REl - 0600289-55.2024.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos processuais, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Como relatado, COLIGAÇÃO REALIZANDO SONHOS TRANSFORMANDO O FUTURO e LUCILA MAGGI MORAIS CUNHA interpuseram recurso contra decisão que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral irregular proposta em face de JANE OLIVEIRA DE LEMOS, FREDERICO ARCARI BECKER, ADRIANA GEBERT VELHO e DÉBORA ADRIANA RAMOS VELHO.

A sentença de origem (ID 45757681) reconheceu a publicação como meras críticas voltadas ao representante da administração pública municipal, sendo natural a maior exposição perante a opinião pública e seus adversários políticos, verbis:

Repiso os motivos que adotei ao apreciar o pedido de liminar, os quais transcrevo abaixo:

Preceitua o artigo 243, IX, do Código Eleitoral, como propaganda irregular a “que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”. Na esteira da aludida previsão legal a Resolução nº 23.610/2019 igualmente veda a propaganda eleitoral ofensiva à imagem dos candidatos ou quando há violação de diversos outros bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral (art. 22).

Ocorre que as afirmações levadas a efeito no pleito eleitoral não podem ser tidas como irregulares porque um determinado candidato não concorda ou não gosta das manifestações que foram formuladas por seus adversários. Por se tratar de concorrência a um cargo público eletivo, para a ocorrência de irregularidades na propaganda exige uma situação mais grave, mais contundente, porquanto decorre do sistema democrático criticas mais ácidas a quem concorre ao pleito eleitoral, especialmente se está ou esteve ocupando um outro cargo público.

José Jairo Gomes, ao discorrer sobre o ponto assinala, com propriedade, que:

Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso insere-se na dialética democrática. (...)

É óbvio, igualmente, que, em ambiente democrático, os contrastes aflorarão no debate político-ideológico, sobretudo por ocasião da campanha política. Ademais, a crítica – ainda que contundente, ácida – faz parte do discurso político, traduzindo a dialética própria do regime democrático, assentado que é no enfrentamento de ideias. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Grupo GEN, 2020)

Logo, em se tratando de publicação realizada sem um cunho de evidente difamação contra o atual candidato, mas decorrente de crítica contra os atos da administração - neste caso, a compra de telas interativas por valores que o eleitor defende ser superior ao preço de mercado - não há falar em propaganda irregular.

Considerando que a liberdade de expressão é a regra, orientando também as propagandas eleitorais, e que o administrador público deve prestar contas do seu trabalho, para o bem ou para o mal, somente em hipóteses de evidente práticas ilícitas é que se admite a intervenção da propaganda eleitoral.

Revela-se importante pontuar que o fato de se tratar de críticas voltadas ao representante da administração pública municipal, é natural a maior exposição perante a opinião pública e seus adversários políticos, assim como ocorre em relação à população em geral. Logo, seus atos estarão claramente sob o escrutínio popular, fruto do Estado Democrático, inclusive sujeito a críticas que por vezes possa lhe parecer - ou até mesmo ser - injusta, mas que ainda assim não configura propaganda irregular por não haver conotação de calúnia, injúria ou difamação contra a pessoa do candidato ou partido, mas voltada para as ações enquanto atuantes no município.

Repiso que a intervenção da Justiça Eleitoral nas postagens em rede social é possível, ainda que excepcionalmente, mas deve haver clara justificativa entre o conteúdo postado e os partidos ou coligações que se sentem prejudicados com as publicações, o que não ocorre na petição que ora se analisa.

Ressalto, ainda, que sequer foram descritas condutas praticadas pelos outros representados, limitando-se o representante a juntar arquivos cujos títulos são os nomes de Débora, Jane e Frederico.

Nesse contexto, inexiste irregularidade a ser coibida pela Justiça Eleitoral.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo representante.

Irresignadas, as recorrentes alegam que o teor da publicação do vídeo trouxe “imputações de desvio de recursos públicos, tipificada como corrupção, direcionadas a Lucila, configuram transgressão manifesta dos limites da crítica política aceitável, adentrando o domínio das acusações de natureza extremamente graves e potencialmente danosas”.

À luz da legislação vigente, tenho que não assiste razão a recorrente.

O print divulgado no Facebook de Adriana Gebert contém o seguinte teor:

 

 

Tenho que o conteúdo dos áudios e vídeo apenas comentam sobre a reportagem do jornal Zero Hora em tom crítico sem extrapolar os limites da liberdade de expressão, não havendo divulgação de informação sabidamente inverídica ou ofensiva, de modo que não houve violação do disposto no art. 57-D da Lei n. 9.504/97.

Assim, tenho que não houve na publicação de conteúdo ofensivo à honra da candidata Lucila, pois apesar de serem tecidas críticas à sua gestão, em nenhum momento lhe foi imputada a conduta de ter sido a responsável pelo desvio de verbas públicas.

É nesse sentido o entendimento do TSE, que abaixo colaciono:

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. POSTAGENS EM PERFIL DE REDE SOCIAL. REPRODUÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. POSSIBILIDADE DE REVALORAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS DELINEADOS NO ACÓRDÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE NÃO VOTO, DE OFENSA À HONRA E DE VEICULAÇÃO DE CONTEÚDO SABIDAMENTE INVERÍDICO. LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. CRÍTICA POLÍTICA. PROPAGANDA NÃO CONFIGURADA. CONDENAÇÃO IMPOSTA NA ORIGEM AFASTADA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A configuração de propaganda eleitoral antecipada negativa pressupõe o pedido explícito de não voto ou ato abusivo que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico. Precedentes. 2. Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, os fatos sabidamente inverídicos a ensejar a ação repressiva da Justiça Eleitoral são aqueles verificáveis de plano (R–Rp nº 0600894–88/DF, Rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 30.8.2018). 3. As críticas políticas não extrapolam os limites da liberdade de expressão, ainda que ácidas e contundentes, na medida em que fazem parte do jogo democrático e estão albergadas pelo pluralismo de ideias e pensamentos imanente à seara político–eleitoral. Precedentes. 4. No processo eleitoral, a difusão de informações sobre os candidatos – enquanto dirigidas a suas condutas pretéritas e na condição de homens públicos, ainda que referentes a fato objeto de investigação, denúncia ou decisão judicial não definitiva – e sua discussão pelos cidadãos evidenciam–se essenciais para ampliar a fiscalização que deve recair sobre as ações do aspirante a cargos políticos e favorecer a propagação do exercício do voto consciente. 5. As premissas fático–probatórias emolduradas no acórdão regional, sobretudo quando se reproduz o conteúdo das publicações impugnadas, viabilizam a revaloração jurídica dos fatos, sem que isso contrarie o teor da Súmula nº 24/TSE, consoante jurisprudência sedimentada neste Tribunal Superior. 6. No caso, das postagens impugnadas não se verifica pedido explícito de não voto, nem veiculação de conteúdo que exorbite a liberdade de expressão por se afigurar sabidamente inverídico ou gravemente ofensivo à honra ou imagem do pré–candidato. 7. A postagem consistente em mera reprodução de matéria jornalística que informa decisão judicial de bloqueio de bens e renda de prefeito e candidato à reeleição devido à condenação por improbidade administrativa não caracteriza propaganda eleitoral antecipada negativa, visto que albergada pelas liberdades de expressão e de informação, garantidas no texto constitucional. 8. Quanto às publicações elaboradas pelo usuário da rede social, a correlação com o conteúdo da referida matéria jornalística inviabiliza a percepção, de plano, de que as informações constituem divulgação de fato sabidamente inverídico. Além disso, os comentários veiculados, #vergonha, #EstânciaNãoMereceIsso e Infelizmente Estância repercute negativamente na imprensa sergipana, não exorbitam os limites da liberdade de expressão, de sorte que as postagens em liça encerram mera crítica política, inerente ao próprio debate democrático e à vida pública dos mandatários, assegurada nos termos dos arts. 5º, IV, da Constituição Federal e 36–A, V, da Lei nº 9.504/1997.9. Os argumentos esposados no agravo interno afiguram–se insuficientes para convolar a decisão agravada, devendo ser mantida a conclusão acerca da não configuração da propaganda eleitoral extemporânea negativa na espécie.10. Agravo a que se nega provimento.

(TSE - REspEl: 06000453420206250006 ESTÂNCIA - SE 060004534, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 17/02/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 34)

 

Alinhado ao posicionamento do TSE, a nossa Corte tem decidido da seguinte forma:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. REDES SOCIAIS. FACEBOOK E INSTAGRAM. PARCIALMENTE PROCEDENTE. PRELIMINARES AFASTADAS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MÉRITO. NOTICIADAS SUPOSTAS IRREGULARIDADES EM CONVÊNIO E DEVOLUÇÃO DE VALORES. CRÍTICAS À GESTÃO. NÃO ULTRAPASSADO O LIMITE LEGAL. EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. REFORMA DA SENTENÇA. PROVIMENTO. 1. Representação eleitoral por suposta propaganda negativa extemporânea, em razão de publicações realizadas em perfil do representado, nas redes sociais Facebook e Instagram, com conteúdo ofensivo a pré-candidato. 2. Preliminares afastadas. 2.1. Incompetência da justiça eleitoral. O art. 27 da Resolução TSE n. 23.610/19 determina que a manifestação de eleitor que ofenda à honra ou à imagem de candidatos e partidos, ou divulgue fatos sabidamente inverídicos # propaganda negativa # pode ser limitada pela Justiça Eleitoral. Na mesma linha, o § 2º da norma autoriza que sejam sindicadas as manifestações relacionadas a pré candidatos # propaganda extemporânea, como é o caso dos autos. Na espécie, a mensagem indicada na exordial refere-se ao pré-candidato ao cargo de prefeito e a partido político. Assim, tratando-se de alegação de existência de manifestação ofensiva a partido e pré candidato, é competente a Justiça Eleitoral para conhecer do pedido. 2.2. Ilegitimidade passiva. Considerando a possibilidade de que o eleitor produza eventual manifestação ofensiva, o recorrido está legitimado para estar no polo passivo da demanda, respondendo por atos que desbordem dos limites da livre manifestação. 3. O inc. IV do art. 1º da Emenda Constitucional n. 107/20 proíbe a veiculação de propaganda eleitoral até o 26 de setembro do corrente ano. Contudo, o art. 3º da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamenta a propaganda eleitoral para as eleições de 2020, reproduzindo teor do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, possibilita que os pretensos candidatos desenvolvam ações que, embora ocorram antes do aludido prazo, não configuram propaganda antecipada. Antes do prazo mencionado, está vedado o pedido de voto e, por decorrência lógica, sua modalidade negativa, o pedido de #não voto#. Ademais, o art. 27, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.610/2019 estabelece que a livre manifestação do pensamento somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem ou divulgar fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos, partidos ou coligações, ainda que antes do início do período da propaganda eleitoral. Por sua vez, o Tribunal Superior Eleitoral já se posicionou no sentido de que a propaganda antecipada negativa também se configura por divulgação de publicação, antes do período permitido, com ofensa à honra de possível futuro candidato. 4. No caso dos autos, o recorrente noticia supostas irregularidades em um convênio e a devolução de valores que teria sido ocasionada em razão disso. Evidenciada crítica à gestão em relação a um convênio. Ausente ataque direto à pessoa do então pré-candidato, mas apenas insinuação de que não seria um bom administrador. A manifestação também não pode ser considerada #fato sabidamente inverídico#, visto que existem controvérsias acerca do convênio noticiado na publicação. Ademais, ausentes evidências de impulsionamento, pois utilizados recursos disponíveis aos eleitores em geral # rede social Facebook e perfil de Instagram. Evidenciado o exercício da liberdade de expressão, não ultrapassado limite legal. Reforma da sentença. Improcedência da representação. 5. Provimento. (TRE-RS - RE: 060010009 SAPIRANGA - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 21/10/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 22/10/2020)

No ponto, a propósito, acompanho o quanto consignado no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45760907):

A possibilidade de crítica aos gestores públicos, como no caso, deve ser ampla, de acordo com a posição adotada pelo excelso STF no julgamento da ADI 4.451/DF: “A Democracia não existirá e a livre participação política não Crescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático”.

 

Sendo assim, tenho que a publicação não extrapolou a liberdade de expressão, tampouco atingiu diretamente a honra da candidata. Ademais, insere-se no debate democrático que um candidato profira críticas à gestão anterior de seu adversário, até mesmo com o objetivo de informar aos eleitores para que possam melhor fundamentar a sua escolha.

Nesse passo, tenho que a sentença deve ser mantida por seus fundamentos.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.