REl - 0600329-92.2024.6.21.0077 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/12/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, e comporta conhecimento na medida em que atende a todos os pressupostos processuais.

No mérito, recorrem, de um lado, o PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT de OSÓRIO e, de outro, ROGER CAPUTI ARAUJO e CHARLON DIEGO MULLER contra a sentença que julgou procedente a representação por propaganda eleitoral irregular, ajuizada pelo PDT de OSÓRIO, por divulgação de áudio com conteúdo negativo impulsionado nas redes sociais  Instagram e Facebook.

A decisão aplicou multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a cada um dos candidatos recorrentes.

A agremiação recorrente requer o reconhecimento do caráter negativo da divulgação e a majoração da multa; e os candidatos, o afastamento ou a aplicação da multa de forma unitária em patamar mínimo. Os representados candidatos removeram as publicações, em obediência ao determinado pelo Juízo.

1. Notas introdutórias.

No campo normativo, a propaganda eleitoral, inclusive a vedação à propaganda impulsionada negativa, está disciplinada na Lei n. 9.504/97, regulamentada pela Resolução 23.610/19. Reproduzo as disposições pertinentes:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 )

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

Art. 27-A. O provedor de aplicação que preste serviço de impulsionamento de conteúdos político-eleitorais, inclusive sob a forma de priorização de resultado de busca, deverá: (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)

§ 1º Para os fins desse artigo, caracteriza conteúdo político-eleitoral, independente da classificação feita pela plataforma, aquele que versar sobre eleições, partidos políticos, federações e coligações, cargos eletivos, pessoas detentoras de cargos eletivos, pessoas candidatas, propostas de governo, projetos de lei, exercício do direito ao voto e de outros direitos políticos ou matérias relacionadas ao processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)

Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV) :

I - em sítio da candidata ou do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de aplicação de internet estabelecido no país;

II - em sítio do partido político, da federação ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de aplicação de internet estabelecido no país; (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

III - por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pela candidata ou pelo candidato, pelo partido político, pela federação ou pela coligação desde que presente uma das hipóteses legais que autorizam o tratamento de dados pessoais, nos termos dos arts. 7º e 11 da Lei nº 13.709/2018 ; (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas, dentre as quais aplicativos de mensagens instantâneas, cujo conteúdo seja gerado ou editado por: (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

a) candidatas, candidatos, partidos políticos, federações ou coligações, desde que não contratem disparos em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta Resolução ( Lei nº 9.504/1997, art. 57-J ); ou (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

b) pessoa natural, vedada: (Redação dada pela Resolução nº 23.732/2024)

1. a contratação de impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J); (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)

§ 1º Os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, incluídos os canais publicamente acessíveis em aplicativos de mensagens, fóruns online e plataformas digitais, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral impreterivelmente: (Redação dada pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)

§ 5º A violação do disposto neste artigo sujeita a usuária ou o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 5º) .

§ 6º A manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidata, candidato, partido político, federação ou coligação, não será considerada propaganda eleitoral na forma do inciso IV do caput deste artigo, desde que observados os limites estabelecidos no § 1º do art. 27 desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

§ 7º Para os fins desta Resolução, inclui-se entre as formas de impulsionamento de conteúdo a priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 2º) .

§ 7º-A. O impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação que o contrate, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 7º-B. É vedada a priorização paga de conteúdos em aplicações de busca na internet que: (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

I - promova propaganda negativa; (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

II - utilize como palavra-chave nome, sigla, alcunha ou apelido de partido, federação, coligação, candidata ou candidato adversário, mesmo com a finalidade de promover propaganda positiva do responsável pelo impulsionamento; (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

III – ou difunda dados falsos, notícias fraudulentas ou fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, ainda que benéficas à usuária ou a usuário responsável pelo impulsionamento. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)
Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, federações, coligações, candidatas, candidatos e representantes (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput ). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 1º É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet em sítios (Lei nº 9.504/1997, art. 57- C, § 1º, I e II) :

I - de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos;

II - oficiais ou hospedados por órgãos ou por entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita a(o) responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 2º) .

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 3º).

(Grifos meus.)

Em síntese, a legislação admite a propaganda eleitoral na internet com a vedação (i) à ofensa à honra ou à imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, e (ii) à divulgação de fatos sabidamente inverídicos, em sítio da candidata ou do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral.

Quanto ao impulsionamento de conteúdo, em provedor de aplicação de internet, as normas de regência indicam que tal expediente somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação, sendo vedado o seu uso para propaganda negativa.

À análise do caso propriamente dito.

2. RECURSO DO PDT DE OSÓRIO.

O argumento central do recurso do PDT DE OSÓRIO é a alegação de que houve propagação de conteúdo com declarações inverídicas, pois "Romildo Bolzan Jr., um dos mais renomados líderes do partido, jamais participou da gestão municipal à época dos fatos, que ocorreram sob a administração do então prefeito Eduardo Abrahão.

Ou seja, os fatos em si mesmos não são negados, mas sim uma mera circunstância - a participação (no caso, a não participação) de figura proeminente da agremiação. Da própria prova dos autos verifica-se que os administradores do Município de Osório, no período de 2017 a 2020, foram alvo de investigação do Ministério Público no relativo a desvio de valores na Secretaria da Saúde, conforme noticiado em veículos da imprensa e no próprio site do Ministério Público Estadual. Os partidos políticos não são à toa também denominados de "agremiações" - há o pressuposto de que componha um grupo coeso e interligado ideologicamente -, ainda que (obviamente) um integrante do partido não possa ser pessoalmente responsabilizado (administrativa, cível, eleitoral ou criminalmente) por atos de outro, é certo que eventos desagradáveis de uma grei repercutem politicamente em todos os integrantes. 

Ora, tal circunstância não torna o fato sabidamente inverídico, obviamente, de modo que a alegação não merece prosperar. Friso que tivesse sido a matéria exposta em rede social de forma não patrocinada, estaria adequada ao discurso político, ainda que portadora de ácidas críticas, aliás, próprias do ambiente de campanha eleitoral.

A título de desfecho, afasto também o pedido de majoração da multa. Ocorre que se trata, ao que se sabe, de evento isolado, sem reincidência. Ademais, os representados ROGER e CHARLON procederam à pronta retirada do conteúdo tido como irregular após a determinação judicial. A dosimetria realizada pelo órgão de origem é a adequada à moldura fática exposta no caso dos autos.

Desse modo, andou bem a sentença. Não merece provimento o recurso do PDT.

3. Recurso de ROGER CAPUTI ARAÚJO e CHARLON DIEGO MULLER.

No que toca ao recurso de ROGER e CHARLON, inicialmente, indico como incontroverso o impulsionamento. As publicações foram postadas em páginas da internet e impulsionadas, o que pode ser confirmado por meio do link de acesso às bibliotecas de anúncios das plataformas Facebook e Instagram

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Outrossim, a pretensão dos recorrentes de afastar a multa imposta igualmente não pode ser acolhida, pois sob a forma de conteúdo impulsionado não se admite outro teor que não a promoção do candidato – vale dizer, por meio da exposição de seus próprios valores, e não do demérito alheio. Sublinho: grande parte de ambos os áudios fora dirigida a apontar supostos erros de antiga administração - vinculada ao PDT, situação que nitidamente deixa de atender à legislação de regência, pois o exclusivo mote de matérias impulsionadas deve ser “promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações”, sendo “vedada a realização de propaganda negativa”.

Na lição de Edson de Resende Castro, “esse impulso só poderá repercutir anúncios, postagens, comentários, etc, para ‘promover ou beneficiar candidatos ou partidos’ e coligações, nunca para difundir críticas ou conteúdos que prejudiquem a imagem ou o desempenho eleitoral de adversários” (Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 336).

No mesmo norte, o entendimento do e. TSE, e desta Casa:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO SEM INDICAÇÃO DO CPF/CNPJ. ARTS. 57-C DA LEI 9.504/1997 E 29, § 5º, DA RES.-TSE 23.610/2019. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA. MENSAGEM DIVULGADA COM TEOR NEGATIVO EM RELAÇÃO A CANDIDATOS ADVERSÁRIOS. DESCONFORMIDADE COM O ART. 57-C, § 3º, DA LEI 9.504/1997. ILÍCITO CONFIGURADO. MULTA. VALOR. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Recorrente que realizou impulsionamento de 3 (três) postagens na rede social facebook, entendendo a Corte Regional configurada propaganda eleitoral irregular, com a consequente imposição de multa, em razão i) da ausência de indicação, de forma clara, do CNPJ do contratante e ii) do conteúdo negativo das publicações em relação a outros candidatos. (…) 3. As exigências previstas na Resolução editada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL no exercício de sua competência regulamentar não representam inovação na ordem jurídica nem violam o princípio da legalidade, tendo em vista que a imposição de multa pelo descumprimento do art. 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019 decorre do próprio art. 57-C, § 2º, da Lei 9.504/97. Precedentes. 4. O contexto fático delimitado nos pronunciamentos das instâncias ordinárias demonstra que as postagens impulsionadas veiculam conteúdo negativo em relação a outros candidatos. A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou-se no sentido de que "o art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de “promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações’ (Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021).

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. REPRESENTAÇÃO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. DEFESO O IMPULSIONAMENTO NA INTERNET DE CRÍTICA A ADVERSÁRIOS NO PLEITO ELEITORAL. EVIDENCIADO CONTEÚDO DE PROPAGANDA NEGATIVA. MANTIDA MULTA IMPOSTA. DESPROVIMENTO. 1. Insurgência em face de decisão que julgou parcialmente procedente representação, condenando os representados ao pagamento de multa, pela realização de propaganda eleitoral negativa na internet, mediante impulsionamento. 2. A vedação ao impulsionamento de propaganda negativa na internet vem lastreada no art. 29, caput e §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19. Defeso o impulsionamento na internet, de crítica a adversários, no pleito eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral assentou entendimento no sentido de que o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral é permitido, apenas para a finalidade de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, sendo de rigor a aplicação de multa se a propaganda tiver o objetivo de criticar candidatos a cargo eletivo. 3. Incontroverso que a representada publicou a peça impugnada em seu perfil do Facebook. Divulgada a ideia de que os oponentes pretendem a supressão do serviço de policiamento preventivo, dando a entender que o atendimento de segurança pública não será mais prestado, acaso eleitos. Nítido o caráter de crítica política e o conteúdo de propaganda negativa no vídeo impulsionado. 4. Provimento negado. RECURSO nº060338981, Acórdão, Des. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 27/10/2022.

Quanto aos pedidos relativos à multa aplicada, inicialmente destaco ser inviável atender ao pedido de afastamento, pois os recorrentes incorreram na hipótese prevista no § 2° do art. 57-C da Lei 9504/97, a qual prevê o sancionamento como consectário automático da constatação da prática ilegal:

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita o responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.

A título de desfecho no ponto, e no concernente à aplicação de multas a cada um dos representados realizada em sentença, indico que o e. Tribunal Superior Eleitoral tem o entendimento de que a multa aplicada de forma individual aos componentes de chapa majoritária está em harmonia com os precedente daquela Corte Superior (v.g. REspEl. 0600976-89/PR, rel. Ministro Mauro Campbell, julgado em 20.5.2021), notadamente porque a letra da lei indica o pagamento de multa também pela "pessoa beneficiária".

No caso, forma indiscutível, tanto o candidato a prefeito quanto o candidato a vice-prefeito podem ser considerados beneficiários da conduta irregular, de modo que, também aqui, andou bem a sentença. 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO para negar provimento a ambos os recursos.