REl - 0600638-65.2024.6.21.0093 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, e comporta conhecimento por atender a todos os pressupostos processuais relativos à espécie.

No mérito, MACIEL MARASCA e ALEXANDRE WICKERT insurgem-se contra a sentença que julgou procedente a representação pela prática de propaganda eleitoral irregular, consistente na divulgação de 2 (dois) vídeos com conteúdo negativo impulsionado em redes sociais, Instagram e Facebook. A decisão aplicou multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) aos recorrentes.

MACIEL e ALEXANDRE sustentam, em síntese, a regularidade da propaganda. Requerem a improcedência da ação e, sucessivamente, seja afastada a multa.

À análise.

No campo normativo, a vedação à propaganda impulsionada negativa está disciplinada na Lei n. 9.504/97, que vem regulamentada pela Resolução TSE n. 23.610/19. Reproduzo as disposições pertinentes:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 )

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV) :

(...)

IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas, dentre as quais aplicativos de mensagens instantâneas, cujo conteúdo seja gerado ou editado por: (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

a) candidatas, candidatos, partidos políticos, federações ou coligações, desde que não contratem disparos em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta Resolução ( Lei nº 9.504/1997, art. 57-J ); ou (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

§ 5º A violação do disposto neste artigo sujeita a usuária ou o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 5º) .

(...)

§ 7º-A. O impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação que o contrate, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 7º-B. É vedada a priorização paga de conteúdos em aplicações de busca na internet que: (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

I - promova propaganda negativa; (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)
Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, federações, coligações, candidatas, candidatos e representantes (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput ). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 3º).

(Grifei.)

 

Destaco: o conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa.

Pois bem.

Segue o teor das propagandas impugnadas:

Primeiro vídeo

Olá pessoal, Marasca aqui. Estamos na frente do Posto de Saúde e recebemos a notícia que foram contratados três novos médicos para amenizar o problema da falta de capacidade de atendimento no município, só que não aumentaram a capacidade de exames. Então as pessoas estão chegando, sendo recebidas pelos médicos, tendo requisição para fazer exames e não tem exames para eles. Não resolveu o problema nenhum. O nome disso é falta de gestão. Precisamos ter o trabalho completo. Não adianta ter médicos e não ter exames, porque daí não tem tratamento. Venâncio Aires precisa é de um administrador. A gente vai criar um sistema de gestão dos nossos exames. Hoje nós temos problemas que algumas pessoas recebem vários exames para fazer, alguns médicos indicam muitos exames e faltam exames para outros. Então a gente precisa ter um sistema que controle esses exames e para que a gente não tenha exames duplicados em um período muito curto. Isso se chama gestão. Então, contamos com você, precisamos mudar a nossa prefeitura. Dia 6 de outubro. Vote 11!

 

Segundo vídeo

É, isso aqui é um cúmulo, o jeito que tá, isso aqui é uma vergonha. Tem que dar um jeito, tomar uma atitude, pegar e fazer alguma coisa, né? Já foi falado, já reclamei, não adianta. Eles não fazem nada disso aqui. Lá do outro lado também tem. As crianças vão para o colégio, tem que ir dentro do barro, dentro da água. Eles não fazem nada. Eles só fazem os tapa-buraco, só tapa-buraco. Pode olhar ali onde fizeram essa semana e lá pra gente fizeram os tapa-buraco. Esse remendo aqui foi feito essa semana. Esse daqui, tem mais outros lá pra diante e lá pra lá também. Cobrar imposto, o pessoal ali sabe cobrar. Aqui não existe uma boca de lobo e nem pavimentação assim de cordões. Seria normal botar, né? Não tem como a pessoa fazer a calçada se não tem cordão. O meio-fio, né? Esses que se dizem a boca de lobo. Desde lá do mercado adiante, não tem boca de lobo até na esquina ali, ó. Só tem na esquina, pra cá não tem. Aí em 2018 entrou água na garagem, uma altura assim. Aí me acordei com aquela “barulheira” de chuva, aí fui olhar na garagem e caiu “aguaceira” na garagem. Isso muda tudo, né? Ela passa por cima da estrada, ela vem tudo por cima. Eu quero pedir pro Marasca Alexandre, na hora que ele estiver na prefeitura, fazer as bocas de lobo, botar os cordões, o povo poder fazer as calçadas deles. E daí melhorar essa estrada aqui, que tá precária.

 

Evidencia-se, modo claro, o caráter da crítica realizada pelos recorrentes. O recurso não merece provimento.

Ainda que, ressalto, não se trate de manifestação grosseira, há destaque a opiniões negativas, de demérito aos concorrentes eleitorais:

O nome disso é falta de gestão e Precisamos ter o trabalho completo. Não adianta ter médicos e não ter exames, porque daí não tem tratamento. Venâncio Aires precisa é de um administrador (primeiro texto)

Eles não fazem nada disso aqui. Eles só fazem os tapa-buraco, só tapa-buraco e Cobrar imposto, o pessoal ali sabe cobrar (segundo texto).

 

Ou seja, fosse a matéria exposta em rede social de forma não patrocinada, estaria ela adequada à legislação de regência - ainda que portadora de críticas, aliás, próprias do ambiente de campanha eleitoral.

Mas não é este o caso.

As publicações foram postadas em páginas da internet e impulsionadas, o que pode ser confirmado por meio do link de acesso à biblioteca de anúncios da conta Meta do candidato

(https://www.facebook.com/share/v/CsoBsLDtVk4Ziqju/

e

https://www.instagram.com/reel/DAMfcSnJVJ9/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA== )

 

Portanto, não pode ser acolhida a pretensão dos recorrentes de afastar a irregularidade. Na lição de Edson de Resende Castro, “esse impulso só poderá repercutir anúncios, postagens, comentários, etc, para ‘promover ou beneficiar candidatos ou partidos’ e coligações, nunca para difundir críticas ou conteúdos que prejudiquem a imagem ou o desempenho eleitoral de adversários” (Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 336).

Da mesma forma destaco ser inviável o afastamento da multa, pois os recorrentes incorreram na hipótese prevista no § 2° do art. 57-C da Lei n. 9.504/97, a qual prevê o sancionamento  objetivo como consectário automático da constatação da prática ilegal:

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.

 

No mesmo norte, o entendimento do e. TSE e desta Casa:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO SEM INDICAÇÃO DO CPF/CNPJ. ARTS. 57-C DA LEI 9.504/1997 E 29, § 5º, DA RES.-TSE 23.610/2019. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA. MENSAGEM DIVULGADA COM TEOR NEGATIVO EM RELAÇÃO A CANDIDATOS ADVERSÁRIOS. DESCONFORMIDADE COM O ART. 57-C, § 3º, DA LEI 9.504/1997. ILÍCITO CONFIGURADO. MULTA. VALOR. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. Recorrente que realizou impulsionamento de 3 (três) postagens na rede social facebook, entendendo a Corte Regional configurada propaganda eleitoral irregular, com a consequente imposição de multa, em razão i) da ausência de indicação, de forma clara, do CNPJ do contratante e ii) do conteúdo negativo das publicações em relação a outros candidatos. (…)

3. As exigências previstas na Resolução editada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL no exercício de sua competência regulamentar não representam inovação na ordem jurídica nem violam o princípio da legalidade, tendo em vista que a imposição de multa pelo descumprimento do art. 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019 decorre do próprio art. 57-C, § 2º, da Lei 9.504/97. Precedentes.

4. O contexto fático delimitado nos pronunciamentos das instâncias ordinárias demonstra que as postagens impulsionadas veiculam conteúdo negativo em relação a outros candidatos. A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou-se no sentido de que "o art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de “promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações’

(Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021).

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. REPRESENTAÇÃO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. DEFESO O IMPULSIONAMENTO NA INTERNET DE CRÍTICA A ADVERSÁRIOS NO PLEITO ELEITORAL. EVIDENCIADO CONTEÚDO DE PROPAGANDA NEGATIVA. MANTIDA MULTA IMPOSTA. DESPROVIMENTO.
1. Insurgência em face de decisão que julgou parcialmente procedente representação, condenando os representados ao pagamento de multa, pela realização de propaganda eleitoral negativa na internet, mediante impulsionamento.
2. A vedação ao impulsionamento de propaganda negativa na internet vem lastreada no art. 29, caput e §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19. Defeso o impulsionamento na internet, de crítica a adversários, no pleito eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral assentou entendimento no sentido de que o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral é permitido, apenas para a finalidade de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, sendo de rigor a aplicação de multa se a propaganda tiver o objetivo de criticar candidatos a cargo eletivo.

3. Incontroverso que a representada publicou a peça impugnada em seu perfil do Facebook. Divulgada a ideia de que os oponentes pretendem a supressão do serviço de policiamento preventivo, dando a entender que o atendimento de segurança pública não será mais prestado, acaso eleitos. Nítido o caráter de crítica política e o conteúdo de propaganda negativa no vídeo impulsionado.
4. Provimento negado.

RECURSO nº060338981, Acórdão, Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, 27/10/2022.

 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.