REl - 0600208-96.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/12/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Tenho que o recurso é tempestivo, visto que a intimação da sentença se deu por publicação no Mural Eletrônico da Justiça Eleitoral 23.10.2024 e o apelo foi interposto na mesma data. Presentes os demais requisitos à tramitação recursal, conheço do recurso e passo à análise de seu mérito.

 

MÉRITO

Inicialmente, conforme assentado em reiteradas decisões desta Corte para as Eleições Municipais de 2024, mesmo após o transcurso do pleito, havendo discussão sobre aplicabilidade de multa, não há perda superveniente do objeto ou do interesse processual.

Como já destacado no relatório, a controvérsia trazida a este grau de jurisdição cinge-se ao desiderato recursal de obter a reforma da sentença da 34ª Zona Eleitoral, que julgou procedente representação formulada pelo recorrido, resultando na condenação da recorrente por veiculação, em rede social, de propaganda eleitoral irregular, notadamente por atribuir ao recorrido a prática de crimes ainda não processados pela Justiça, como homicídio culposo e omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial, impondo-lhe multa na quantia de cinco mil reais.

Tal qual ressai, a representação formulada por MARCIANO PERONDI foi ensejada pela postagem de ANDRESSA SIEVERS DE OLIVEIRA, na qual tece duros comentários sobre o envolvimento do recorrido em acidente de trânsito que resultou na morte de uma pessoa.

Na publicação, lê-se os seguintes dizeres:

"Mês do Halloween coisas assustadoras acontecem …

Inacreditável que um cara que matou um homem atropelado, não prestou socorro, consiga ir para o segundo de uma eleição.

Segura firme na mão do teu filho ao atravessar a rua em Pelotas, ele está solto por aqui.

Vergonha"

 

Com efeito, a liberdade de pensamento é valor albergado pela Constituição Federal, que, vedando o anonimato, o elenca na condição de direito fundamental previsto em seu art. 5º, inc. IV, para tanto dispondo que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato", prevendo também o texto constitucional, no mesmo art. 5º, inc. V, que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".

No âmbito do Direito Eleitoral, igualmente se projeta a garantia à liberdade de expressão e de pensamento, vedado o anonimato, assegurando a legislação eleitoral o exercício à livre manifestação do pensamento, estatuindo, no entanto, balizas e penalidades a fim de coibir eventuais desvirtuamentos e abusos à sua prática no curso de campanhas eleitorais.

Nesse sentido, colhe-se a previsão insculpida no art. 57-D da Lei n. 9.504/97 - Lei das Eleições:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Outrossim, no que concerne à matéria em apreço, impende também trazer a lume dispositivos da Resolução n. 23.610/19, do Tribunal Superior Eleitoral, sobre a propaganda eleitoral na internet, os limites da manifestação de eleitores e a eventual responsabilização por excessos:

[…]

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57-A). (Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

[…]

Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput).

§ 1º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º).

§ 1º-A A multa prevista no § 1º deste artigo não poderá ser aplicada ao provedor de aplicação de internet. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis à(ao) responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação da(o) ofendida(o), a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatas e candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 3º).

§ 3º Nos casos de direito de resposta em propaganda eleitoral realizada na internet, prevista no art. 58, § 3º, IV, da Lei nº 9.504/1997, em se tratando de provedor de aplicação de internet que não exerça controle editorial prévio sobre o conteúdo publicado por suas usuárias e seus usuários, a obrigação de divulgar a resposta recairá sobre a usuária ou o usuário responsável pela divulgação do conteúdo ofensivo, na forma e pelo tempo que vierem a ser definidos na respectiva decisão judicial.

 

Portanto, consoante se depreende de todo o conjunto normativo supratranscrito, é assegurada a liberdade de manifestação e expressão do pensamento, sendo vedados o anonimato e a divulgação de notícias inverídicas e de ofensas à honra e imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.

Da análise dos autos, verifica-se que a recorrente atribuiu ao recorrido a realização de dois fatos imputáveis como crime: (1) homicídio em acidente de trânsito com resultado morte; e (2) omissão de socorro.

Efetivamente, com relação ao primeiro fato imputado ao recorrido, não obstante a virulência e o baixo nível do conteúdo disseminado pela recorrente em sua postagem, a afirmação de que o recorrido "matou um homem atropelado" não pode ser interpretada como fato sabidamente inverídico ou passível de afetar a honra ou a imagem do recorrido, visto que não há imputação de crime de homicídio, mas, tão somente, da transposição de fato amplamente noticiado localmente, como na matéria publicada no site "A Hora do Sul", em 12.07.2024, disponível em https://ahoradosul.com.br/conteudos/2024/07/12/policia-apura-omissao-de-socorro-apos-atropelamento-que-matou-ciclista/ (acesso em 21.11.2024), do qual destaco o excerto:

"Polícia apura omissão de socorro após atropelamento que matou ciclista

Marciano Perondi não aguardou a PRF depois do acidente que vitimou Jairo Oliveira Camargo no último dia 25.

A 3ª Delegacia de Polícia de Pelotas investiga a circunstância do acidente de trânsito ocorrido no dia 25 de junho, e que levou à morte o ciclista Jairo de Oliveira Camargo, 63, no dia 8, na Santa Casa de Pelotas. O autor do atropelamento, o pré-candidato à prefeitura de Pelotas pelo Partido Liberal (PL), Marciano Perondi, não teria aguardado a presença da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e se apresentou horas depois na unidade de Eldorado do Sul, onde passou pelo teste do bafômetro e foi liberado.

De acordo com a delegada Maria Angélica Gentili, como no dia do ocorrido, a tipificação ficou como lesão corporal, a ocorrência foi encaminhada para a Central de Termos Circunstanciados (TCs). Entretanto, com a morte da vítima, o caso passa a ser de Homicídio de Trânsito Culposo, em tese.

(...)

De fato, em sua publicação, a recorrente afirma a ocorrência do fato atropelamento, do qual o recorrido não refuta a autoria, e da morte da vítima. Ou seja, qualquer suposição da ocorrência de crime está fora do que foi efetivamente dito na postagem, visto que a averiguação dos fatos, suas circunstâncias e eventuais capitulações penais serão devidamente aferidos em eventual processo pertinente.

No entanto, tenho não assistir razão à recorrente quanto à segunda parte da manifestação. Quando a recorrente afirma que o recorrido "não prestou socorro" à vítima, tal colocação vai de encontro ao narrado pelas autoridades que prestaram atendimento no local da colisão.

Conforme se observa da narração do policial rodoviário federal JEFERSON WEEGE DA ROCHA, na ocorrência policial 13890/2024/152010 (ID 45777954), ao chegar no local do acidente, a equipe da concessionária ECOSUL informou que o motorista do veículo envolvido na colisão (no caso, o veículo do recorrido) não estava no local, mas acionou o socorro e, na chegada da referida equipe, seguiu sua viagem deixando foto de sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil, que fora repassada à Polícia Rodoviária. Tais fatos estão também narrados no Laudo Pericial de Acidente de Trânsito apresentado pelo recorrido (ID 45777955).

Nesse ponto, resta claro que o recorrido se prontificou a chamar o atendimento e saiu do local após a chegada da equipe da concessionária, garantindo, com isso, que a vítima fosse amparada. A narrativa da recorrente teria guarida se o recorrido tivesse evadido do local para fugir de eventual responsabilidade civil e penal. O recorrido abandonou o local do acidente após a chegada do socorro, mas antes da chegada da polícia. Apesar do resultado lamentável do ocorrido, tal fato não dá azo à manifestação da recorrente ao afirmar que MARCIANO PERONDI “não prestou socorro” à vítima.

Por fim, consigno também não merecer acolhimento a tese da recorrente de que a condenação ao pagamento de multa somente pode ocorrer em caso de anonimato, pois a sentença expressamente fundamenta a condenação no artigo 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/2019, que regulamenta o art. 57-D da Lei n. 9.504/1997.

É cediço que o colendo TSE estabeleceu a diretriz jurisprudencial de que o sancionamento é devido em caso de violação à honra, conforme art. 9º-H da Resolução TSE n. 23.610/2019, ao dizer que "a remoção de conteúdos que violem o disposto no caput do art. 9º e no caput e no § 1º do art. 9º-C não impede a aplicação da multa prevista no art. 57-D da Lei nº 9.504/1997 por decisão judicial em representação". A propósito, colaciono o seguinte precedente:

ELEIÇÕES 2022. RECURSOS INOMINADOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/1997. ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. O art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet - incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. Precedente.

2. O entendimento veiculado na decisão monocrática se mostra passível de aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da anualidade, previsto no art. 16 da Constituição Federal, tendo em vista a circunstância de que a interpretação conferida pelo ato decisório recorrido não implica mudança de compreensão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, mas sim somente quanto à extensão da sanção aplicada, o que não apresenta repercussão no processo eleitoral nem interfere na igualdade de condições dos candidatos.

3. Tratando-se de conduta já considerada ilícita pelo ordenamento jurídico, o autor do comportamento ilegal não dispõe de legítima expectativa de não sofrer as sanções legalmente previstas, revelando-se inviável a invocação do princípio da segurança jurídica com a finalidade indevida de se eximir das respectivas penas.

4. O Plenário do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no julgamento do Recurso na Representação 0601754-50, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, analisando a matéria controvertida, estabeleceu diretriz interpretativa a ser adotada para as Eleições 2022, inexistindo decisões colegiadas desta CORTE que, no âmbito do mesmo pleito eleitoral, veiculem conclusão em sentido diverso.

5. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso em Representação n. 060178825, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/04/2024).

Assim, não há que se falar em falta de previsão legal para a aplicação da pena de multa.

 

Portanto, frente às alegações e documentos apresentados nos autos, tenho que a postagem realizada pela recorrente, com relação somente à afirmação de que MARCIANO PERONDI “não prestou socorro” à vítima no aludido acidente de trânsito, constituiu fato notoriamente inverídico ou descontextualizado, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à imagem e honra do então candidato, pois não trouxe as reais circunstâncias do acontecimento, mesmo que ainda devem devidamente avaliadas.

Por isso, pedindo a devida vênia aos meus ilustres pares com entendimento diverso, tenho que as razões recursais merecem acolhimento para dar parcial provimento ao recurso manejado, para afastar a caracterização de ilicitude quanto ao primeiro fato narrado (homicídio culposo no trânsito) e manter caracterizada a divulgação de fato sabidamente inverídico com potencial de afetar a honra do representante com relação ao segundo fato (omissão de socorro), motivo pelo qual tenho por manter a multa cominada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), visto que já se encontra em seu mínimo legal.

Ante o exposto, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto por ANDRESSA SIEVERS DE OLIVEIRA, mantendo a multa aplicada no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), visto que já se encontra em seu mínimo legal.