para eles. Agora vou cantar uma coisa para vocês: olê olá, olê olê, tamo da rua para derrubar o PT, olê olá, olê olê, tamo da rua para derrubar o PT, alô (...) a sua era do PT está acabando. Vote 11, Karin e Josiel e Polaka 22.022.

 

Na sentença, o juízo da origem entendeu que as declarações ultrapassaram os limites da crítica política permitida, caracterizando-se como injuriosas e passíveis de sanção.

Entretanto, há de se ponderar o contexto em que foram proferidas e os direitos fundamentais envolvidos.

Não se pode olvidar que em um Estado Democrático de Direito é imprescindível que os eleitores e demais atores políticos possam manifestar suas opiniões, críticas e discordâncias, especialmente no período eleitoral, no qual o debate público sobre temas políticos, gestões e comportamentos de candidatos deve ser incentivado, uma vez que a livre circulação de ideias contribui para a formação da vontade popular e a legitimidade do processo eleitoral.

Por sua vez, a legislação eleitoral estabelece limites para o debate político, visando garantir que a propaganda eleitoral não se desvirtue em ataques pessoais à honra alheia ou na propagação de informações inverídicas ou descontextualizadas.

Nada obstante, a jurisprudência enuncia que “o caráter dialético imanente às disputas político-eleitorais exige maior deferência à liberdade de expressão e de pensamento, razão pela qual se recomenda a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações e críticas próprias do embate eleitoral, sob pena de se tolher substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão” (TSE; AgR-RO n. 758-25/SP, Relator designado Min. Luiz Fux, julgado em 30.5.2017, DJe de 13.9.2017).

Também o art. 38 da mesma Resolução proclama que “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático”.

A análise do material probatório, especialmente do vídeo anexado aos autos, evidencia que as falas da recorrente consistiram em críticas genéricas à coligação adversária, sem imputação de fatos sabidamente falsos ou ofensas de natureza caluniosa, difamatória ou injuriosa contra candidatos determinados.

As declarações proferidas pela recorrente, embora duras, estavam inseridas no contexto de um comício político inflamado, no qual a utilização das expressões “caquedo”; “chinelões” e “donos desta terra” não configura ataque injurioso e pessoal grave ou desinformação intencional.

Também a afirmação de que os adversários possuem mansões e a sugestão de que enriqueceram em sua trajetória, sem a atribuição de fatos mais concretos, não representa ato ilícito, uma vez que o entendimento do TSE é de que "fatos sabidamente inverídicos a ensejar a ação repressiva da Justiça Eleitoral são aqueles verificáveis de plano" (R-Rp n. 0600894-88/DF, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 30.8.2018), o que não se aplica ao caso dos autos.

Além disso, o discurso proferido pela recorrente ocorreu em um comício, direcionado aos seus correligionários e simpatizantes, ambiente caracterizado pelo dinamismo e espontaneidade do debate político-eleitoral. Nesse contexto, o uso de linguagem veemente é uma manifestação natural da disputa política e deve ser analisado com atenção ao direito fundamental à liberdade de expressão, assegurado pelo art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal.

Esse direito ganha especial relevância durante as campanhas eleitorais, momento em que o confronto de ideias e opiniões é intensificado, sendo essencial para o fortalecimento do pluralismo democrático.

A jurisprudência do TSE estabelece que adjetivações agressivas ou grosseiras podem ser admitidas no calor da disputa eleitoral se estiverem inseridas em um discurso de crítica política, especialmente quando envolvem figuras públicas que, por sua posição, estão sujeitas a um escrutínio mais rigoroso. Nessa linha, colho o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2022. DIREITO DE RESPOSTA. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONTEÚDO OFENSIVO À HONRA. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. DESCARACTERIZAÇÃO. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. A liberdade do direito de voto depende, preponderantemente, da ampla liberdade de discussão, de maneira que deve ser garantida aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores a ampla liberdade de expressão e de manifestação, possibilitando ao eleitor pleno acesso as informações necessárias para o exercício da livre destinação de seu voto.2. Os excessos que a legislação eleitoral visa a punir, sem qualquer restrição ao lícito exercício da liberdade dos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, dizem respeito aos seguintes elementos: a vedação ao discurso de ódio e discriminatório; atentados contra a democracia e o Estado de Direito; o uso de recursos públicos ou privados a fim de financiar campanhas elogiosas ou que tenham como objetivo denegrir a imagem de candidatos; a divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a veiculação de mensagens difamatórias, caluniosas ou injuriosas ou o comprovado vínculo entre o meio de comunicação e o candidato.3. No caso, embora os Representantes afirmem que a propaganda reproduz teor ofensivo à honra do candidato, violando o art. 53, §2º, da Lei 9.504/1997, verifica-se que a maior parte da publicidade dirige-se a falas de Jair Messias Bolsonaro a respeito de temas relevantes para o debate político-eleitoral, como a fome no País, a pandemia de COVID-19 e o desempenho da economia, e a discursos proferidos pelo candidato que, na verdade, atribuem aos adversários políticos ("o outro lado") determinados posicionamentos concernentes a assuntos sensíveis ao eleitorado, a exemplo do aborto, a denominada ideologia de gênero e a família. 4. O emprego do termo "Pai da Mentira", nada obstante seu tom hostil e ácido, guarda vinculação com as críticas às falas e aos discursos do candidato reproduzidos durante toda a propaganda, revelando-se compatível com o debate político-eleitoral e inserindo-se, por isso mesmo, nos limites da livre manifestação de pensamento. 5. A orientação jurisprudencial do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é firme no sentido de que, "ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar de zona di iluminabilitá, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do publico, em particular, dos seus adversários" (HC 78.426, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ de 7/5/1999). […]. 9. Pedido de Direito de Resposta julgado improcedente.

TSE; Direito de Resposta n. 060157956, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 27/10/2022. (Grifei.)

 

Com a mesma linha de entendimento, a doutrina de José Jairo Gomes enuncia que:

Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem essa matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. (…). Tudo isso insere-se na dialética democrática. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019, págs. 652-653)

 

Por fim, como bem observado pela Procuradoria Regional Eleitoral, “não se identifica discurso de ódio, porquanto a frase ‘aqui não é o lugar para eles’, que poderia significar abominável exortação à exclusão de determinado grupo da localidade, foi seguida, no final da fala, da divulgação de nomes de urna e número da candidatura, denotando portanto somente um pedido de não voto nos adversários, o que é ínsito à dialética política”.

Diante do exposto, entendo que as declarações proferidas pela recorrente não configuram propaganda eleitoral irregular, nos moldes exigidos pela legislação aplicável, devendo ser privilegiada a liberdade de manifestação e da intervenção mínima da Justiça Eleitoral sobre o embate de ideias e opiniões.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação.