REl - 0600588-20.2024.6.21.0067 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

Preliminar de ofício. Questão de ordem.  Classe processual. 

Colegas, de início trago a ressalva de que, muito embora nomeada pela parte como "Ação de Investigação Judicial Eleitoral", a presente demanda consubstancia, em verdade, representação pela prática de propaganda eleitoral irregular - notadamente, suposta prática de fake news em rede social, mediante a alegada utilização de ferramentas de tecnologia - conteúdo sintético.

Destaco que, malgrado o equívoco de nomenclatura, não houve prejuízo ao devido processo legal. O rito - ou procedimento - obedecido foi o típico das representações de propaganda. As partes puderam apresentar argumentos, razões e contrarrazões, a colheita da prova fora realizada em fase instrutória adequada. 

Ou seja, dadas tais circunstâncias, não há malferimento à análise do mérito da causa, de modo que entendo por superar a questão.

Sigo.

No mérito, PEDRO BELARMINO DALBERTO insurge-se contra a sentença que julgou procedente a representação ajuizada por JONAS CALVI, candidato ao cargo de prefeito nas Eleições 2024 no Município de Encantado, por vídeo manipulado que veiculou suposta fake news no perfil “pedro_dalberto” da rede social Instagram.

O juízo de origem deferiu o pedido liminar de remoção do vídeo e aplicou multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao recorrente. A fundamentação veio nos seguintes termos:

(...)

E, conforme já referido, o mero olhar sobre o vídeo evidencia a edição e o uso de artefatos de montagem, o que, somado ao vídeo original acostado, não deixa dúvidas da manipulação do conteúdo do áudio, capaz de criar falso entendimento ao eleitor, como bem consignou o Ministério Público.

(...)

Com efeito, o vídeo divulgado pelo requerido, além de ter potencial de levar o eleitor a erro, contém conteúdo manipulado, descontextualizado e difamatório, que ultrapassa os limites da liberdade de expressão e pode afetar a integridade do processo eleitoral, demandando, assim, a interferência judicial, reservada, no processo eleitoral, justamente a estes casos.

A este respeito, colaciono o precedente que segue:

ELEIÇOES 2024. DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. DIFAMAÇÃO POR MEIO DE VÍDEO MANIPULADO COMPARTILHADO EM GRUPO DE WHATSAPP. OFENSA À HONRA DE CANDIDATO. ABUSO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ARTE. 57-D DA LEI Nº 9.504/1997. APLICAÇÃO DE MULTA . RECURSO DESPROVIDO

(...)

III. RAZÕES DE DECIDIR

O vídeo compartilhado foi manipulado para inserir áudio de caráter difamatório contra o candidato Edimilson Eliziário, utilizando expressões como "enganar o povo" e comparações ao comportamento de um "rato", com o intuito de ofender sua honra e desqualificar sua candidatura.

Embora a liberdade de expressão seja garantida constitucionalmente, ela não pode ser utilizada como instrumento de difusão, especialmente em contexto eleitoral, onde é necessário equilibrar a livre manifestação com o respeito à honra e à imagem dos candidatos.

A Resolução TSE nº 23.610/2019, art. 9º-C, veda a divulgação de conteúdos manipulados com o potencial de prejudicar a integridade do processo eleitoral. No presente caso, o vídeo compartilhado pela recorrente configura violação dessa norma, justificando a atuação repressiva da Justiça Eleitoral.

A jurisdição do TSE é importação quanto à aplicação de negociação em casos de propaganda eleitoral que contenham informações inverídicas ou difamatórias, como ocorreu no caso em análise (Representação nº 060155613, Acórdão, Min. André Ramos Tavares, DJe de 21/03/2024) .

A manutenção da sentença que determinou a retirada do vídeo e aplicou multa no valor de R$ 5.000,00 está em consonância com o objetivo de garantir o equilíbrio e a lisura do processo eleitoral, protegendo a imagem dos candidatos e o direito dos candidatos à informação verdade. (RElnº060027303 Acordão RIO BANANAL-ES Relator(a): Des. Marcos Antonio Barbosa de Souza Julgamento: 01/10/2024 Publicação: 30/09/2024) – Grifei.

Dessa forma, analisando as circunstâncias do caso concreto, em que a publicação se deu em rede social onde o representado possui mais de mil seguidores, o que é razoável na cidade de Encantado, que conta com cerca de dezesseis mil eleitores, poucos dias antes do pleito eleitoral, e tendo por base o disposto no art. 57-D, §2º, da Lei 9.504/97, entendo razoável a fixação de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), de forma punitiva e dissuasória de novas condutas indevidas.

Isso posto, JULGO PROCEDENTE a representação eleitoral proposta por JONAS CALVI em face de PEDRO BELARMINO DALBERTO, para confirmar a tutela de urgência e condenar o representado ao pagamento de multa, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser corrigida pelo IGP-M a contar da presente decisão e acrescida de juros legais de mora a contar da citação, nos termos do artigo 240 do CPC c/c art. o art. 2º, parágrafo único, da Resolução nº 23.478, de 10 de maio de 2016.

(Grifos no original.)

No campo normativo, a manipulação ou o uso de conteúdos sintéticos no âmbito da propaganda eleitoral está regrado na Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Art. 10. A propaganda, qualquer que seja sua forma ou modalidade, mencionará sempre a legenda partidária e só poderá ser feita em língua nacional, não devendo empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais (Código Eleitoral, art. 242 , e Lei nº 10.436/2002, arts. 1º e 2º) .

§ 1º A restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo-se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão.

§ 1º-A. A vedação prevista no caput deste artigo incide sobre o uso de ferramentas tecnológicas para adulterar ou fabricar áudios, imagens, vídeos, representações ou outras mídias destinadas a difundir fato falso ou gravemente descontextualizado sobre candidatas, candidatos ou sobre o processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º Sem prejuízo do processo e das penas cominadas, a Justiça Eleitoral adotará medidas para impedir ou fazer cessar imediatamente a propaganda realizada com infração do disposto neste artigo, nos termos do art. 242, parágrafo único, do Código Eleitoral , observadas as disposições da seção I do capítulo I desta Resolução.

O recorrente alega não ser o autor do vídeo, tendo apenas republicado a mídia. Aduz que o impacto da postagem foi nulo, haja vista a vitória do representante com larga vantagem. Alega que a fala atribuída ao sr. Gilson Conzatti fora efetivamente proferida por ele no ano de 2016, quando opositor do recorrido, de quem agora é apoiador.

À análise propriamente dita.

O vídeo divulgado pelo recorrente consiste em discurso do sr. Gilson Conzatti, apoiador do candidato JONAS CALVI, recorrido, cujo conteúdo da fala fora substituído por outro, alegadamente do mesmo orador, de período em que era opositor do candidato ora apoiado. Transcrevo:

Imagine uma cambada que não fazem nada... que é o vice-prefeito … que como continuísmo … que desde dois mil e quatro são candidato a vice-prefeito de encantado vão lembrar: Jonas Calvi, candidato a vice-prefeito do Beto Turatti em dois mil e quatro dois mil e oito; Zé Calvi, candidato a vice-prefeito dois mil e doze; Zé Calvi candidato a vice-prefeito dois mil e dezesseis; Jonas Calvi candidato a vice-prefeito. Isto é continuísmo. Os Calvi querem continuísmo de Encantado, sim. Isso não pode acontecer.

Ao final, foi inserida a gravação de uma criança dizendo Que show da Xuxa é esse? Que show da Xuxa é esse?

Adianto, na linha do parecer do d. Procurador Regional Eleitoral Auxiliar, que assiste razão ao recorrente.

Por primeiro, porque a alegada manipulação do vídeo - com a retirada da fala original e a colocação do discurso transcrito - é inábil a confundir o eleitor, pois nitidamente manipulado quanto ao conteúdo da fala do protagonista e, ainda, mero olhar sobre o vídeo evidencia a edição e o uso de artefatos de montagem.

Conforme referi por ocasião do julgamento do processo 0600064-11.2024.6.21.0071, a Encyclopedia Britannica aponta que o termo deepfake é composto por duas palavras em inglês: deep, que se refere à inteligência artificial, um aprendizado automático composto por vários níveis de processamento; e fake, que se refere à falsidade do material obtido como resultado. Ou seja, trata-se de conteúdo em áudio ou vídeo digitalmente manipulado por Inteligência Artificial, consubstanciando uma tecnologia usada para criar vídeos falsos, porém bem realistas. O algoritmo utiliza IA para manipular imagens de rostos e criar movimentos, simulando expressões e falas que jamais ocorreram. Da mesma forma, no presente feito não há elaborada manipulação de mídia, senão a substituição grosseira e evidente de áudio em contexto diverso do pronunciado, com o propósito de questionar, criticar, e não disseminar inverdades.

Por segundo, a legislação de regência vincula a espécie à difusão de fatos notoriamente inverídicos com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito.

No caso, de um lado não há elementos nos autos a afastar o conteúdo indicativo de pretensões políticas por parte de candidatos da mesma família, rotulado de “continuísmo”; e, de outro, o resultado do pleito revelou-se amplamente favorável ao recorrido, demonstrando a ausência de potencial da mídia impugnada para influenciar o pleito.

Por fim, sublinho que a legislação de regência privilegia o debate democrático, restringindo a atuação judicial a casos de violação às regras eleitorais:

Resolução TSE n. 23.610/19

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei n. 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

Nessa linha de raciocínio, julgo não configurada a propaganda irregular, devendo ser reformada a sentença e afastada a multa aplicada ao recorrente.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO para dar provimento do recurso ao efeito de julgar improcedente a ação e afastar a multa aplicada ao recorrente.