REl - 0600281-32.2024.6.21.0143 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

1. Admissibilidade.

O apelo é tempestivo e, presentes os demais pressupostos, merece conhecimento.

2. Preliminar. Cerceamento de defesa.

O recurso de DAVID ALMANSA BERNARDO encaminha preliminar de cerceamento de defesa:

Como é sabido o cerceamento de defesa ocorre quando não é observado por parte do Juízo, o princípio do contraditório e da ampla defesa. Reza o Código de Processo Civil:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

(Grifei)

No caso em comento, a peça vestibular apresentou o Recorrido fatos e razões a justificar o pedido.

Em relação as peças impugnadas na peça vestibular o ora Recorrente acostou comprovação de remoção.

Trouxe o então Representado razões de defesa aos autos.

Posteriormente, o Recorrido acostou aos autos novas petições e documentos: Ids. 124298538, 124305455 e 124335971. Adiante, foi prolatada sentença sem que o Recorrente tivesse sido intimado a se manifestar sobre elas.

De notar que, ausente a realização do contraditório, a r. sentença explicitamente tomou o alegado por verdade eis que, o decisum fundamenta a cominação de astreintes dada a violação da distância mínima de 200 metros de prédios públicos, fato que surgiu na lide uma vez já ofertada contestação.

 

Adianto que entendo por superar as alegações, tendo em vista a relação direta que possuem com a natureza da presente demanda - Notícia de Irregularidade em Propaganda - NIP, expediente de caráter administrativo, instrumento do exercício do poder de polícia eleitoral. Ademais, conforme se verá, a superação não traz prejuízo a DAVID.

3. Mérito.

No mérito, ambas as partes apresentam recurso contra sentença, assim proferida:

"(...)

Passo a fundamentar.

II - Trata-se de notícia de propaganda irregular mediante uso de carro de som e minitrio em desacordo com a previsão legal.

A Resolução TSE n. 23.610, de 18 de dezembro de 2019 prevê:

Art. 15. O funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som somente é permitido até a véspera da eleição, entre as 8 (oito) e as 22h (vinte e duas horas), sendo vedados a instalação e o uso daqueles equipamentos em distância inferior a 200m (duzentos metros) (Lei nº 9.504/1997, art. 39, § 3º):

I - das sedes dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos tribunais judiciais, dos quartéis e de outros estabelecimentos militares;
II - dos hospitais e das casas de saúde;
III - das escolas, das bibliotecas públicas, das igrejas e dos teatros, quando em funcionamento.
§ 1º A realização de comícios e a utilização de aparelhagens de sonorização fixas são permitidas no horário compreendido entre as 8 (oito) e as 24h (vinte e quatro horas), com exceção do comício de encerramento da campanha, que poderá ser prorrogado por mais 2 (duas) horas (Lei nº 9.504/1997, art. 39, § 4º).
§ 2º É vedada a utilização de trios elétricos em campanhas eleitorais, exceto para a sonorização de comícios (Lei nº 9.504/1997, art. 39, § 10).
§ 3º A utilização de carro de som ou minitrio como meio de propaganda eleitoral é permitida apenas em carreatas, caminhadas e passeatas ou durante reuniões e comícios, e desde que observado o limite de 80dB (oitenta decibéis) de nível de pressão sonora, medido a 7m (sete metros) de distância do veículo (Lei nº 9.504/1997, art. 39, § 11).
§ 4º Para efeitos desta Resolução, considera-se (Lei nº 9.504/1997, arts. 39, §§ 9º-A, e 12):
I - carro de som: qualquer veículo, motorizado ou não, ou ainda tracionado por animais, que use equipamento de som com potência nominal de amplificação de, no máximo, 10.000W (dez mil watts) e que transite divulgando jingles ou mensagens de candidatas ou candidatos;
II - minitrio: veículo automotor que use equipamento de som com potência nominal de amplificação maior que 10.000W (dez mil watts) e até 20.000W (vinte mil watts);
III - trio elétrico: veículo automotor que use equipamento de som com potência nominal de amplificação maior que 20.000W (vinte mil watts).

Analisando os vídeos e fotografias juntadas, verificou-se que o representado dispõe de dois veículos de médio e grande porte, os quais estão circulando pela cidade fora de contexto de carreata, portando faixa e bandeiras em desacordo com o artigo 15, § 3º, e 26 da Resolução TSE n. 23.610/2019. É possível constatar, ainda, que a propaganda circulou por período considerável.

Informadas as potências de som dos veículos, a observância ao limite de 80 decibéis em cada uso é medida que somente poderá ser avaliada com o instrumento adequado, motivo pelo qual não cabe tutela específica quanto à aparelhagem no momento, sem prejuízo da sua apreensão em caso de descumprimento que venha a ser apurado.

Em petição narrando a reiteração dos fatos, foi possível verificar que os carros de som estariam já acompanhados de outros carros ou pessoas, de modo que, aparentemente, estariam em situação de carreata ou caminhada.

Entretanto, houve o descumprimento do artigo 15, inciso I, no que diz respeito ao trânsito a, pelo menos, 200m de distância de escola, entre outras instituições, o que justificaria um planejamento de trajeto das carreatas/passeatas.

Ocorre que, diante do disposto no artigo 6º, § 2º, da Resolução 23.610/2019 do TSE, o poder de polícia não permite censura prévia, o que interpreto, analogicamente, ser aplicável à previa aprovação de trajeto nos atos de campanha. Ressalto que não se confunde com eventual informação com a finalidade à autoridade responsável pela segurança pública ou em caso de acordo.

Por isso, a medida mais adequada será a previsão de astreintes, para eventual descumprimento da decisão.

A quantificação da multa deve levar em consideração o volume de atividade realizada pelo candidato, o potencial que a propaganda irregular tenha de alcançar eleitores, o grau da violação e a capacidade financeira do candidato.

Considerando ser as carreatas/passeatas uma das principais formas de propaganda utilizadas pelo representado; considerando, ainda, que o uso de carros de som em desacordo com a regra eleitoral gera alcance capaz de desequilibrar o pleito e atingir vulneráveis, como alunos nas escolas, pessoas doentes em hospitais, além de prejudicar a prestação do serviço público, entendo que a multa deva refletir a importância desses bens tutelados.

Assim, tenho por adequada a multa em R$ 20.000,00 por dia de descumprimento, valor que representa cerca de 2,5% do montante recebido pelo candidato do fundo partidário, de modo que valor inferior não apresentaria efetividade.

Em aplicação do poder de polícia, determino ao noticiado que se abstenha de realizar propaganda eleitoral em violação ao artigo 15 e 26 da Resolução TSE n. 23.610/2019, sob pena de multa de R$ 20.000,00 por hipótese de descumprimento, além da caracterização do crime de desobediência eleitoral.

III – Dado o exposto, DETERMINO ao representado:

a) que se abstenha de realizar propaganda eleitoral em violação ao artigo 15 e 26 da Resolução TSE n. 23.610/2019, sob pena de multa de R$ 20.000,00 por hipótese de descumprimento, além da caracterização do crime de desobediência eleitoral;

b) cesse do uso de material publicitário que promova o efeito de outdoor móvel e que exceda as dimensões legais (0,5 m²);

Publique-se. Registre-se e intimem-se."

(Grifos meus)

 

Em resumo, CRISTIAN WASEM ROSA (autor) recorre para ver imposta multa por uso de faixas afixadas em carros de som (efeito outdoor), e DAVID ALMANSA BERNARDO (demandado) pugna pelo afastamento ou redução da multa por eventual descumprimento da decisão - astreintes - fixada pelo juízo da origem no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Conforme referido, cuida-se aqui de expediente de natureza administrativa, relativo ao exercício de poder de polícia na seara eleitoral. O autor CRISTIAN consignou, na petição inicial, "oferecer REPRESENTAÇÃO para exercício do Poder de Polícia em razão de prática ilegal na divulgação de campanha política". Ato contínuo, a d. Magistrada a quo recebeu a inicial como “notícia de propaganda irregular” (NIP), e reconheceu a irregularidade: circulação de carros de som fora do contexto de carreata da campanha eleitoral de DAVID.

Após a apresentação da defesa de DAVID, o Juízo originário apontou a inobservância do art. 15, inc. I, da Resolução TSE n. 23.610, norma  que veda "(...) o funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som em distância inferior a 200 m das sedes dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos tribunais judiciais, dos quartéis e de outros estabelecimentos militares; dos hospitais e das casas de saúde; das escolas, das bibliotecas públicas, das igrejas e dos teatros, quando em funcionamento", determinou a cessação das irregularidades e estabeleceu multa por descumprimento da decisão no valor de R$ 20.000,00.

Contudo, friso que, nos termos do art. 54, § 1º, da Resolução TSE n. 23.608/19, o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral é restrito às providências necessárias para inibir ou fazer cessar práticas ilegais, de modo que é inviável o acolhimento da pretensão recursal de CRISTIAN - imposição de multa por ocorrência de alegado efeito outdoor.

Nego provimento, assim, ao recurso de CRISTIAN WASEM ROSA.

No que diz respeito ao recurso de DAVID ALMANSA BERNARDO, entendo que ele perdeu objeto.

Explico.

Ultrapassado o período eleitoral - e não ocorrida a aplicação da multa por descumprimento determinada na origem, é despicienda a análise do mérito da questão, por ausência de interesse processual para tanto. A multa afigura-se inaplicável, tendo em vista o encerramento do período eleitoral de 2024. Não há mais como ocorrer descumprimento da decisão.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso de CRISTIAN WASEM ROSA,  e não conhecer do recurso de DAVID ALMANSA BERNARDO, nos termos da fundamentação.