PCE - 0602798-22.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

Como aludido no relatório, o caderno contábil apresentado por Julio Alberto Braga Lopes de Moura padece de vícios acerca da utilização de recursos de origem não identificada (RONI) e da malversação de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

 

1. Do uso de Recursos de Origem Não Identificada (RONI)

A unidade técnica indicou persistirem vícios quanto ao uso de recursos sem demonstração de origem no adimplemento de débitos omitidos da prestação contábil.

As operações se deram junto à Comercial de Combustíveis Intercap Ltda., no valor de R$ 248,01, e à Print 3 Soluções em Impressão Ltda., na cifra de R$ 370,20.

Em relação ao dispêndio de R$ 248,81, vinculado à aquisição de combustível, o candidato se limitou a não reconhecer a operação, ainda que aposto seu CNPJ na nota fiscal.

E, no que toca a expensa com a Print 3 Soluções em Impressão Ltda, conquanto tenham aportado esclarecimentos, no sentido de que o prestador não realizou a contratação da empresa (ID 45590549, 45590550, e 45590553), a seção de auditoria relatou pendência atinente a nota fiscal n. 196, no valor de R$ 370,20.

No caso, se houvesse a real negativa das transações, bem como o interesse em sanar as demandas, a solução demandaria o cancelamento dos documentos fiscais pelo prestador, nos moldes do art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não ocorreu.

É dizer, não reconhecidas as operações pelo prestador e não canceladas as notas fiscais, a quitação dos débitos se deu com valores à margem do sistema bancário e da fiscalização desta Justiça Eleitoral, recaindo na vedação constante no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse cenário, inarredável a necessidade de recolhimento do valor de R$ 618,01 ao erário.

 

2. Da Assunção de dívidas e malversação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

O ponto cinge-se à existência de contratação, no valor de R$ 100.000,00, de Jazzy Consultoria em Comunicação, via acordo não assinado pelo fornecedor, e com quitação parcial do débito com verbas do FEFC, não havendo assunção da dívida pela agremiação.

No caso, o documento carente de firma por parte do contratado consta do ID 45590556, e o valor correspondente a 50% da dívida, proveniente da conta destinada ao ingresso de recursos do FEFC, pode ser aferido pelo extrato eletrônico disponível no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais desta Justiça Especializada (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2040602022/210001596911/2022/RS/extratos. Acesso em 05.08.2024).

No que se refere à malversação de recursos do FEFC, observada a falha formal no contrato, tenho por afastar a necessidade de recolhimento de R$ 50.000,00 utilizados no adimplemento do débito.

Explico:

Compulsando os autos é possível verificar nos ID 45246114 e 45246159 as notas fiscais emitidas pela empresa contratada, as quais foram alvo de diligência, conforme parecer da unidade técnica (ID 45460176), apenas para detalhamento do objeto contratado.

Com efeito, o ajuste carreado abordando de forma minudente as atividades a serem realizadas pelo fornecedor não ostenta sua assinatura. Todavia, conforme extrato, o valor foi destinado de maneira escorreita ao emissor da nota fiscal.

Ou seja, conquanto o acordo padeça de vício formal, os documentos fiscais foram emitidos contra o nome do candidato, e a destinação da verba empregada no pagamento parcial da dívida restou plenamente identificada, inclusive com aposição do seu CNPJ, devendo, por consequência, ser afastada a glosa de R$ 50.000,00.

Em relação à ausência de assunção do restante da dívida de R$ 50.000,00 pela agremiação, o art. 33, § 3º, inc. I informa que, para esta se perfectibilizar, o acordo deve contar a anuência do credor.

Ocorre que, conforme manifestação do candidato, a empresa se negou a assinar a repactuação do contrato e o Termo de Assunção, recusa esta que inviabiliza a quitação da despesa pela grei, na medida em que não preenchidos os requisitos legais.

Entretanto, ainda que persistente a obrigação de pagamento, na esteira da jurisprudência desta Corte, o valor do débito em comento não redundará em seu recolhimento, isto porque as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, a qual não prevê a restituição de valores em caso de infringência:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. CONTAS JULGADAS DESAPROVADAS. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. NOTA EM DUPLICIDADE. DEVER DO PARTIDO DE PROVIDENCIAR O CANCELAMENTO. DÍVIDA DE CAMPANHA. FALHA CONFIGURADA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO. AUSÊNCIA DE AMPARO NORMATIVO. IRREGULARIDADES DE ALTO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de partido político, relativas às Eleições Gerais de 2022, em razão da utilização de recursos de origem não identificada – RONI e não assunção de dívida de campanha de forma correta. A sentença hostilizada determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional. 2. Nota em duplicidade. Dever do partido de providenciar o cancelamento e comprová–lo à Justiça Eleitoral, nos termos dos arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Esta Corte firmou o entendimento de que, “havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas” (TRE–RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0602944–63.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, publicado em sessão em 01.12.2022). Ausência de lançamento de informações no sistema SPCE. Omissão que afeta a confiabilidade das contas de campanha. Irregularidade grave. 3. Verificada dívida de campanha (declarada na prestação de contas) decorrente do não pagamento de despesas contraídas. Impossibilidade de rastrear a origem dos recursos utilizados para pagamento de tais dívidas. Configuração como recursos de origem não identificada – RONI. A disciplina da assunção de eventuais dívidas de campanha não pagas até a apresentação das contas está estabelecida no art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ainda que a falha esteja configurada, o recolhimento não deve ser determinado por falta de amparo normativo, conforme entendimento desta Corte, esposado exemplificativamente no processo 0600604–54.20206210021, rel. Des. Federal Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle, julgado em 07.3.2023, em linha ao posicionamento do TSE firmado no acórdão do RESPE n. 0601205–46.2018.6.12.000, redator designado o Ministro Luís Roberto Barroso. 4. As irregularidades apuradas nestes autos equivalem a 11,24% do total de receitas declaradas, de modo a inviabilizar um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. Provimento parcial. Reduzido o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 0600116-79.2022.6.21.0005 ALEGRETE - RS 060011679, Relator: Volnei Dos Santos Coelho, Data de Julgamento: 14/03/2024, Data de Publicação: DJE-48, data 18/03/2024)

 

Nesse trilhar, ainda que mantidas as máculas contratual e de assunção de dívida pelo partido, entendo, não obstante, que a cifra não deve ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Por derradeiro, na petição de ID 45559071, o prestador postula seja autorizado ao Diretório Nacional da Rede Sustentabilidade, firmatário da Assunção de Dívida, efetuar pagamento de débito contratado com a pessoa jurídica que deu baixa em seu CNPJ à pessoa física que aponta ser legítima sucessora de direitos e obrigações vinculada ao CNPJ.

Todavia, tais relações não são regidas por esta Justiça Especializada, de sorte que os meios para adimplemento da dívida devem ser buscados em seara alheia à eleitoral.

Superadas as questões, o montante envolvendo irregularidades perfaz R$ 50.618,01 (R$ 618,01+R$ 50.000,00), que corresponde a 23,09% do total auferido pelo candidato, autorizando o juízo de reprovação do caderno contábil.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de JULIO ALBERTO BRAGA LOPES DE MOURA, consoante art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pelo recolhimento do valor de R$ 618,01 ao Tesouro Nacional, em virtude do uso de recursos de origem não identificada, nos termos da fundamentação.

É como voto.