PCE - 0603184-52.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/12/2024 00:00 a 23:59

 VOTO

Trata-se da prestação de contas, apresentada por Diretório Estadual do PARTIDO LIBERAL – PL DO RIO GRANDE DO SUL, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

Após exame dos documentos, apresentação de contas retificadoras, elaboração de parecer conclusivo e ingresso de novos documentos pelo partido, a Secretaria de Auditoria Interna desta Corte procedeu ao exame dos últimos documentos e concluiu remanescerem irregularidades na distribuição de recursos do Fundo Partidário destinados (i) a candidaturas femininas e (ii) a candidaturas de pessoas negras; bem como (iii) a inobservância do prazo legal para a entrega de tais valores a seus destinatários.

Por sua vez, além destas irregularidades, a Procuradoria Regional Eleitoral manteve a anotação referente à utilização de recursos de origem não identificada - RONI.

Passo à análise das irregularidades.

1. Recursos de origem não identificada - RONI.

O parecer conclusivo indicou a utilização de recursos de origem não identificada no montante de R$ 331.760,27, em razão de omissão de apresentação de notas fiscais. Contudo, após a apresentação de novos documentos, o órgão técnico retificou o parecer e considerou sanada a falha, ao acolher o argumento da agremiação de que os gastos se referem a “despesas ordinárias a serem registradas e esclarecidas na prestação de contas anual de 2022”.

Em informação, provocada pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, assim se pronunciou o órgão técnico:

Da análise, verificou-se que do montante irregular de R$ 331.760,27 apontado no Exame de Documentos Após o Parecer Conclusivo ID 45587022 restaram irregulares e pendentes de diligências nos autos do processo de prestação de contas anuais2 o valor de R$ 54.853,08, conforme detalhamento constante do Anexo 1.

Restaram sanados os apontamentos constantes do Anexo 2 no valor de R$ 175.006,32, uma vez que foram identificados no SPCA e no PJE das contas anuais, e igualmente sanados, os constantes no Anexo 3 no valor de R$ 101.900,87, por se tratarem de notas fiscais de devolução, simples remessa/transporte ou canceladas, conforme detalhamentos constantes dos referidos Anexos.

Assim, após nova verificação por esta unidade técnica de contas eleitorais, resta pendente de julgamento no processo de prestação de contas anuais e ou neste processo de prestação de contas eleitorais o valor de R$54.853,08 de notas fiscais emitidas contra o CNPJ do partido político e não declarada nas prestações de contas anuais e ou eleitorais.

 

Observo que o processo de prestação de contas anual do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO LIBERAL DO RIO GRANDE DO SUL, exercício financeiro de 2022 (processo PC-PP n. 0600160-79.2022.6.21.0000), encontra-se em fase de instrução e, por certo, as notas fiscais emitidas contra o CNPJ da grei - não apresentadas na prestação de contas de campanha - serão objeto de análise naqueles autos. Não há risco, pelo caráter objetivo que os processos de prestações de contas encerram, de que tais operações não sejam objeto de fiscalização desta Justiça Especializada.

Portanto, considerada a alegação de tratar-se de gastos atinentes à contabilidade anual e, inclusive, diante da afirmação de realização de "diligências junto aos fornecedores, com objetivo de esclarecer integralmente o apontamento em questão”, julgo que a análise do presente ponto há de ser realizada naqueles autos.

2. Ausência de destinação de valores mínimos do Fundo Partidário, relativos (2.1) a candidaturas femininas e (2.2) a candidaturas negras.

Conforme apontamentos realizados pela unidade técnica, o PL DO RIO GRANDE DO SUL não teria observado a legislação eleitoral, tampouco as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no tocante à destinação de valor mínimo de recursos do Fundo Partidário (1) a candidaturas femininas e (2) a candidaturas de pessoas negras.

No campo normativo, o § 3º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19, em redação vigente na data do pleito (e portanto aplicável aos fatos da época, pois é sedimentado o entendimento, neste Tribunal, acerca da aplicação do brocardo tempus regit actum no que toca às normas de direito material de prestações de contas) assim preceituava:

Art. 19. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

§ 3º Para o financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras, a representação do partido político na circunscrição do pleito deve destinar os seguintes percentuais relativos aos seus gastos contratados com recursos do Fundo Partidário: (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

I - para as candidaturas femininas o percentual corresponderá a proporção dessas candidaturas em relação a soma das candidaturas masculinas e femininas do partido, não podendo ser inferior a 30% (trinta por cento); (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

II - para as candidaturas de pessoas negras o percentual corresponderá à proporção de: (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

a) mulheres negras e não negras do gênero feminino do partido; e (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

b) homens negros e não negros do gênero masculino do partido; e (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

III - os percentuais de candidaturas femininas e de pessoas negras será obtido pela razão dessas candidaturas em relação ao total de candidaturas da representação do partido político na circunscrição do pleito. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

 

2.1. Candidaturas femininas.

Em relação à destinação de recursos do Fundo Partidário a candidaturas femininas, considerando o montante total de recursos desta espécie recebidos pelo Diretório Estadual do partido político (R$ 927.277,40) e o número de candidaturas femininas registradas, que representaram 32,47%, a agremiação deveria ter realizado o repasse mínimo de R$ 301.086,97.

Contudo, o partido político repassou às candidaturas femininas o valor de R$ 225.086,43, que corresponde a 24,27% do montante recebido.

Com razão o parecer do órgão técnico. Houve, claramente, um repasse a menor de R$ 76.000,54, em descumprimento ao disposto na decisão proferida pelo e. STF na ADI n. 5.617 e no art. 19,  § 3º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Tais informações podem ser extraídas da seguinte tabela:

2.2 Candidaturas de pessoas negras.

No que tange à destinação de recursos do Fundo Partidário às candidaturas negras, a Unidade Técnica apontou um repasse a menor de R$ 14.086,96 para candidaturas de pessoas negras ou pardas do gênero feminino e de R$ 47.136,06 para candidaturas do gênero masculino, totalizando o valor de R$ 61.223,02 não repassados para cumprimento da cota racial.

As informações podem ser assim resumidas:

 

 

 

 

 

 

Sublinho: a necessidade de destinação mínima de recursos públicos (Fundo Partidário ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha) para atender cotas de gênero e raça funda-se no prestígio ao princípio da igualdade material, estabelecido no caput do art. 5º da Constituição da República. Trata-se, em suma, de ações afirmativas que visam equiparar, minimamente, a estampada desigualdade de oportunidades competitivas, na seara eleitoral, para a obtenção dos cargos em disputa.

No que toca à irregularidade relativa aos repasses das cotas raciais, contudo, destaco o advento da Emenda Constitucional n. 133, aos 22.8.2024, cujo artigo 3º determina que:

Art. 3º A aplicação de recursos de qualquer valor em candidaturas de pessoas pretas e pardas realizadas pelos partidos políticos nas eleições ocorridas até a promulgação desta Emenda Constitucional, com base em lei, em qualquer outro ato normativo ou em decisão judicial, deve ser considerada como cumprida.

Parágrafo único. A eficácia do disposto no caput deste artigo está condicionada à aplicação, nas 4 (quatro) eleições subsequentes à promulgação desta Emenda Constitucional, a partir de 2026, do montante correspondente àquele que deixou de ser aplicado para fins de cumprimento da cota racial nas eleições anteriores, sem prejuízo do cumprimento da cota estabelecida nesta Emenda Constitucional.

Ou seja, ainda que identificada a ausência de repasses e apontada expressamente a omissão partidária, há de se entender como "cumprida" a aplicação de recursos sob exame, observadas as vindouras condições, regradas no parágrafo único do transcrito art. 3º da EC n. 133.

Dessa forma, apenas o montante de R$ 76.000,54 (setenta e seis mil e cinquenta e quatro centavos) deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 19, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2.3 Atraso no repasse de verbas do Fundo Partidário às candidaturas abrigadas pelas cotas de gênero e racial.

Foi identificada pelo órgão técnico, ainda, a transferência extemporânea de recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 40.000,00, às candidaturas abrangidas pelas cotas de gênero e raça.

A movimentação ocorreu, em síntese, após a data final para a entrega da prestação de contas parcial, contrariando o disposto no § 10 do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme tabelas abaixo:

 

 

 

 

 

Com efeito, as transferências nitidamente foram operadas após a data-limite estabelecida na legislação de regência.

Contudo, tenho que a gravidade da irregularidade deve ser ponderada a partir dos elementos do caso concreto, como (a) data dos repasses, (b) valores e percentuais das doações, e (c) possibilidade de fruição pelos candidatos e candidatas que lograram o benefício, pois o estabelecimento de prazo limite (que fora a data final da prestação de contas parcial, 13.9.2022) visou viabilizar o efetivo uso dos recursos de origem pública por seus destinatários, o que dá concretude às candidaturas dos grupos minoritários e evita destinação meramente formal.

No caso, considero que os recursos do Fundo Partidário – ainda que destinados a destempo -  foram de fato utilizados para o pagamento de dívidas de campanha, ou seja, para o adimplemento de despesas feitas ao longo da campanha eleitoral, de modo que reconheço: não houve prejuízo às candidaturas dos grupos que a ação afirmativa procura compensar e, portanto, foram preservados os fins protegidos pela norma de regência.

Esta Corte tem se posicionado no sentido de que pequenos atrasos redundam em anotação de ressalvas nas contas. Por exemplo, julgado de relatoria do Des. Voltaire de Lima Moraes, cujas transferências extemporâneas foram  realizadas no mês de setembro, em precedente que se amolda, à perfeição, em paradigma para o caso posto:


PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2022. ATRASO NOS REPASSES DE RECURSOS ÀS CANDIDATURAS FEMININAS, DE MULHERES NEGRAS E DE HOMENS NEGROS. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DO FUNDO PARTIDÁRIO ÀS CANDIDATURAS MASCULINAS DE PESSOAS NEGRAS. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.
1. Prestação de contas apresentada por diretório estadual de partido político, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.
2. Atraso nos repasses de recursos às cotas de gênero e étnica. A Resolução TSE n. 23.607/19 regula, em seu art. 19, a distribuição de recursos do Fundo Partidário para financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras. Na hipótese, o atraso dos repasses não prejudicou a utilização dos recursos transferidos, já que a maior doação foi efetuada poucos dias após a data limite. As peculiaridades do caso, em especial a distribuição dos repasses em três parcelas, permite que se acolha a justificativa da agremiação para que ao atraso resulte apenas na anotação de ressalvas na contabilidade. Circunstância a ser analisada caso a caso, observando a data do repasse e a proximidade do pleito, assim como o percentual dos valores envolvidos em cada transferência e a comprovação de que os candidatos puderam usufruir adequadamente dos recursos públicos, a fim de que se estabeleçam as sanções para o descumprimento da norma.
3. Ausência de destinação do percentual mínimo do Fundo Partidário às candidaturas masculinas de pessoas negras. A agremiação não negou a insuficiência de repasse. O § 9º do art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que o repasse de recursos do Fundo Partidário em desacordo com as regras de distribuição configura aplicação irregular dos recursos públicos. Recolhimento ao Tesouro Nacional.
4. Considerando o percentual de candidaturas prejudicadas e a peculiaridade no exame da destinação dos recursos dos fundos públicos, afastada a aplicação dos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que determinam, de forma automática, a desaprovação das contas. A aplicação irregular de recursos decorrente da ausência de destinação de valores às candidaturas de homens negros representa apenas 0,32% do montante de recursos manejados pelo partido, viabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.
5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.
PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n.060279737, Acórdão, Des. Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06.03.2024. (Grifei.)

 

A título de desfecho, destaco que o valor de R$ 76.000,54 representa 1,42 % dos recursos recebidos pelo partido político (R$ 5.342.777,40), circunstância que admite, na linha de precedentes deste Tribunal, a construção de um juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do PARTIDO LIBERAL – PL e determino o recolhimento da quantia de R$ 76.000,54 (setenta e seis mil reais e cinquenta e quatro centavos) ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 19, § 9º, da Resolução TSE n. 23.607/19.