PC-PP - 0600240-77.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

Trata-se da prestação de contas, referente ao exercício financeiro de 2021, apresentada pelo DIRETÓRIO ESTADUAL DO PROGRESSISTAS DO RIO GRANDE DO SUL (PP/RS) e seus dirigentes partidários. 

1. Questão de Ordem: Aplicabilidade do Art. 4º da Emenda Constitucional n. 133/24

O Progressistas do Estado do Rio Grande do Sul suscita a incidência do art. 4º da Emenda Constitucional n. 133, publicada em 23.8.2024, defendendo que a nova norma constitucional implica a anistia/remissão das irregularidades envolvendo a aplicação de recursos do Fundo Partidário, “de modo que deve ser afastado o dever de recolhimento apontado nos subitens 4.1 e 4.5 do parecer conclusivo elaborado pela unidade técnica” (ID 45798474).

O tema é novo, estimula relevantes controvérsias entre os operadores do Direito Eleitoral e ainda não foi apreciado pelo Colegiado deste Tribunal. Assim, trago a matéria como questão de ordem, ponderando, também, que eventual cancelamento das sanções e extinção de processos pode acarretar o esvaziamento da própria atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral em determinados feitos.

No caso dos autos, a agremiação partidária invoca especificamente o § 1º do art. 4º da Emenda Constitucional n. 133, que estende a imunidade tributária a “todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais”.

O dispositivo constitucional invocado possui a seguinte redação:

Art. 4º É assegurada a imunidade tributária aos partidos políticos e a seus institutos ou fundações, conforme estabelecido na alínea "c" do inciso VI do caput do art. 150 da Constituição Federal.

§ 1º A imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais, bem como os juros incidentes, as multas ou as condenações aplicadas por órgãos da administração pública direta e indireta em processos administrativos ou judiciais em trâmite, em execução ou transitados em julgado, e resulta no cancelamento das sanções, na extinção dos processos e no levantamento de inscrições em cadastros de dívida ou inadimplência.

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo aplica-se aos processos administrativos ou judiciais nos quais a decisão administrativa, a ação de execução, a inscrição em cadastros de dívida ativa ou a inadimplência tenham ocorrido em prazo superior a 5 (cinco) anos.

 

A norma é bastante clara no sentido de regulamentar a imunidade tributária constitucional deferida aos partidos políticos, o que não é matéria típica de prestação de contas partidárias ou eleitorais.

De outra sorte, as impropriedades e irregularidades verificadas pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas, e suas consequências jurídicas, não ostentam natureza tributária (TSE – AgR-REspe n. 53567/RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 10.02.2015, Data de Publicação: DJE de 12.03.2015), o que se afigura suficiente para concluir pela inaplicabilidade do art. 4º da EC n. 133/2024 no julgamento de tais processos.

No mesmo sentido, uma interpretação sistemática do conjunto de normas de Emenda Constitucional n. 133/2024 confirma que o art. 4º não pode ser considerado óbice ao poder-dever da Justiça Eleitoral de fiscalizar as contas partidárias e impor determinações de recolhimento ao erário ou outras sanções de natureza não tributária.

Com efeito, a referida Emenda Constitucional trata de diversos temas, incluindo:

a) a obrigatoriedade da aplicação de recursos financeiros para candidaturas de pessoas pretas e pardas (art. 2º);

b) prevê uma anistia por irregularidades atinentes à aplicação de recursos em candidaturas de pessoas pretas e pardas realizadas até a data da sua promulgação (art. 3º);

c) reforça a imunidade tributária dos partidos políticos conforme prevista na Constituição Federal (art. 4º);

d) estabelece parâmetros e condições para regularização e refinanciamento de débitos de partidos políticos, criando um Refis aos partidos políticos (art. 5º);

e) assegura aos partidos políticos a utilização de recursos do Fundo Partidário para o pagamento de sanções, penalidades e devolução de recursos públicos e privados a eles imputados pela Justiça Eleitoral (art. 6º); e

f) amplia as hipóteses de dispensa de emissão de recibo eleitoral (art. 8º).

Assim, caso o legislador constituinte derivado pretendesse o cancelamento ou extinção de todas as devoluções e recolhimentos de valores determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais, não seria necessária a criação de uma anistia específica para irregularidades envolvendo a aplicação de recursos em candidaturas de pessoas negras e pardas, tampouco faria sentido a criação de Refis para a regularização tais débitos.

Nessa linha de entendimento, o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás fixou a tese de julgamento de que:

[...].

1. O art. 4º da EC 133/2024 não pode ser interpretado como óbice ao poder–dever da Justiça Eleitoral de fiscalizar as contas partidárias (art. 17, III, da CRFB) e impor determinações de recolhimento ao erário em sede de julgamento de contas eleitorais ou partidárias, conforme preconiza o art. 37 da Lei n. 9.096/95. 2. O dispositivo constitucional estabelece, em verdade, é uma anistia que se aproximaria de uma causa especial de prescrição intercorrente, aplicável especificamente às execuções de decisões da Justiça Eleitoral que importem em determinação de recolhimento ao erário e cujas execuções perdurem por mais de 5 anos.

[...].

(Prestação De Contas Anual 060052217/GO, Relator: Des. Rodrigo De Melo Brustolin, Acórdão de 11.11.2024, Publicado no DJE 357, data 14.11.2024.)

 

Na mesma senda, o Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo assentou:

DIREITO ELEITORAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. MULTA POR DESAPROVAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO 2021. ART. 48 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.604/2019. PROPORCIONALIDADE DA MULTA. APLICABILIDADE DA EC N. 133/2024. EMBARGOS NÃO PROVIDOS.

[...].

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) definir se o acórdão embargado apresenta omissão quanto à proporcionalidade e número de repasses mensais para o desconto da multa aplicada; (ii) estabelecer se a Emenda Constitucional n. 133/2024 é aplicável para afastar ou modificar a penalidade imposta no julgamento da prestação de contas.

III. RAZÕES DE DECIDIR

[...]. 4. A Emenda Constitucional n. 133/2024 anistia apenas a irregularidade relacionada à não aplicação de recursos em candidaturas de pessoas pretas e pardas. As demais irregularidades, como as das contas desaprovadas, não são alcançadas pela anistia. O embargante poderá buscar o refinanciamento dos débitos via Refis Eleitoral, inclusive com o uso de recursos do Fundo Partidário.

IV. DISPOSITIVO E TESE

5. Embargos de declaração não providos.

Tese de julgamento:

[...]. 2. A Emenda Constitucional n. 133/2024 não afasta as irregularidades das contas desaprovadas no caso, mas permite o refinanciamento de seus débitos.

[...].

(EMBARGOS DE DECLARAÇÃO na PC-PP n. 060042056, Resolução, Relator: Des. Alceu Mauricio Junior, Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, 14.10.2024.) Grifei.

 

De igual forma, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro afastou a incidência da EC n. 133/2024 às consequências dos processos de contas, no que toca à extensão da imunidade tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2018. IRREGULARIDADES NOS GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. INCONFORMISMO. REJEIÇÃO.

[...].

7. Advento da EC 133, que em nada repercute no presente caso, tendo em vista que as cominações e determinações pecuniárias não tem natureza tributária. Inteligência do Art. 3º do CTN e Súmula 56 TSE. Questão de Ordem que improcede.

8. REJEIÇÃO dos Embargos e da Questão de Ordem. Confirmação da DESAPROVAÇÃO das contas partidárias, com a determinação de devolução de R$ 562.562,31, referentes a irregularidades nos gastos com recursos do Fundo Partidário, multa de R$ 11.151,34 e aplicação de R$ 88.659,73 em programas de incentivo à participação política das mulheres.

(EMBARGOS DE DECLARAÇÃO no(a) PC n.060025253, Acórdão, Des. Fernando Marques De Campos Cabral Filho, Publicação: DJE - DJE, 13.09.2024.) Grifei.

 

Embora o ponto não tenha sido enfrentado pelo Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, é possível localizar decisões monocráticas da Ministra Carmem Lúcia e do Ministro Antônio Carlos Ferreira com essa mesma diretriz interpretativa:

Monocrática da Min. Carmem Lúcia:

[...].

Igualmente não merece acolhimento a alegação do partido de que a Emenda Constitucional n. 133/2024 determina o “cancelamento das sanções oriundas de decisões em prestações de contas anuais e eleitorais e veda aplicação de sanções em decorrência das mesmas”.

Não é possível extrair dos dispositivos da Emenda mencionada a imunidade irrestrita aos partidos políticos, com a consequente extinção de todos os processos de prestação de contas de partidos políticos julgados pela Justiça Eleitoral e das sanções aplicadas aos partidos.

Assim, mantém–se hígida a possibilidade de restrição ao acesso a recursos do FEFC a partido político em decorrência de julgamento de contas como não prestadas, nos termos do inc. I do art. 47 da Resolução n. 23.604/2019 do Tribunal Superior Eleitoral.

(TSE - PetCiv: 06131444620246000000 BRASÍLIA - DF 061314446, Relator: Cármen Lúcia, Data de Julgamento: 15.09.2024, Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico - DJE 163, data 17.09.2024.)

 

Monocrática do Min. Antônio Carlos Ferreira:

[...].

A EC n. 133/2024 não anistiou as cominações impostas pela Justiça Eleitoral por ocasião do julgamento das contas partidárias ou eleitorais.

O art. 4º da EC nº 133/2024 - que fundamentou a alegação do partido de que supostamente teria havido "[...] o perdão das dívidas oriundas de decisões em prestações de contas eleitorais e anuais dos partidos e de suas fundações [...]" (id. 162287764) - versa sobre a imunidade tributária dos partidos políticos e de seus institutos ou fundações, matéria absolutamente distinta da situação em comento.

Nada obstante, é pacífico o entendimento do TSE de que as determinações decorrentes do julgamento das contas partidárias e/ou eleitorais - notadamente a devolução de valores ao erário nas hipóteses de recebimento de recursos de fonte vedada e/ou não identificada, ausência de comprovação e/ou da utilização indevida de recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), bem como multa - não possuem natureza tributária. Nesse sentido: REspEl nº 0600003-52/RS, rel. designado Min. Alexandre de Moraes, julgado em 22.3.2022, DJe de 23.6.2022.

Ademais, sabe-se que "a determinação de devolução ao erário dos recursos oriundos de fundos compostos por recursos públicos não constitui penalidade, tendo como finalidade a recomposição do estado de coisas anterior" (AgR-REspe nº 0607014-27/SP, rel. Min. Sergio Banhos, julgado em 14.11.2019, DJe de 12.2.2020).

(TSE - RROPCO: 06133376120246000000 BRASÍLIA - DF 061333761, Relator: Antonio Carlos Ferreira, Data de Julgamento: 30.10.2024, Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico - DJE 197, data 05.11.2024.)

 

Logo, impõe-se concluir que o art. 4º, caput e §§ 1º e 2º, da Emenda Constitucional n. 133/2024 não anistiou as cominações, recolhimentos e sanções impostas pela Justiça Eleitoral em prestações de contas anuais ou eleitorais, uma vez que tais medidas não possuem natureza tributária.

Por sua vez, o art. 6º da EC n. 133/2024, que garante aos partidos político o uso de recursos do Fundo Partidário para a quitação de débitos eleitorais e não eleitorais, terá sua incidência enfrentada no tópico própria da análise de contas, relativo aos gastos com multas, juros e encargos com verbas de origem pública.

Assim, passo à análise das irregularidades indicadas pelo órgão técnico após os procedimentos de exame.

2. Do Recebimento de Doação de Pessoa Jurídica

A examinadora de contas detectou, com base nos extratos bancários eletrônicos, o aporte de 12 (doze) doações oriundas de pessoa jurídica, inscrita no CNPJ n. 87.958.674/0001-81, no valor total de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), na conta bancária n. 605262106, agência 839, no Banrisul, conforme tabela abaixo (ID 45527960, fl. 3):

 

Intimado, o partido nada manifestou.

O art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 veda o recebimento direto ou indireto de doações procedentes de pessoas jurídicas, in verbis:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidata ou candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

 

Tendo em vista que os recursos provêm de órgão público fazendário, pode-se supor que se trata de contribuições descontadas em folha de pagamento de servidores públicos. Contudo, ainda que houvesse prova de tal circunstância, não haveria como superar a falha, uma vez que o desconto automático em folha de pagamento não é admitido como forma de contribuição lícita pela jurisprudência do TSE:

EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. PARTIDO POLÍTICO. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ACÓRDÃO DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. NÃO PROVIMENTO.

1. Na decisão agravada, negou-se seguimento a agravo interposto contra decisão da Presidência do TRE/RJ que não admitiu recurso especial contra acórdão unânime proferido pela referida Corte, que desaprovou as contas do partido político agravante alusivas ao exercício financeiro de 2017, com determinação de recolhimento de valores ao erário e multa.

2. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral posiciona-se no sentido de que os partidos políticos são proibidos de receber doação mediante desconto automático em folha de pagamento, prática conhecida como "dízimo partidário", seja de servidores públicos ocupantes de cargos em comissão, seja de detentores de mandato eletivo, devido ao seu caráter compulsório, incompatível com a natureza livre e espontânea da doação.

3. No caso, a legenda recebeu valores decorrentes de descontos automáticos na folha de pagamento de pessoal relativa à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Como bem pontuou a Corte de origem, ainda que essas quantias tenham sido decotadas da remuneração de detentores de mandato eletivo, caracterizou-se a prática ilícita devido à sua compulsoriedade. Precedentes.

[...].

5. O TSE já assentou que detentor de mandato eletivo não se enquadra no conceito de autoridade pública para fins da incidência da vedação do art. 12, IV, da Res.-TSE nº 23.546/2017. No entanto, a irregularidade, no caso, reside na circunstância de se ter tratado de contribuição compulsória, por meio de desconto automático de valor em folha de pagamento.

6. "A doação partidária é ato de vontade própria que não pode contar com intermediários e pode ser realizada somente por ação espontânea do eleitor diretamente direcionada ao partido da sua preferência" (REspEl 1916-45.2009.6.11.0000/MT, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 9/6/2016).

[...].

8. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE; Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral n.060023806, Acórdão, Min. Isabel Gallotti, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 01.07.2024.) (Grifei.)

 

Registra-se, ainda, que a mesma falha, então na monta de R$ 1.300,00, foi glosada na prestação de contas do exercício financeiro de 2020 da agremiação, por ocasião do julgamento da PCA n. 0600161-35, da relatoria do eminente Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior (Acórdão de 05.9.2023, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 167, de 12.9.2023).

Assim, não tendo havido esclarecimentos e tampouco a devolução ou o recolhimento das verbas recebidas de fontes vedadas, subsiste a falha e o consequente dever de transferir o equivalente ao Tesouro Nacional, consoante entendimento desta Corte sobre o tema:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. PERMISSIONÁRIO DE SERVIÇO PÚBLICO. NÃO REALIZADA A DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO DOADOR. BAIXO PERCENTUAL. APLICADOS OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato, referentes às Eleições Municipais de 2020, em virtude do recebimento de doação proveniente de permissionário de serviço público. Determinado o recolhimento da respectiva quantia ao Tesouro Nacional.

2. O art. 31, inc. III e seus parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19, elenca as fontes vedadas aos partidos e candidatos, dentre elas, pessoas físicas permissionárias de serviço público. Não observado o comando previsto no § 3º do art. 31 da Resolução TSE n. 23.607/19, que prevê a imediata devolução dos valores ao doador originário, deve o valor equivalente ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 31, § 4º, c/c o art. 79, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. A falha corresponde a 5,2 % dos recursos arrecadados. Conforme jurisprudência consolidada nesta Casa, as contas devem ser julgadas aprovadas com ressalvas, por força da aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, quando inexistente má-fé do prestador e as irregularidades apuradas perfizerem montante absoluto inferior a R$ 1.064,10 ou representarem percentual menor que 10 % das receitas arrecadadas.

4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n 060092786, ACÓRDÃO de 28.04.2022, Relatora Desa. KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: DJE de 03.05.2022.) (Grifei.)

 

Destarte, as doações diretas recebidas, no montante de R$ 1.200,00, configuram recursos de fontes vedadas (pessoa jurídica) e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma determinada pela legislação de regência.

 

3. Das Contribuições de Pessoas Físicas Não Filiadas a Partido Político

A unidade técnica relatou o recebimento de contribuições de pessoas físicas detentoras de cargos ou funções públicas demissíveis ad nutum e não filiadas ao partido político, no valor de R$ 11.390,00, arroladas na seguinte tabela (ID 45643434, fl. 9):

Além disso, está certificado nos autos que Adriana Leandra Russi, Alexandre Carrion Farina, Daniel de Lemos Germano da Silva, Luana Wasgem Francisquina e Marcos Vinicius Gornatti dos Santos não se encontravam filiados ao partido político quando das doações (ID 45445431).

A agremiação não se manifestou a respeito da irregularidade.

Logo, os doadores são considerados fontes vedadas de arrecadação, uma vez que não estão abrangidos na ressalva contida no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Assim, considera-se como de fonte vedada a importância de R$ 11.390,00, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

 

4. Da Distribuição e da Aplicação de Recursos Oriundos do Fundo Partidário

No subitem 4.1 do parecer conclusivo, o órgão técnico constatou que a agremiação recebeu o valor total de R$ 259.360,00, entre 23.9.2021 e 23.11.2021, período no qual cumpria sanção de suspensão do recebimento dessa espécie de recurso:

4.1 Quanto à regularidade do recebimento dos recursos do Fundo Partidário, constatou-se que a agremiação recebeu valores no período de 23/09/2021 a 23/11/2021, no qual cumpria sanção de suspensão do recebimento desse tipo de recurso por decisão judicial transitada em julgado, conforme consulta ao Sistema de Informação de Contas – SICO web, disponível para acesso público na internet:

Constatou-se nos extratos bancários eletrônicos das contas n. 1083422 e n. 257486, ambas da agência 10 do Banco do Brasil, destinadas à movimentação de Fundo Partidário, o recebimento de recursos dessa natureza, oriundos do Diretório Nacional do PP, no valor total de R$ 259.360,00. Segue transcrição dos lançamentos das referidas transferências de fundos conforme extratos eletrônicos:

De seu turno, o órgão partidário afirma que a instância de direção nacional não foi intimada da decisão que suspendeu o recebimento de quotas do Fundo Partidário, pois a decisão judicial que determinou a comunicação do diretório nacional não versou sobre a penalidade em questão, mas apenas tratou do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (ID 45533372).

Em reforço à sua alegação, acostou declaração do Secretário-Geral do Diretório Nacional do PP, dando conta de que (ID 45509029):

Atendendo a apelo do Diretório Estadual do Rio Grande do Sul, acerca do Processo de Prestação de Contas nº 0000060-91.2014, informamos que o Diretório Nacional recebeu a Intimação nº 46/2021, trazendo no seu bojo, decisão monocrática do DD. Presidente do TRE/RS, Desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, (…).

[…].

De conformidade com a Intimação recebida e sob o entendimento que a sanção aplicada restringer-se-ia, somente aos itens nº 1 e 2 do referido despacho.

Foi então encaminhada, via e-mail em 27/10/2021, ao Jurídico, a Tesouraria-Geral do Partido/RS, para recolhimento ao Tesouro Nacional dos referidos valores, praxe adotada pelo Diretório Nacional, no âmbito de todos os Órgãos Estaduais.

Nota-se que na referida correspondência portadora do despacho não há referência explícita a sanção que determina a suspensão do repasse, por 02 (dois) meses, da verba do Fundo Partidário, ao Diretório Estadual, razão pela qual não foi tornada viável a suspensão reclamada.

 

De fato, consta no processo n. 0000060-91.2014.6.21.0000 o envio de comunicação acerca da decisão proferida naqueles autos ao Diretório Nacional do Progressistas, na data de 26.10.2021, que intima o Presidente Nacional do partido “para cumprimento da decisão anexa de ID 44853492”, a qual tem o seguinte teor:

Vistos, etc.

Trata-se de prestação de contas do exercício financeiro de 2013 do Órgão Estadual do PARTIDO PROGRESSISTA – PP, com decisão transitada em julgado, que julgou desaprovadas as contas e determinou o recolhimento de valores em decorrência do recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas, bem como em decorrência da aplicação irregular de recursos do fundo partidário.

A Resolução TSE n. 23.604/19, no seu artigo 59, § 1º, prevê a incidência de atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento.

O montante atualizado dos valores a serem recolhidos na data de 15.10.2021 é de R$ 137.186,15 (cento e trinta e sete mil, cento e oitenta e seis reais e quinze centavos), conforme demonstrativos no ID 44853377, sendo que R$ 131.453,01 (cento e trinta e um mil quatrocentos e cinquenta e três reais e um centavo) correspondem aos recursos oriundos de fontes vedadas e R$ 5.733,14 (cinco mil setecentos e trinta e três reais e quatorze centavos) referem-se à aplicação irregular do fundo partidário.

Assim, para os fins do art. 59, da Res. TSE n. 23.604/19, combinado com o art. 7, da Res. TRE-RS n. 371/21, determino:

a) INTIMAR o órgão partidário nacional respectivo, por meio de comunicação remetida ao endereço de correio eletrônico constante do cadastro do Sistema de Gestão de Informações Partidárias (SGIP), do inteiro teor da decisão transitada em julgado que originou a sanção para:

1. proceder, até o limite da sanção, ao desconto e à retenção dos recursos provenientes do Fundo Partidário destinados ao órgão sancionado, de acordo com as regras e os critérios de que trata o inciso II do art. 3º da Resolução TSE n. 23.604/2019;

2. destinar a quantia retida à conta única do Tesouro Nacional;

3. juntar ao processo da prestação de contas a respectiva GRU, na forma prevista na decisão; ou,

4. informar, no processo da prestação de contas e no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a inexistência ou a insuficiência de repasses destinados ao órgão partidário sancionado;

b) Na hipótese de ser recebida a informação de que trata o item 4 da alínea "a", ou após decurso do prazo sem manifestação do órgão partidário nacional, contado a partir da juntada do envio da comunicação eletrônica, INTIMAR o devedor (órgão partidário sancionado) e os devedores solidários, na pessoa de seus respectivos advogados, ou por meio de comunicação remetida ao endereço de correio eletrônico constante do cadastro do Sistema de Gestão de Informações Partidárias (SGIP), para aqueles que não tiverem advogado constituído, para que promovam o pagamento do valor devido nos termos da decisão transitada em julgado no prazo de 15 (quinze) dias.

Restando sem êxito, intime-se a Advocacia-Geral da União para que promova as medidas necessárias para a cobrança do valor devido, incluindo a mesma como parte interessada nos autos.

Publique-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 19 de outubro de 2021.

DESEMBARGADOR ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA,

Presidente do TRE-RS.

 

Portanto, a comunicação enviada ao diretório nacional do partido referia expressamente a concessão de prazo para cumprimento da “decisão anexa”, e não do acórdão condenatório.

De seu turno, a decisão monocrática anexada menciona apenas o recolhimento de valores mediante “desconto e à retenção dos recursos provenientes do Fundo Partidário”, sem tratar da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

Além disso, o art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95, incluído pelo Lei n. 13.877/19, assim preconiza quanto ao tema:

Art. 37. (...).

§ 3º-A. O cumprimento da sanção aplicada a órgão estadual, distrital ou municipal somente será efetivado a partir da data de juntada aos autos do processo de prestação de contas do aviso de recebimento da citação ou intimação, encaminhada, por via postal, pelo Tribunal Regional Eleitoral ou Juízo Eleitoral ao órgão partidário hierarquicamente superior. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

 

Logo, a partir da vigência da Lei n. 13.877/19, a juntada do aviso de recebimento da comunicação específica à instância partidária nacional é condição necessária para a efetivação do sancionamento, o que não ocorreu no caso em comento.

Tratando-se de disciplina sobre procedimento, o preceito normativo em tela tem aplicação imediata aos processos em curso, alcançando todos os atos a partir da sua vigência, sem, contudo, retroagir aos atos consumados sob o império da legislação anterior, na forma do art. 14 do CPC.

Nessa linha, colho a jurisprudência do TSE:

SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DE COTAS. TERMO INICIAL. VÍCIOS. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.

[…].

5. Ainda de acordo com a jurisprudência específica deste Tribunal, “a norma do § 3º-A do art. 37 da Lei 9.096/95, incluída pela Lei n. 13.877, de 27.9.2019 - que condiciona o cumprimento da suspensão de repasse de novas cotas do Fundo Partidário à intimação postal do órgão partidário de hierarquia superior -, é aplicável às penalidades dessa natureza impostas a partir do início de sua vigência, não produzindo efeitos retroativos por inexistir comando normativo nesse sentido” (AgR-REspEl 0600278-31/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2/8/2022).

[…].

(TSE; Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 15711, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 05.12.2023.) (Grifei.)

 

O entendimento foi acolhido por este Tribunal Regional em casos análogos:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2022. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. IRREGULARIDADES CONTÁBEIS FORMAIS. APLICAÇÃO IRREGULAR DO FUNDO PARTIDÁRIO. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS A DIRETÓRIO MUNICIPAL EM PERÍODO VEDADO. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. CONTAS DESAPROVADAS.

[…].

3.3. Transferência a diretório municipal em período vedado, por cumprimento da pena de proibição de recebimento de recursos públicos. Contudo, o apontamento deve ser afastado, por ausência de intimação válida ao órgão hierárquico superior, conforme art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95. Encaminhamento à Zona Eleitoral de cópia da decisão e do parecer técnico conclusivo, para consideração quando do julgamento das contas do órgão municipal.

[…].

(TRE-RS; PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL n. 0603728-40, Acórdão, Desa. Eleitoral PATRÍCIA DA SILVEIRA OLIVEIRA, Sessão de Julgamento de 22.11.2024.) Grifei.


 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2022. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTE VEDADA. INGRESSO DE CONTRIBUIÇÕES DE PESSOAS JURÍDICAS E DE PESSOAS NÃO FILIADAS AO PARTIDO. VEDAÇÃO. FUNDO PARTIDÁRIO - FP. RECEBIMENTO DE RECURSO EM PERÍODO DE CUMPRIMENTO DE SANÇÃO. INTIMAÇÃO DA DIREÇÃO NACIONAL OCORRIDA APÓS OS REPASSES. FALHA AFASTADA. PAGAMENTOS IRREGULARES. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL COMPROBATÓRIA. FALTA DE DESCRIÇÃO DETALHADA DO SERVIÇO PRESTADO. AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO MÍNIMA DE 5% EM PROGRAMAS DE POLÍTICA DE MULHERES. IRREGULARIDADES DE ALTO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente ao exercício financeiro do ano de 2022.

[...].

3. Recursos do Fundo Partidário. 3.1. Recebimento de recursos pelo partido enquanto cumpria sanção de suspensão por decisão judicial transitada em julgado. Intimação da direção nacional do partido ocorrida após os repasses. Irregularidade afastada. [...].

5. Desaprovação. Determinado o recolhimento da quantia irregular e do valor da multa ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS; PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL n. 060018325, Acórdão, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16.08.2024.) (Grifei.)

 

Assim, considerando as peculiaridades do caso, em especial o teor da intimação enviada ao órgão nacional do partido e a inobservância do art. 37, § 3º-A, da Lei n. 9.096/95, não pode ser o diretório responsabilizado pelo recebimento e pela utilização dos recursos.

Por sua vez, o requerimento para que o Tribunal “fixe novo prazo para o cumprimento daquela decisão, com delimitação temporal específica de início e fim da data do cumprimento da sanção, procedendo-se a intimação do Diretório Nacional a fim de que implante a medida”, deve ser formulado nos autos do processo n. 0000060-91.2014.6.21.0000, no qual deve ser processado o cumprimento da condenação.

Com essas considerações, afasto o apontamento em análise, no valor de R$ R$ 259.360,00.

5. Da aplicação irregular do Fundo Partidário, no montante de R$ 43.456,00.

A Secretaria de Auditoria Interna - SAI, em seu Parecer Conclusivo, apontou que:

Com relação ao item 4.5 do Relatório de Exame de Contas, foram apontados gastos irregulares no montante de R$ 141.417,56.

Em sua manifestação, o partido apresentou documentação complementar (ID 45509031 a 45509093), sanando parcialmente as irregularidades descritas no exame das contas. Contudo, permanecem apontados os gastos efetuados em desacordo com o art. 17, §2º da Resolução TSE 23.604/2019, no total de R$ 43.456,00, conforme discriminado na Tabela 4, ao final deste relatório.

Assim sendo, consideram-se irregulares os pagamentos efetuados com recursos oriundos do Fundo Partidário acima descritos, no montante de R$ 43.456,00, sujeitos a devolução ao Erário conforme previsto no artigo 58, § 2º6 da Resolução TSE n. 23.604/2019.

 

Logo, o exame das contas constatou a realização de gastos com recursos do Fundo Partidário através das contas n. 1083422 e n. 257486, da agência 10, do Banco do Brasil, para pagamentos de multa, juros e/ou encargos, em desacordo com o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19, resultando no total de R$ 43.456,00, conforme tabela 4, constante no ID 45527960, que indica os beneficiários: Ministério da Economia, Ministério da Fazenda, Sky, Zenvia Mobile, Dinamize, Vivo e Localiza Rent a Car.

O dispositivo legal citado é expresso em estipular que “os recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros”.

De seu turno, a agremiação partidária defende que “o artigo 6º da Emenda Constitucional número 133 garante aos partidos políticos o uso de recursos do fundo partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais”, de modo que “o artigo antes citado revogou implicitamente a previsão contida no §2º do artigo 17 da Resolução TSE nº 23.604/2019”.

Com efeito, o novo dispositivo constitucional trazido pela EC n. 133/2024 possui a seguinte redação:

Art. 6º É garantido aos partidos políticos e seus institutos ou fundações o uso de recursos do fundo partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, de outras sanções e de débitos de natureza não eleitoral e para devolução de recursos ao erário e devolução de recursos públicos ou privados a eles imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, excetuados os recursos de fontes vedadas.

 

Nada obstante, o dispositivo invocado não prevê uma anistia, remissão ou qualquer outra forma de extinção das irregularidades anteriormente praticadas, vindo apenas a permitir, a partir da sua vigência, a utilização de recursos do Fundo Partidário em gastos anteriormente vedados.

Ocorre que o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 é válido e constitucional em sua origem. Dessa forma, o conflito estabelecido com a norma constitucional superveniente, que cria uma disposição diversa ou incompatível, deve ser resolvido pela técnica da revogação, e não pela invalidação da norma anterior.

Consoante explicitado no paradigmático voto do Ministro Paulo Brossard no julgamento da ADI n. 2:

Se a lei anterior é contrariada pela lei posterior, tratar-se-á de revogação, pouco importando que a lei posterior seja ordinária, complementar ou constitucional. Em síntese, a lei posterior à Constituição, se a contrariar, será inconstitucional; a lei anterior à Constituição, se a contrariar, será por ela revogada, como aconteceria com qualquer lei que a sucedesse. Como ficou dito e vale ser repetido, num caso, o problema é de direito constitucional, noutro, é de direito intertemporal.

(ADI 2, Relator: MINISTRO PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 6.2.1992, DJ 21.11.1997)

Acerca da sucessão temporal de normas sobre contas partidárias e eleitorais, este Tribunal tem se posicionado pela irretroatividade das novas disposições de natureza material, ainda que eventualmente mais benéficas ao prestador de contas, com fundamento nos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica.

Nesse sentido, o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. ÓRGÃO DE DIREÇÃO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES. SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17. Aplicação da legislação vigente ao tempo do exercício financeiro, em consideração aos princípios da anualidade eleitoral, da isonomia e do tempus regit actum, que disciplinam o conflito de leis no tempo. 2. É vedado aos partidos políticos o recebimento de contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentam a condição de autoridades. O descumprimento enseja a suspensão do repasse de verbas do Fundo Partidário. 3. Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas e fixar, em 01 mês, o período de suspensão do Fundo Partidário, tendo em vista o valor irrisório da irregularidade, que alcança 0,61% do total de recursos arrecadados. 4. Imposição de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - PC: 3573 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Eleitoral EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 03.07.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 119, Data 06.07.2018, Página 4.)

 

Na mesma linha, a jurisprudência do TSE enuncia que “os dispositivos legais de natureza material que devem reger a prestação de contas são os vigentes ao tempo dos fatos ocorridos, consoante o princípio tempus regit actum e o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral 0600550-29/PR, Relator: Min. Floriano De Azevedo Marques, Acórdão de 13.06.2024, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 108, data 24.6.2024).

Com o mesmo posicionamento, em recente julgamento envolvendo contornos fáticos semelhantes, o Tribunal Regional do Distrito Federal pronunciou-se pela irretroatividade do art. 6º da EC n. 133/24, apontando que:

[…].

Outrossim, não se aplica ao caso a Emenda Constitucional nº 133/2024. Referida emenda ampliou hipóteses de aplicação de recursos do Fundo Partidário, conforme disposto em seu artigo 6º. Contudo, a regra é aplicável a partir da promulgação da emenda, podendo o partido utilizar recursos públicos do Fundo Partidário para pagamento de sanções impostas. Mais uma vez, não é o caso dos autos.

(Embargos de Declaração na PC-PP 0600369-72/DF, Relator: Des. RENATO GUSTAVO ALVES COELHO, Acórdão de 23.9.2024, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF 188, data 8.10.2024.)

 

Logo, deve ser aplicada à solução do caso concreto a legislação vigente ao tempo dos fatos em análise, que vedava o uso de recursos do Fundo Partidário para o pagamento multa, juros e/ou encargos.

Desse modo, comprovado que ocorreu o pagamento de despesas proibidas com recursos do Fundo Partidário, segundo a ordem jurídica vigente ao tempo dos fatos, cabe a restituição do valor de R$ 43.456,00 ao Tesouro Nacional.

6. Das Cominações Legais

O montante total das irregularidades alcança o valor de R$ 56.046,00 (item 1: R$ 1.200,00 + item 2: R$ 11.390,00 + item 4: R$ 43.456,00), quantia que representa 3,92% dos recursos recebidos (R$ 1.429.025,04), percentual que permite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Por consequência, não é cabível a imposição de multa no caso em tela, pois tal penalidade é restrita às hipóteses de desaprovação, nos termos expressos do art. 37 da Lei n. 9.096/95 e na linha da jurisprudência deste Tribunal (PC-PP n. 060010417, Relator Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Publicação: DJE de 15.8.2023).

Ainda, “este Tribunal, ao interpretar os arts. 36 e 37, § 3º, da Lei dos Partidos Políticos, posicionou-se no sentido de que não se aplica a suspensão do repasse do Fundo Partidário quando houver aprovação com ressalvas de contas” (PC-PP n. 060020117, Relator Desembargador Eleitoral Afif Jorge Simoes Neto, Publicação: DJE, Tomo n. 150, em 17.08.2023; e da PCE n. 060019896, Relatora Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak. Publicação: DJE, Tomo 27, em 15.02.2023).

Calha frisar, a aprovação com ressalvas não dispensa o prestador do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescidos de juros e correção monetária, sendo R$ 12.590,00 pelo recebimento de recursos de fontes vedadas e R$ 43.456,00 por aplicação irregular de receitas do Fundo Partidário.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PROGRESSISTAS DO RIO GRANDE DO SUL (PP/RS), referentes ao exercício de 2021, na forma do art. 45, inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19, determinando ao órgão partidário o recolhimento da quantia de R$ 56.046,00 (cinquenta e seis mil e quarenta e seis reais) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.