REl - 0601263-19.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, é incontroverso que os recorridos divulgaram, por meio de postagem colaborativa no Instagram (“colab”), em 28.9.2024, um vídeo no qual Gilberto Gomes Junior afirma que o candidato adversário, Moacir Jagucheski, na condição de Prefeito, sugeriu em uma reunião que fosse reduzido em R$ 100,00 (cem reais) o salário de cada funcionário da Usaflex para que a empresa pudesse pagar as suas despesas com aluguel.

A publicação, extraída de uma passagem de debate eleitoral entre os candidatos, está assim transcrita na peça inicial (ID 45756309, fl. 4):

(0:00) O senhor fala de trazer empresas, o nosso governo trouxe empresas, o senhor deveria ficar mais na cidade, o senhor foi assessor, estava com o assessor da sua deputada, estava fora da cidade e agora o senhor aterrissou de volta aqui para participar da eleição

 

(0:11) mas nós trouxemos empresas sim. O senhor disse que trouxe a Usaflex. Fala para a comunidade, os funcionários, tem mais de 1.200 funcionários lá.

 

(0:18) Graças ao vereador INUTERRA e eu como vice-presidente da Câmara garantimos a vinda da Usaflex e o senhor, numa reunião junto com o vereador INUTERRA que estava lá presente,

 

(0:26) o senhor sugeriu ser funcionário da Usaflex, deve ter que saber disso e se disser que não é verdade, amanhã eu gravo um vídeo com quem estava com o senhor na reunião,

 

(0:35) porque ele sugeriu reduzir R$ 100 do salário de cada funcionário da Usaflex, ele sugeriu em reunião para que fosse retirado para poder pagar o aluguel.

 

(0:44) E quando fez o contrato, a Câmara de Vereadores pagava e quando saiu da Câmara não pagou mais nenhum centavo, nós tínhamos que renegociar os R$ 720 mil,

 

(0:52) o governo Diego Picucci teve que renegociar porque não pagaram o aluguel que tinha que ser pago.

 

(0:56) É um compromisso nosso seguir investindo muito nas empresas do nosso município e dos nossos trabalhadores.

 

A partir das URLs indicadas na petição inicial (https://www.instagram.com/reel/DAaw_wMJvqb/?igsh=MW91NXJ5d3plNjZsaw%3D%3D), observa-se que a publicação do vídeo está acompanhada do seguinte texto:

O Moacir sugeriu algo no passado que vai contra o trabalhador: reduzir o salário dos funcionários da Usaflex para a empresa pagar o aluguel.

Isso é um absurdo! Não podemos aceitar que os nossos trabalhadores sejam prejudicados dessa forma. Essa é a forma como o Moacir "defende" os nossos trabalhadores?

Nós acreditamos no valor do trabalho e vamos continuar lutando por empregos dignos e uma Parobé que respeite a força do nosso povo! ‍

 

De seu turno, o Juízo da origem entendeu que a publicação contém manipulação e/ou distorção da verdade dos fatos, razão pela qual condenou os agora recorrentes, solidariamente à multa de R$ 10.000,00 por violação ao art. 57-D da Lei n. 9.504/97.

De fato, a fala atribuída ao candidato Moacir manipula e confunde o conteúdo real da Lei Municipal n. 3.693/17, que tratou de incentivos fiscais e creditícios para a instalação da empresa USAFLEX na localidade.

A Lei Municipal, ao fixar metas de contratações de empregados como condição ao auxílio financeiro público para a locação do prédio, estabelece que “haverá o desconto de R$ 100,00 (cem reais) por cada emprego a menos do que o mínimo estipulado”, consoante teor do respectivo art. 3º em seu parágrafo único:

Art. 3º - O incentivo financeiro a ser consignado a empresa consiste em:

[…].

Parágrafo único. Não sendo cumpridas integralmente as condições previstas acima, a empresa beneficiada fará jus ao recebimento proporcional do benefício. Nesta hipótese, haverá o desconto de R$ 100,00 (cem reais) por cada emprego a menos do que o mínimo estipulado.

 

A previsão normativa não se equipara à redução salarial dos funcionários contratados para o pagamento de despesas da empresa, tal como sugerido na postagem impugnada.

Além disso, de certa forma, o próprio recorrente admite no vídeo extraído do debate eleitoral que a afirmação sobre a aludida reunião seria duvidosa e passível de futura comprovação, na medida em que assevera “se disser que não é verdade, amanhã eu gravo um vídeo com quem estava com o senhor na reunião”.

Nada obstante, ainda que negada a suposta fala de Moacir na dita reunião, os recorrentes nada apresentaram para demonstrar que o então Prefeito teria verdadeiramente sugerido a diminuição dos salários dos funcionários da empresa a qualquer pretexto.

Em suas razões, os recorrentes limitam-se a invocar a liberdade de expressão e a alegar que “o vídeo do debate foi rapidamente excluído, não tendo gerado impacto negativo relevante nas candidaturas ou no processo eleitoral em curso”.

Entretanto, a liberdade de expressão constitucionalmente protegida não engloba a disseminação de informações falsas ou descontextualizadas, emolduradas como se notícias verdadeiras fossem, aptas a confundir ou induzir em erro o eleitorado.

Nessa perspectiva, o exercício da liberdade de expressão não comporta o descompromisso a verdade do que é afirmado, sendo da responsabilidade do emissor da informação a checagem da sua fidedignidade, como requisito prévio à sua propagação.

Com efeito, na regulamentação da desinformação da internet, o art. 9º, caput, da Resolução TSE n. 23.610/19 prescreve que a divulgação de qualquer modalidade de conteúdo sobre adversários “pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação”.

No caso concreto, não há evidência de que os recorrentes tenham tomado as cautelas mínimos para confirmarem a fidedignidade das informações divulgadas por fontes seguras e demonstráveis, assumindo a responsabilidade pela desinformação propagada em suas redes sociais.

Assim, os recorrentes incorreram em expediente de desinformação capaz de influenciar o eleitorado em desfavor do candidato adversário, consoante bem sintetizou a sentença:

(…) seja porque o representado trouxe informação desabonatória à pessoa do representante sem apresentar qualquer prova concreta e legítima do fato ocorrido; seja porque o exame do texto da lei municipal editada no ano de 2017 atesta que a proposta supostamente feita pelo então Prefeito não foi efetivada (já que a lei absolutamente nada tratou nesse particular), e que, ao contrário, o desconto de R$ 100,00 "por emprego" não se referia aos vencimentos salariais dos funcionários da empresa, está-se diante de possível manipulação acerca da verdade dos fatos, em claro prejuízo aos interesses do representante, algo que deve ser coibido na via judicial.


 

Sobre o tema, o TSE assentou que, embora o art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97 cuide da vedação do anonimato nas publicações feitas na internet, ele também se aplica à disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário, destacando-se o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2022. RECURSOS INOMINADOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/1997. ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO. 

1. O art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet - incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. Precedente. 

2. O entendimento veiculado na decisão monocrática se mostra passível de aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da anualidade, previsto no art. 16 da Constituição Federal, tendo em vista a circunstância de que a interpretação conferida pelo ato decisório recorrido não implica mudança de compreensão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, mas sim somente quanto à extensão da sanção aplicada, o que não apresenta repercussão no processo eleitoral nem interfere na igualdade de condições dos candidatos. 

3. Tratando-se de conduta já considerada ilícita pelo ordenamento jurídico, o autor do comportamento ilegal não dispõe de legítima expectativa de não sofrer as sanções legalmente previstas, revelando-se inviável a invocação do princípio da segurança jurídica com a finalidade indevida de se eximir das respectivas penas. 

4. O Plenário do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no julgamento do Recurso na Representação 0601754-50, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, analisando a matéria controvertida, estabeleceu diretriz interpretativa a ser adotada para as Eleições 2022, inexistindo decisões colegiadas desta CORTE que, no âmbito do mesmo pleito eleitoral, veiculem conclusão em sentido diverso. 

5. Recurso desprovido.

Recurso em Representação nº060178825, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/04/2024. (Grifei.)

 

Entretanto, a retirada do conteúdo após o ajuizamento da representação não elide a configuração do ilícito eleitoral e a sanção correspondente.

Uma vez consumada a irregularidade na propaganda, que gerou efeitos potenciais sobre a campanha eleitoral, considerando, em especial, o desvalor das atitudes que foram imputadas ao candidato, tendentes a prejudicar os funcionários da empresa USAFLEX, a imposição das sanções cabíveis deflui de modo impositivo da norma.

A discricionariedade do julgador restringe-se à dosimetria da penalidade entre os limites mínimo e máximo legalmente estabelecidos, ante as peculiaridades do caso, momento adequado para a avaliação do impacto da postagem sobre o eleitorado, não ensejando, porém, o afastamento da sanção.

No entanto, ao analisar o caso concreto, entendo que a penalidade fixada na sentença comporta redução.

A sentença registra que os representados excluíram a postagem tão logo intimados para tanto e não existem elementos que indiquem, naquela oportunidade, um maior alcance sobre o eleitorado que justifique a elevada penalização pecuniária de R$ 10.000,00.

Assim, entendo que a penalidade dever ser reduzida para o quantitativo mínimo legal de R$ 5.000,00; cifra já bastante significativa e suficiente, no caso concreto, para a reprovação dos fatos, nos termos do que dispõe o art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reduzir o valor da multa para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97.