REl - 0600390-30.2024.6.21.0116 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

Inicialmente, afasto a preliminar de não conhecimento do recurso, arguida pela Coligação Unidos Por Minas de Leão.

Efetivamente, a peça recursal é um tanto atécnica e reporta-se a diversos fatos não abordados no feito.

Contudo, o recurso também trata, dentre os diversos fatos narrados que não consistem objeto do processo, da infração praticada pelos recorridos, atinente à divulgação de fato sabidamente inverídico. O pedido de reforma fundamenta-se na alegação de que as capturas de tela divulgadas na propaganda eleitoral dos recorrentes teriam sido extraídas do site do TSE.

Assim, foi atendido o requisito da dialeticidade, e o recurso comporta conhecimento.

Rejeito a prefacial, portanto.

No mérito, a sentença condenou a Coligação Unidos Para Voltar a Crescer e os candidatos Miguel de Souza Almeida e Maicon Gonçalves ao pagamento de multa individual de R$ 20.000,00 por divulgação de fatos sabidamente inverídicos no Facebook, em 2 postagens, Reels e live.

Anoto que o candidato Maicon Gonçalves não interpôs recurso contra a condenação.

Nas propagandas impugnadas, os representados discursaram e apresentaram imagens de capturas de tela de computador, que teriam sido extraídas do site do TSE, as quais revelariam que, na eleição de 2012, a candidata Silvia Maria Lasek Nunes, que concorre ao cargo de prefeita pela Coligação Unidos Por Minas de Leão, teria recebido, por intermédio do partido Progressistas (PP), R$ 50.000,00 da empresa COMPASUL.

Transcrevo parte do material veiculado:

“... lembrar que sim, ela recebeu recurso de empresas, na campanha, tá aqui no TSE 2012, né Tá aqui a declaração, com CNPJ da época, e está aqui este doador aqui eu vou tapar e deixar para falar na próxima live. Mas aqui está o que foi recebido da empresa Compasul no ano 2012, cinquenta mil reais (R% 50.000,00)... foi para campanha da prefeita Silvia e dizer o seguinte que este cinquenta mil é um bom dinheiro, mas isto foi em 2012. Ainda tivemos o cuidado de pegar a inflação pelo IPCA de 2012 até os dias de hoje. Sabe quanto dá este faltou zero, menos de 1% para dar 100%; 99,14% para ser mais exato a inflação, pelo IPCA, então, colocando este valor de cinquenta mil reais (R$ 50.000,00) nos dias de hoje são noventa e nove mil quinhentos e setenta reais (R$ 99.570,00) nos dinheiros de hoje, atualizados, foram recebidos para campanha....”

 

 

 

A tese recursal de que as afirmações são verdadeiras foi rechaçada ao longo da tramitação e, após a interposição do recurso, na petição do ID 45748294, o recorrente Miguel de Souza Almeida reconheceu a inverdade das informações repassadas ao eleitorado. Ainda, sem qualquer prova, alegou que o print de tela com dados falsos foi obtido na presença de um servidor da Justiça Eleitoral, na sede do cartório eleitoral do município.

Esse fato grave, afeto à circunstância de que um servidor da Justiça Eleitoral presenciou a existência do documento falso, trata-se de mera alegação que não foi comprovada.

Pois bem.

Conforme conclusão da sentença, não se observa, nas contas eleitorais de 2012 prestadas pela candidata Silvia Maria Lasek Nunes, o recebimento de doação no valor de R$ 50.000,00 realizada pela empresa COMPASUL (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/1699/210000005675/2012/87068/prestacao/receitas).

As contas da candidata foram aprovadas sem qualquer mácula, conforme se verifica da sentença (Processo n. 422-07.2012.6.21.0116, que tramitou perante o primeiro grau):

(...)

Trata-se de prestação de contas da Chapa Majoritaria referente as eleicões municipais de 2012 (fls. 02 a 95).

Sobreveio Relatorio de Exame que noticia inconsistencia em virtude da 1õ parcial da prestação de contas ter sido entregue fora do prazo (fl. 98), e posterior manifestacõo do Ministerio Publico Eleitoral pela aprovação das contas.

Vieram os autos conclusos para sentença.

Relatei. Decido.

Cuida-se de apreciar contas de campanha eleitoral oferecidas por Silvia Maria Lasek Nunes, candidata a prefeita do municipio de Minas do Leõo pelo PP.

Registre-se que a prestação de contas foi apresentada instruida com os documentos arrolados na Resolução TSE nõ 23.376/2012.

Realizada a analise tecnica das contas, verificou-se a regularidade das mesmas, estando atendidas, portanto, todas as exigencias da legislação eleitoral, sendo que a inconsistencia constatada (atinente a prazo de entrega da 1õ parcial) não tem o condão de afastar sua regularidade.

Desse modo, nos termos do art. 51, I, da Resolução 23.376/2012, estando regulares as contas, cabe sua aprovação.

Isso posto, APROVO as contas da candidata Silvia Maria Lasek Nunes, relativas as eleições municipais de 2012, nos termos do art. 51, I, da Resolução TSE n.õ 23.376/2012, ante os fundamentos declinados.

 

Na época, a candidata recebeu valores do Progressistas, mas não há prova de que fossem procedentes da pessoa jurídica, sendo sabidamente inverídica a narrativa de que recebeu doação da empresa. Assim, é falsa a afirmação de que a candidata “recebeu recurso de empresas, na campanha, tá aqui no TSE 2012”.

Destaca-se que a vedação de doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais foi estabelecida no Brasil em 2015, por meio do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4.650 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Não é só.

Nas contas eleitorais do partido Progressistas referentes ao pleito de 2012, consta o recebimento de duas doações procedentes da empresa COMPASUL, no total de R$ 25.000,00, e a captura de tela contida no site demonstra que a imagem divulgada pelos recorrentes contendo o recebimento de doação no valor de R$ 50.000,00 é ideologicamente falsa (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta-individual/prestacoes-esperadas/partido/2012/1699/87068/4/11/96570406/integra/receitas):

 

A falsidade da captura de tela apresentada na propaganda eleitoral dos recorrentes para prejudicar a imagem da candidata perante o eleitorado, sob o fundamento de que esta recebeu recursos provenientes de empresas nas eleições de 2012, é manifesta.

Não foi produzida qualquer prova de que a falsa imagem foi fornecida por um servidor do cartório eleitoral, sendo inaceitável tal justificativa.

Além disso, é falsa a afirmação de que o Progressistas, em 2012, recebeu R$ 50.000,00 da COMPASUL.

De acordo com a Resolução TSE n. 23.610/19, em seu art. 9º-C:

É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.

 

Além disso, segundo o § 1º do art. 27 da referida resolução:

A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução.

 

A conduta é reputada como ilícito pelo art. 90 da norma:

Art. 90. Constitui crime, punível com detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano ou pagamento de 120 (cento e vinte) a 150 (cento e cinquenta) dias-multa, divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou candidatas e candidatos e capazes de exercer influência perante a eleitora e o eleitor ( Código Eleitoral, art. 323, caput ). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatas e candidatos candidatos ( Código Eleitoral, art. 323, § 1º ). (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime ( Código Eleitoral, art. 323, § 2º ): (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

I - é cometido por meio da imprensa, do rádio ou da televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real; (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

II - envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

 

A adulteração dos dados contidos no site do TSE, associada à divulgação de mensagem contendo fato notoriamente inverídico, tendente a atingir a honra ou a imagem de candidata ou candidato, é apenada com multa e remoção do conteúdo falso, conforme concluiu a sentença:

(…)

A documentação juntada aos autos, tanto pela parte autora na petição inicial (ID 124332188), quanto nas certidões expedidas pelo Cartório Eleitoral (ID 124373191) comprovam que os requeridos estão divulgando uma imagem falsa, supostamente extraída do site do Tribunal Superior Eleitoral, na qual consta uma doação de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) realizada pela empresa COMPASUL para a campanha da candidata SÍLVIA LASEK no ano de 2012.

Verifica-se que esse valor não aparece nas imagens extraídas do site do TSE (sistema DIVULGACAND), mas apenas uma doação de valor diverso, no montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) pela empresa COMPASUL para o Partido Progressista.

Ao que tudo indica, o “print” que está sendo divulgado pelos representados trata-se de uma montagem ou adulteração.

Veja-se que o juízo, quando do indeferimento da liminar, oportunizou aos representados que comprovassem em juízo a fonte ou origem de onde o "print" foi extraído, especialmente indicando a URL. Porém, os requeridos limitaram-se a exibir o próprio "print", sem indicação da URL, deixando de comprovar, portanto, a veracidade da informação.

No mesmo sentido foi a conclusão do Ministério Público Eleitoral:

“No caso em tela, está-se diante de fato inverídico, consoante documentação carreada aos autos pelo Cartório Eleitoral, dando conta de doação em valor distinto do oticiado pela representada e com destinação diversa, ou seja, para o partido e não para a candidata à época (eleições de 2012).

Assim, vislumbra-se fato capaz de gerar desinformação e que deve, sim, ser repelido.

[...]

Portanto, na hipótese, verifica-se que restou configurada a propaganda eleitoral irregular negativa, situação que justifica a intervenção da Justiça Eleitoral, ainda que preservado o direito à liberdade de expressão.

Finalmente, no concernente à aplicação de multa, entende o MP que o caso em tela sugere aplicação no patamar de R$ 20.000,00, visto que razoável e proporcional ao caso em apreço.”

Com relação ao valor da multa, na esteira do parecer ministerial, deve ser fixada acima do mínimo legal, pois como as doações de campanha são informações públicas e disponibilizadas na rede mundial de computadores, os requeridos tinham plenas condições de verificar a veracidade do conteúdo da imagem divulgada, porém, omitiram-se e propagaram imagem adulterada.

(...)

 

De se ressaltar que tal fato grave foi reafirmado pelos recorrentes perante esta instância recursal, os quais insistiram em afirmar que os dados inverídicos são verdadeiros, apesar de ter sido cabalmente demonstrado, por prova indene de dúvidas, que divulgaram fakenews.

E é fato público e notório que o recorrente Miguel, no vídeo colacionado ao ID 45748292, realizou manifestação em seu perfil de rede social afirmando que comprovaria as notícias falsas que divulgou e que são objeto da presente representação.

Na petição do ID 45748294, o referido recorrente reitera a propagação de verdade sabidamente inverídica, afirmando: “o montante de R$ 25.000,00 refere-se a totalidade dos depósitos efetuados em favor da campanha da candidata Sílvia, ou seja, houve dois depósitos que somados chegam ao montante de R$ 25.000,00”.

Essa alegação é mentirosa, pois foi suficientemente demonstrado por prova dotada de fé pública, eis que extraída do Divulgacandcontas, que não há indício algum de que a candidata tenha recebido recursos da empresa.

Com esses fundamentos, entendo que merece ser mantida a sentença condenatória.

Quanto ao apenamento, a sentença condenou a Coligação Unidos Para Voltar a Crescer e os candidatos Miguel de Souza Almeida e Maicon Gonçalves ao pagamento de multa individual de R$ 20.000,00, porque a afirmação sabidamente inverídica foi publicada em duas postagens de Facebook, com divulgação de imagens de documentos ideologicamente falsos e veiculação de desinformação no sentido de que foram obtidos no site do TSE.

Ressalta-se que a propagação de fakenews ocorreu às vésperas do pleito e que o conteúdo foi divulgado em live do Facebook com duração de 1 hora e 15 minutos.

Além disso, os recorrentes, de modo a ludibriar os eleitores e prejudicar a campanha da candidata, fizeram uso do nome e da imagem da Justiça Eleitoral para agregar maior grau de confiabilidade à divulgação das informações sabidamente inverídicas.

Nesse contexto, o prejuízo irreparável à campanha da adversária é manifesto, razão pela qual se afigura razoável, adequado e proporcional que o quantum condenatório se distancie do mínimo, de modo a garantir o caráter punitivo e educativo da condenação. Ademais, em momento algum os recorrentes afirmaram que não possuem capacidade financeira de arcar com o valor da condenação.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.