REl - 0600435-57.2024.6.21.0076 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2024 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, consigno que a recorrente inova no recurso ao ventilar outras questões que não aquelas trazidas na inicial. A inicial refere-se apenas a aspectos formais da pesquisa e este foi o objeto de análise na sentença. Em sede de recurso, a recorrente argumenta que, para além das questões formais, tal propaganda influencia na percepção dos eleitores.

Deixo de analisar tais argumentos, uma vez que a inovação acarreta supressão da instância inicial. Nesse sentido, colaciono ementa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. A AÇÃO É DELIMITADA PELA CAUSA DE PEDIR E PELOS PEDIDOS DECLINADOS NA PETIÇÃO INICIAL, BEM COMO PELOS ELEMENTOS DE DEFESA DEDUZIDOS NA CONTESTAÇÃO, SENDO VEDADO À PARTE INOVAR EM SEDE RECURSAL.CASO EM QUE AS RAZÕES DE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA INOVAM AO TRAZER FUNDAMENTO NOVO NÃO AMPARADO NA SUA PETIÇÃO INICIAL E NÃO SUBMETIDO AO CRIVO DO JUÍZO DE ORIGEM. INOBSERVÂNCIA AO DISPOSTO NO ART. 329 DO CPC. INOVAÇÃO RECURSAL CONFIGURADA.APELO NÃO CONHECIDO.

(TJ-RS - APL: 50071089020208210015 GRAVATAÍ, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Data de Julgamento: 31.01.2023, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: 31.01.2023)

 

Assim, não conheço da alegação, trazida apenas no recurso, que diz respeito à influência da pesquisa.

No mérito, cuida-se de representação por veiculação de pesquisa eleitoral irregular acerca das intenções de voto para o cargo de prefeito em Novo Hamburgo, divulgada no Instagram do recorrido, durante o período eleitoral.

A pretensão recursal é no sentido de aplicação da multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97, por divulgação de pesquisa eleitoral sem registro:

Art. 33

[…]

§ 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.

 

A sentença (ID 45735153) não reconheceu a possibilidade de equiparação da referida postagem à pesquisa eleitoral, rejeitando o pedido:

A principal questão a ser analisada neste processo reside em determinar se a postagem feita pelo representado em sua rede social configura-se como divulgação de pesquisa eleitoral, nos termos do artigo 33 da Lei 9.504/97 e do artigo 17 da Resolução TSE 23.600/19, sem o devido registro na Justiça Eleitoral.

O artigo 33 da Lei 9.504/97 estabelece que pesquisas de opinião pública relativas a eleições ou candidatos devem ser registradas na Justiça Eleitoral, contendo informações como o período de realização, a margem de erro, o nível de confiança, o número de entrevistas e o nome da entidade que a realizou. A ausência desse registro sujeita o responsável à imposição de multa e, em casos de divulgação fraudulenta, a sanções criminais.

A inicial alega que a publicação realizada pelo representado induz a crer que ele lidera as intenções de voto, sem que qualquer pesquisa registrada comprovasse esse fato. Contudo, ao analisar os elementos trazidos pela contestação e pelo parecer do Ministério Público, verifica-se que a postagem em questão não preenche os requisitos legais para ser considerada uma pesquisa eleitoral, conforme previsto no artigo 10 da Resolução TSE 23.600/19. A ausência de dados técnicos e estatísticos, como o número de entrevistados, margem de erro e nível de confiança, descaracteriza o conteúdo como uma pesquisa eleitoral.

Ademais, a postagem é apresentada como um repost de conteúdo gerado por um terceiro, o que reforça o entendimento de que se trata de mera manifestação de apoio ao candidato e não de uma pesquisa eleitoral regular. Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem se posicionado no sentido de que postagens que não contenham elementos técnicos mínimos não podem ser equiparadas à divulgação de pesquisas eleitorais.

Ainda que se trate de um repost de conteúdo de apoiadores, cabe destacar que o candidato é responsável por todo conteúdo que seja publicado em suas redes sociais.

Todavia, nesse caso, a postagem não pode ser considerada como divulgação de pesquisa eleitoral, uma vez que não há elementos suficientes que preencham os requisitos estabelecidos na legislação para caracterização de uma pesquisa, à vista do que se conclui que a presente representação não merece trânsito.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente representação eleitoral movida pela Coligação "Coragem Para Mudar", nos termos do artigo 33 da Lei 9.504/97 e do artigo 17 da Resolução TSE 23.600/19, com base nos fundamentos acima expostos.

 

A legislação eleitoral impõe às empresas de pesquisa o prévio registro da metodologia de trabalho, a fim de viabilizar um controle público e judicial das pesquisas, como se pode extrair do art. 33, caput, da Lei n. 9.504/97:

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

 I - quem contratou a pesquisa;

 II - valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;

 III - metodologia e período de realização da pesquisa;

 IV - plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro;

 V - sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;

 VI - questionário completo aplicado ou a ser aplicado;

 VII - nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal.

 

Igualmente por conta da natureza técnica das pesquisas e de seu potencial de influência sobre o eleitor, o § 3º do referido artigo estabeleceu uma elevada penalidade pecuniária para o caso de divulgação de pesquisa sem prévio registro.

O fato é que a previsão supracitada sujeita os responsáveis (pela conduta de divulgação de pesquisa eleitoral irregular) à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais).

A envergadura da multa impõe que a leitura do dispositivo ocorra em caráter restritivo, e não extensivo.

Ocorre que a hipótese dos autos se distancia das situações fáticas que a referida sanção busca coibir. A postagem impugnada evidentemente não traz resultados de uma pesquisa eleitoral, limitando-se, de formar singela, a divulgar mera sondagem de intenções de votos, desprovida de rigor científico e demais elementos caracterizadores de um levantamento técnico de pesquisa eleitoral.

Ausentes esses elementos, a exemplo do que concluiu o magistrado, tenho que a postagem se revestiu de mera manifestação eleitoral, sem caracterizar o tipo, previsto pela legislação, de divulgação de pesquisa eleitoral sem registro.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no mesmo sentido:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2016. PESQUISA ELEITORAL NÃO CARACTERIZADA. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos que visava impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.

2. A jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que, para que seja caracterizada pesquisa eleitoral, é necessária a indicação, dentro do rigor técnico-científico que a define, de percentuais, margem de erro, índices ou intenções de votos e alusão ao instituto responsável pelo levantamento. Precedentes.

3. O acórdão regional concluiu que a divulgação de gráfico de linha, composto por dois eixos, um vertical e outro horizontal, mostrando a evolução do desempenho da campanha dos diversos candidatos, desacompanhado da indicação de percentuais ou números, não caracteriza a divulgação de pesquisa eleitoral sem registro, mas, sim, propaganda eleitoral. A modificação dessas conclusões exigiria o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE).

4. Tendo em vista que a decisão recorrida está em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal Superior, não se conhece do recurso por dissídio jurisprudencial (Súmula nº 30/TSE).

Agravo interno a que se nega provimento. Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator.

(Relator Min. Luis Roberto Barroso, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 288-13. 2016.6.26.0144 CLASSE 6 UBATUBA SÃO PAULO, DJE 25.02.2019) (Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PESQUISA ELEITORAL. DIVULGAÇÃO DE DADOS DO GOOGLE TRENDS NA REDE SOCIAL FACEBOOK. IMPOSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO A PESQUISA ELEITORAL. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO ART. 33, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A norma contida no art. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/97 desafia interpretação restritiva por encerrar hipótese de sanção, não sendo possível o seu alargamento para abranger situações que não foram expressamente previstas no dispositivo.

2. O recurso especial eleitoral interposto com o fim de reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos não admite cabimento em razão da vedação contida na Súmula nº 24 do TSE. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator.

(TSE - AI: 06030074720186060000 FORTALEZA - CE, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 07./05.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 111, Data 05.06.2020) (g. nosso)

 

Nesse sentido, também a manifestação da douta Procuradora Eleitoral, ilustrada por julgados desta Corte Eleitoral:

RECURSOS. REPRESENTAÇÃO. PESQUISA ELEITORAL SEM PRÉVIO REGISTRO. REDES SOCIAIS. SIMPLES REFERÊNCIA A PERCENTUAIS. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS PARA CARACTERIZAR A POSTAGEM COMO PESQUISA. ART. 33 DA LEI N. 9.504/97. DIVULGAÇÃO DE SONDAGEM OU ENQUETE. INAPLICABILIDADE DE MULTA. PROVIMENTO. EXTENSÃO DOS EFEITOS. ART. 1.005 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AFASTADA A MULTA FIXADA. PROVIMENTO.1. Recursos contra a sentença que, tornando definitiva a liminar expedida, julgou parcialmente procedente a demanda, condenando os recorrentes e outra representada ao pagamento de multa individual, em virtude de divulgação de pesquisa eleitoral irregular em perfis da rede social Facebook e de grupos no WhatsApp. 2. As pesquisas eleitorais funcionam como mecanismo de aferição das intenções de voto da população e, por esse motivo, possuem um forte poder de influência sobre os eleitores, especialmente pelo grau de idoneidade do complexo trabalho realizado pelas entidades de pesquisa de opinião pública. Por essa razão, a legislação eleitoral impõe às empresas especializadas o prévio registro da metodologia de trabalho, com o objetivo de viabilizar o controle público e judicial das pesquisas. 3. Os elementos dos autos e a análise do conteúdo das postagens não permitem inferir que, de fato, houve alguma pesquisa eleitoral contratada de entidade ou empresa profissional sobre a matéria, dotada de um mínimo rigor metodológico.A sanção prevista no § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/97 e no art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19 é aplicável para a divulgação de pesquisa eleitoral sem registro e, por isso, pressupõe a publicação do que seja essencialmente uma pesquisa, com um conjunto de informações mínimas capazes de conferir seriedade à aferição das intenções de voto, o que não ocorreu na espécie. 4. Postagens nas redes sociais com os percentuais das intenções de voto não trazem informações de ordem técnica próprias de levantamentos estatísticos, assim como não citam o instituto que seria responsável pela pesquisa. A simples referência a percentuais, sem menção à margem de erro, a comparativos, número de entrevistados, datas de realização, contratante, índices, entre outros, não se equipara à divulgação de pesquisa eleitoral. 5. Não havendo elementos mínimos para caracterizar a publicação como verdadeira pesquisa eleitoral, incabível a imposição da multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Remanesce, na configuração da conduta, a divulgação de enquete ou sondagem disposta no art. 23, § 1º, da Resolução TSE n. 23.600/19. Embora vedada a ação dos representados (art. 33, § 5º, da Lei n. 9.504/97), incabível a aplicação de multa por difusão de sondagem ou enquete, em razão da ausência de previsão legal, mostrando-se suficiente a ordem de imediata remoção das postagens pelo magistrado, com base em seu poder de polícia eleitoral, tal como determinado pelo juízo e cumprido pelas empresas das redes sociais. 6. Provimento.

(Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Recurso Eleitoral 060029477/RS, Relator(a) Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Acórdão de 29/06/2021, Publicado no(a) Processo Judicial Eletrônico-PJE -g.n)


 

Dessarte, não havendo elementos mínimos para a caracterização da divulgação como verdadeira pesquisa eleitoral, e inexistindo previsão legal de sancionamento pecuniário de sondagem ou enquete, incabível a pretensão recursal de imposição, por analogia, da multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença prolatada.