REl - 0600099-91.2024.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

A representação foi ajuizada porque o recorrido realizou a distribuição gratuita de erva-mate e água quente durante um evento de campanha intitulado "PRIMEIRO ADESIVAÇO NO BAIRRO ANNES", o que caracterizaria a prática de captação ilícita de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

A distribuição de água quente e de erva-mate foi comprovada pela ata notarial juntada aos autos, e o fato não é negado pelo recorrido.

Na sentença, os pedidos condenatórios foram julgados improcedentes por falta de provas de que o benefício foi entregue em troca do voto, como consta da decisão:

(…)

Todavia, verifica-se que para pertencer ao ilícito do previsto no art. 41-A da Lei 9.504/97, não se incluem “as promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados”. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nO47444, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe 30/04/2019).

Ademais, consoante a majoritária jurisprudência do TSE, o fornecimento, por si só, de comidas e/ou bebidas a serem consumidas durante evento de campanha, não configura captação ilícita de sufrágio.

Veja-se:

“EMENTA: RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A, LEI N. 9.504/1997. DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS E BEBIDAS EM REUNIÃO PARTIDÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ILÍCITO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E INCONTESTE. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL IRREGULAR. INEXISTÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO DE BRINDES EM TROCA DE VOTOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(...)

3. A captação ilícita de sufrágio é prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997. Constitui-se conduta vedada no período eleitoral, configurando-se nos atos de doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, sob pena de multa e cassação do diploma. 3.1 Segundo firme jurisprudência do colendo Tribunal Superior Eleitoral (Nesse sentido: TSE, Recurso Especial Eleitoral nO71881, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJe 05/04/2019.), nos termos do art. 41-A da Lei n° 9.504/1997, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) a realização de quaisquer das condutas enumeradas pelo dispositivo - doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, inclusive emprego ou função pública; (ii) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (iii) a participação ou anuência do candidato beneficiado; e (iv) a ocorrência dos fatos desde o registro da candidatura até o dia da eleição”. 3.2 Ademais, para a configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei 9.504/97, a promessa de vantagem pessoal em troca de voto deve corresponder a beneficio a ser obtido concreta e individualmente por eleitor determinado ou determinável. Desse modo, "as promessas genéricas, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não são capazes de atrair a incidência do art. 41-A da Lei n° 9.504/97" (TSE, Recurso Especial Eleitoral nO47444, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe 30/04/2019). 3.3 Com efeito, "a configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a grave pena da cassação do diploma, pelo que se exige para o seu reconhecimento conjunto probatório robusto, apto a demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito e a participação ou anuência dos candidatos beneficiários com a prática (AgR-RO 2240-81, reI. Min. Rosa Weber, DJe de 6.8.2018)" (TSE, Recurso Especial Eleitoral n° 69233, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, DJe 28/05/ 019).

(...)

6. Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 47845, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 95, Data 21/05/2015, Página 67)

7. Ademais, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de não configuração de captação ilícita de sufrágio, quando não sustentadas em provas robustas e incontestes. Precedentes TSE.

(...)

9. Manutenção da sentença.

10. Recurso conhecido e desprovido.

RECURSO ELEITORAL (11548) nº 0600150-47.2020.6.06.0068. ORIGEM: POTENGI/CE. Relator(a): JUIZ DAVID SOMBRA PEIXOTO. (Grifei)”.

O Parquet opinou pelo indeferimento da representação. Declara:

“Quanto à alegada “grande quantidade de erva mate” que o “evento público” realizado demandou, não veio aos autos prova alguma nesse sentido, chegando a ser temerária a alegação.

E, ao contrário do que foi alegado pela autora em suas alegações finais, o entendimento jurisprudencial, tanto do TRE/RS como do TSE, está calcado na verificação do dolo específico de captação de voto mediante a distribuição de bens, descartando a hipótese em casos como o ora analisado, em que o alimento é consumido no próprio evento”.

Assim, diante o exposto, acolho o parecer do Ministério Público e julgo IMPROCEDENTE a presente REPRESENTAÇÃO ESPECIAL.

(...)

De acordo com a sentença, o TSE firmou o entendimento de que o simples fornecimento de alimentos e bebidas em eventos de campanha, sem a finalidade de influência do voto, não se enquadra no conceito de captação ilícita de sufrágio. Esse posicionamento se justifica pela compreensão de que tais práticas, quando destituídas de propósito eleitoreiro, não chegam a viciar a autonomia e o discernimento do eleitor.

Conforme a doutrina, na obra especializada de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274.), o autor traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger, forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, modo estrito, (1) o direito do eleitor de votar livremente e (2) a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais.

Além disso, a prova do ilícito deve ser robusta e inconteste a evidenciar seus requisitos configuradores, a saber: a) prática de conduta do art. 41–A (doar, oferecer, prometer ou entregar a eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza); b) o fim específico de agir, consubstanciado na obtenção do voto do eleitor; c) a ocorrência do fato durante o período eleitoral; e d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado ou a sua concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito (TSE, AgR–RO–El n. 0000004–33.2020.6.00.0000/PI, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 09.5.2023).

Para este Tribunal: “O enquadramento da conduta tipificada no art. 41-A, se desenvolve mediante negociação dirigida a pessoa determinada, condicionada a uma vantagem, com o propósito de obter o voto” (TRE-RS - RE: 34579 RS, Relator: DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Data de Julgamento: 16.5.2013, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 89, Data 20.5.2013, Página 6). Isso porque o entendimento jurisprudencial é no sentido de que “Para a procedência da demanda, é necessária a demonstração irrefutável da conduta objetivamente considerada - compra ou negociação do voto com a entrega ou promessa da vantagem -, além da finalidade ou animus voltados à obtenção de votos” (TRE-RS - RREP: 879 RS, Relator: DRA. ANA BEATRIZ ISER, Data de Julgamento: 01.10.2009, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo n. 183, Data 03.11.2009, Página 2).

Assim, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, necessária a conjugação dos elementos subjetivos e objetivos.

Ademais, a prática de captação ilícita de sufrágio, ainda que configurada na compra de um único voto, pode acarretar a cassação do registro, diploma ou mandato do candidato, no entanto, considerando a gravidade da sanção, se exige a existência de prova clara, robusta e inconteste acerca da conduta ilícita.

Nessa linha, o contexto de toda a prova carreada aos autos, tanto da ata notarial e das imagens que instruem o feito e demais provas documentais, não permitem concluir que o recorrido incorreu em alguma das condutas previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 ou negociou o voto de eleitores em troca de erva-mate e água quente.

Não há prova da suposta mercantilização de votos por meio dos benefícios concedidos. Não existe demonstração de que se tenha ofertado erva-mate e água quente para comprar votos de eleitores, circunstância que demandaria, igualmente, que os sujeitos passivos fossem identificados ou identificais para averiguar se votam no município e se estão com o título de eleitor válido.

A prova demonstra ter havido o convite para o evento aos apoiadores de campanha, aliado ao anúncio de que no local haveria erva-mate e água quente para "espantar o frio" e amenizar os efeitos do mau tempo, mas não se pode inferir que esse material teve papel ativo na comercialização do voto de algum eleitor. Os autos comprovam tratar-se apenas de uma quantidade moderada do produto, em torno de seis quilos.

Dessa forma, não foi produzida prova clara, robusta e inconteste acerca da conduta ilícita, razão pela qual entendo não demonstrada a captação ilícita de sufrágio nos fatos descritos na inicial, devendo ser integralmente confirmada a sentença que julgou improcedente a ação.

O entendimento sufragado na jurisprudência é de que somente mediante provas robustas e incontestes a Justiça Eleitoral deve julgar procedente a ação, conforme seguinte precedente do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA CONDUTA ILÍCITA. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal a quo, por unanimidade, julgou improcedente a representação eleitoral com base no art. 41-A da Lei 9.504/97, em razão da fragilidade das provas testemunhais carreadas aos autos. 2. Interposto o recurso ordinário, foi mantida monocraticamente a decisão tomada na origem, pelo mesmo fundamento e a partir da compreensão que a condenação por captação ilícita de sufrágio demanda, em razão de sua gravidade, provas robustas e incontestes. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 3. Embora seja incontroversa a presença do candidato nos eventos religiosos, houve contradição das duas testemunhas diretas do ilícito acerca de circunstâncias essenciais, a exemplo de quais pessoas estavam presentes na conversa, da finalidade da avença, da suposta cobrança dos valores prometidos em campanha, do grau de envolvimento de uma das testemunhas na campanha do representado e das circunstâncias que motivaram uma das testemunhas a narrar os fatos em juízo. 4. "Embora seja possível a comprovação da captação ilícita de sufrágio mediante prova exclusivamente testemunhal, é necessário que essa prova seja consistente e demonstre, inequivocamente, a ocorrência de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97" (AgR-REspe 336-76, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 8.11.2016), o que não se observou na espécie. CONCLUSÃO Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - RO: 06015869120186250000 ARACAJU - SE, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 07/05/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 101, Data 25/05/2020)

Assim, diante da fragilidade e da insuficiência do caderno probatório quanto à prova de que a entrega do benefício deu-se em troca do voto dos eleitores, entendo que a sentença deve ser mantida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.