PCE - 0602768-84.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/11/2024 às 14:00

VOTO

 

Trata-se de processo de prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha de MARCONI DA SILVA OLGUINS, candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições Gerais de 2022.

A unidade técnica apontou falhas na contabilidade de campanha, relacionadas a gastos com o Facebook e com aluguel de imóvel de propriedade da esposa do candidato e dele próprio, pagos com recursos públicos.

 

I – Da análise das falhas relatadas

I.1 – Dos gastos não comprovados com serviços de impulsionamento de conteúdo no Facebook

Após o candidato apresentar suas contas, a Secretaria de Auditoria Interna (SAI) emitiu parecer técnico apontando inconsistência em dispêndios efetuados com o Facebook, consoante excerto a seguir reproduzido, verbis (ID 45525009):

4.1. Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC

Observados os procedimentos técnicos de exame e na análise dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, assim como na documentação apresentada nesta prestação de contas, foram constatadas irregularidades na comprovação dos gastos com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Detalhamento da inconsistência observada na tabela

A – Ausente o documento do imóvel que comprova a propriedade do locador;

B – Não foi apresentado documento fiscal comprovando a despesa, em conformidade ao art.53, II e de forma a comprovar os art. 35 e 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

Assim, por não comprovação dos gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, considera-se irregular o montante de R$ 8.142,00, passível de devolução ao Tesouro Nacional, conforme o art. 79, §1º da Resolução TSE 23.607/2019.

Intimado, o candidato peticionou, juntando comprovantes de pagamento de título em benefício de “DLOCAL A SERVICO DE FACEBOOK S”, CNPJ: 25.021.356/0001-32 (IDs 45529405, 45529406, 45529407, 45529408, 45529409, 45529410).

Sobreveio parecer conclusivo, entendendo pela persistência da irregularidade, no valor global de R$ 5.208,00, tendo em vista que “não foi apresentado o documento fiscal comprovando a despesa, em conformidade ao art. 53, II e de forma a comprovar os art. 35 e 60 da Resolução TSE 23.607/2019” (ID 45531031).

Deveras, no art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19 há previsão de apresentação de documentos fiscais para comprovação da realização de gastos com recursos públicos, litteris:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[…]

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

[…]

c) documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Partidário e com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na forma do art. 60 desta Resolução;

É verdade que o art. 60 daquele estatuto, ao qual é feita a remissão, admite, em seu § 1º, outros meios idôneos de prova, com o seguinte teor:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das(os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

Contudo, no caso, sequer os boletos bancários foram acostados aos autos, inexistindo documentos mínimos comprobatórios do gasto, sendo, assim, patente a irregularidade.

Da mesma forma, não se observam notas fiscais eletrônicas relativas ao serviço de impulsionamento no sistema de Divulgação de Contas da Justiça Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2018/2022802018/RS/210000603693/nfes).

Ademais, o serviço de impulsionamento de conteúdo envolve compra antecipada e emissão de nota fiscal apenas após a realização do serviço, restrita ao quanto efetivamente prestado, de modo que o pagamento não significa efetiva utilização dos recursos financeiros.

Nessa linha, o egrégio TSE já assentou que os documentos fiscais são essenciais para comprovar gastos com impulsionamento de conteúdo na internet:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS, COM DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. 1. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 63, § 1º, DA RES.–TSE Nº 23.553/2017. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTOS DA DECISÃO MONOCRÁTICA. PRECLUSÃO. PRECEDENTE DO STJ. REITERAÇÃO DE FUNDAMENTOS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 26 DO STJ. NEGADO PROVIMENTO.

1. O TRE/SP desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal pelo Estado de São Paulo nas eleições 2018, bem como determinou o recolhimento das quantias de R$ 17.136,42, relativa a recursos de origem não identificada, e de R$ 61.649,79, referente a gastos não comprovados.

2. Nas razões do agravo interno, o agravante não refutou fundamentos autônomos da decisão monocraticamente proferida pelo relator nesta Corte Superior, motivo pelo qual se deve assentar a preclusão para recorrer dessas matérias. Precedente do STJ.

3. Quanto ao capítulo decisório devolvido no agravo interno, as alegações do agravante reproduzem os mesmos argumentos do recurso anterior, em inobservância ao princípio da dialeticidade recursal.

4. Alegações genéricas e que deixem de combater especificamente os fundamentos da decisão questionada não são suficientes para viabilizar o trânsito do agravo interno. Incidência do Enunciado nº 26 do TSE.

5. "[...] o serviço de impulsionamento de conteúdo envolve compra antecipada e emissão de nota fiscal apenas após a realização do serviço, restrita ao quanto efetivamente prestado. Igualmente, é possível, em princípio, que os créditos não utilizados retornem ao usuário, no caso o candidato" (ED–AgR–REspe nº 0605584–40/SP, rel. Min. Sérgio Banhos, julgados em 3.2.2020, DJe de 6.3.2020).

5.1. Apenas com a apresentação da nota fiscal pode-se comprovar a efetivação do serviço de impulsionamento de conteúdo, motivo pelo qual não há falar em reforma do acórdão da Corte de Origem quanto ao ponto ora em análise.

6. Somente o cancelamento da nota fiscal é capaz de comprovar que os serviços não foram prestados ou que houve erro na emissão da nota fiscal pelo fornecedor, por se tratar de documento oficial que registra atividade comercial prestada por uma empresa.

7. Negado provimento ao agravo interno. (AgR-AREspE n. 0605648-50.2018.6.26.0000/SP, Acórdão, Relator Min. Raul Araujo Filho, Publicação: DJE, Tomo 38, Data: 13.3.2023.) Grifei.

Portanto, devem ser glosados tais gastos, que totalizam R$ 5.208,00, impondo-se o recolhimento da quantia aos cofres públicos, com esteio no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

I.2 – Do aluguel de imóvel pertencente ao candidato e sua esposa

No parecer técnico, a SAI apontou, relativamente ao dispêndio de R$ 2.934,00 com locação/cessão de bens imóveis, contratada em 01.9.2022 com Adriana Carvalho Olguins, CPF n. 553.398.590-53, que não se encontrava nos autos o “documento do imóvel que comprova a propriedade do locador” (ID 45525009).

Intimado, o candidato apresentou imagem de folha da matrícula n. 17.825 no Registro de Imóveis de Alvorada, na qual consta como adquirente do imóvel “Marconi da Silva Olguins, brasileiro, empresário, com CPF 442.238.460/00, casado pelo regime da comunhão parcial de bens posteriormente a Lei 6515/77 com Adriana Carvalho Olguins, domiciliado na rua Julio Cesar Ribeiro, 216, em Alvorada, RS” (ID 45529411), bem como fotografia de prédio onde supostamente teria funcionado o comitê de campanha do candidato (ID 45529403) e de fotografia de militantes políticos tremulando bandeiras defronte a tal imóvel (ID 45529404).

No ulterior parecer conclusivo, a unidade técnica manifestou-se sobre o ponto do seguinte modo (ID 45531031):

O candidato apresentou esclarecimentos e comprovantes do ID 45529402 ao ID 45529413, com objetivo de reverter as falhas apontadas no Relatório de Exame de Contas. Após análise dos documentos considera-se não sanado o apontamento, conforme segue:

• O apontamento solicitou a propriedade do imóvel locado no valor de R$ 3.000,00. Candidato utilizou para pagamento R$ 2.934,00 de recursos do FEFC e R$ 66,00 de recursos próprios. Em resposta ao solicitado no relatório de exame, o candidato apresentou documento do imóvel demonstrando que ele próprio é proprietário, juntamente com a sua esposa Sra. Adriana Carvalho Olguins.

Em suma, verificou-se que o candidato celebrou contrato de locação de imóvel com Adriana Carvalho Olguins, casada com o candidato e utilizou recursos públicos, no montante de R$ 2.934,00, para o pagamento de aluguel de imóvel em que ele próprio é também proprietário, sugerindo a aplicação do disposto no art. 82 da Resolução TSE 23.607/2019. Assim, neste contexto, restou tecnicamente comprometida a comprovação do gasto.

Compulsando os autos, verifica-se, no Relatório de Despesas Efetuadas, o lançamento da locação de imóvel para funcionamento de comitê de campanha com a fornecedora ADRIANA CARVALHO OLGUINS, CPF n. 553.398.590-53, pelo valor de R$ 3.000,00, que foi quitado com recursos do FEFC, mediante operações de pix, nos valores de R$ 1.000,00, R$ 1.000,00 e R$ 934,00, somando R$ 2.934,00, e com outros recursos, ou seja, verbas privadas, via pix, de R$ 55,00 e R$ 11,00 (R$ 66,00) (ID 45196521, fl. 5).

O instrumento contratual encontra-se juntado no ID 45196570, o qual refere que o ajuste de locação recai sobre o imóvel situado na Rua Maringá, 135, lojas 3 e 4, em Alvorada, pelo período de 1º de setembro a 30 de outubro de 2022 (ID 45196570).

Ainda, consoante consta do Relatório de Despesas Efetuadas antes mencionado, houve “despesa limpeza comitê”, contratada com S.H.C Rodrigues, CNPJ n. 27.644.951/0001-50, pelo preço de R$ 192,00 (ID 45196521, fl. 11), a qual foi demonstrada via nota fiscal de serviço eletrônica, emitida em 13.9.2022 contra o CNPJ do candidato, cuja descrição foi “prestação de serviço de limpeza” (ID 45196567).

Outrossim, examinando o respectivo processo de registro de candidatura, RCand 0601387-41.2022.6.21.0000, consta-se que foi anotada, no campo “Endereço de comitê central de campanha”, a informação de que seria em “Avenida Maringá, 135 101 Maringá, ALVORADA - RS, CEP: 94814400” (ID 45036448 daqueles autos).

Por derradeiro, em consulta ao aplicativo Google Street View na internet, https://www.google.com/maps/@-29.9984394,-51.0724543,3a,75y,296.9h,90.36t/data=!3m6!1e1!3m4!1sP_0GboqgKdad16aBppfxHg!2e0!7i16384!8i8192?entry=ttu, é possível concluir que o imóvel localizado no endereço acima é o mesmo das fotos juntadas pelo candidato.

Diante desse quadro fático, resta nítido que efetivamente o imóvel foi utilizado como comitê de campanha.

Ocorre que o objeto da locação envolveu um imóvel do qual o candidato é coproprietário com a sua esposa, sendo casados sob o regime da comunhão parcial de bens, revelando, assim, uma “autocontratação” indireta e uma confusão entre as figuras dos efetivos proprietários e do locatário.

Cabe ressaltar que, tratando-se de casamento em regime de comunhão parcial, o inc. V do art. 1.660 do Código Civil é expresso em declarar como comum também os frutos decorrentes dos bens de ambos os cônjuges, tais como os aluguéis pagos.

Tangente ao tema, o Tribunal Superior Eleitoral firmou o entendimento de que “a aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, os quais, por ostentarem caráter público, devem ter a sua utilização fundada, dentre outros, nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, os quais são postulados norteadores da realização de despesas com dinheiro público, conforme já se decidiu no julgamento de contas anuais de partidos e a respeito de verba do Fundo Partidário” (TSE - REspEl: 060116394 CAMPO GRANDE - MS, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 29/09/2020, Data de Publicação: 27/10/2020).

Na hipótese, a locação de bem comum do próprio candidato e de sua esposa, remunerada com verbas de FEFC, revela desvio de finalidade do gasto eleitoral ou o locupletamento indevido de recursos de campanha, contrariando os princípios da impessoalidade e da moralidade.

Em realidade, tratando-se de imóvel já integrante do patrimônio da pessoa física do candidato, cumpriria a sua contabilização como doação de bem estimável em dinheiro, nos termos do art. 25, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 25. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

[…].

§ 2º Os bens próprios da candidata ou do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura.

Nessa linha, bem apontou a Procuradoria Regional Eleitoral:

De fato, conforme se verifica da certidão do Registro de Imóveis de Alvorada/RS juntada no ID 45529411, o candidato figura como proprietário do imóvel objeto de locação, com o que a utilização deste deveria ter sido declarada como cessão em valor estimável, para fins de aferição da observância do limite para autofinanciamento. Nessa medida, o pagamento realizado a sua esposa, coproprietária do bem em razão do regime de casamento, configura irregularidade na aplicação de recursos do FEFC, devendo o valor de R$ 2.934,00 ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Desse modo, impositivo o reconhecimento da irregularidade e a determinação de restituição dos correspondentes valores ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Destarte, em face de as irregularidades, que totalizam R$ 8.142,00 (R$ 5.208,00 + R$ 2.934,00), atingirem 27,08% do total arrecadado (R$ 30.066,00), resta inviabilizada a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas, sendo, portanto, mandatória a desaprovação contábil, em linha com o parecer ministerial.

Ante o exposto, VOTO por DESAPROVAR as contas de MARCONI DA SILVA OLGUINS, relativas ao pleito de 2022, com esteio no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e pela determinação do recolhimento de R$ 8.142,00 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, do mesmo diploma normativo.