PCE - 0603653-98.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/11/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se da prestação de contas apresentada por VERA LÚCIA DA SILVA, candidata não eleita ao cargo de deputada federal, relativamente à movimentação de recursos nas Eleições de 2022.

Passo à análise das irregularidades mantidas pelo órgão técnico após a emissão de parecer conclusivo (ID 45551674) e de três complementações ao exame das contas (IDs 45586456, 45605226 e 45689997).

 

1. Da Utilização de Recursos de Origem Não Identificada

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal apontou a existência de diversas despesas eleitorais não declaradas nas contas, para as quais houve emissão de nota fiscal eletrônica para o CNPJ de campanha, nos seguintes termos (ID 45551674):

3.1 Foram identificadas as seguintes omissões relativas às despesas constantes da prestação de contas em exame e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

 

 

Após os esclarecimentos e novos documentos acostados pela prestadora, o examinador técnico apontou o saneamento parcial das falhas (ID 45689997, fl. 2):

* NF 202200000001730 de Toka da Cópia, no valor de R$ 880,00, reconhecida a pendência de comprovação pela candidata (fl.2), considera-se sanada uma vez que a nota está disponível no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais e o fornecedor identificado no extrato bancário.

* NF 202200000000055 de Carla Cristiane de Lima, no valor de R$ 459,00, considera-se sanado o apontamento tendo em vista demonstração acerca de ressarcimento de despesas com alimentação à Jaqueline de Oliveira, conforme fls. 7, 41, 52 e 78, cuja irregularidade está apontada no item 4.1.1.

* NF 3557 de Lanchonete Sol Ltda, no valor de R$ 171,00, reconhecida a pendência de comprovação pela candidata (fl. 2), considera-se sanada visto que foi identificado no módulo da Receita Federal no SPECEWEB que a beneficiária do recurso identificada no extrato bancário, Jane Lemos Gonçalves, é sócia da empresa.

* NF 11444 de Tatiane Hornke da Fonseca, no valor de R$ 188,10, reconhecida a pendência de comprovação pela candidata (fl. 2), considera-se sanada uma vez que a nota está disponível no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais e a fornecedora identificada no extrato bancário.

* NF 369 de Claudecir de C. Alves, no valor de R$ 400,00, dá-se por sanada devido à demonstração de pagamento pela contratada Avança RS Ltda (fls. 4, 277 e 278).

 

Assim, o apontamento consolidou-se no montante irregular de R$ 14.440,61 (R$ 16.538,71 – R$ 880,00 – R$ 459,00 – R$ 171,00 – R$ 188,10 – R$ 400,00).

Em acréscimo, a unidade técnica indicou “como recursos de origem não identificada o valor de R$ 461,00, referente à diferença entre o valor contratado (fls. 125/127) com a fornecedora Sara Lima de Moraes (R$ 2.000,00) e os comprovantes de pagamento com recursos do FEFC (R$ 1.039,00 em 06/9/2022 + R$ 500,00 em 20/9/2022)” (ID 45689997, fl. 3).

Com efeito, a existência dos documentos fiscais contra o número de CNPJ da candidata, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73).

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da prestadora de contas, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Nesse sentido, cito o seguinte precedente desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADORA. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. SAQUE ELETRÔNICO DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONFIABILIDADE CONTÁBIL. MACULADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DAS IRREGULARIDADES. DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL. (...). 2. Detectadas 07 (sete) notas fiscais emitidas contra o CNPJ de campanha, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias da candidata, indicando omissão de gasto eleitoral. Os gastos não contabilizados afrontam o art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil. 3. As despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de modo paralelo à contabilidade formal da candidata, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. (...). (TRE-RS - RE: 06006545520206210094 IRAÍ/RS 060065455, Relator: DES. ELEITORAL FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Data de Julgamento: 03/02/2022). (Grifei.)

 

Ademais, constatou-se que a contratação realizada com Sara Lima de Moraes superou em R$ 461,00 a quantia creditada à fornecedora a partir das contas de campanha, concluindo-se que houve o manejo de verbas que não constaram na contabilidade de campanha.

Assim, está caracterizada a irregularidade pelo uso de recursos de origem não identificada, na quantia total de R$ 14.901,61, que deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, na forma prescrita pelo art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Da Comprovação dos Gastos com Recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

No item 4.1.1 do parecer conclusivo, o órgão técnico relacionou diversas despesas pagas com recursos do FEFC, contrariando os arts. 35, 53, inc. II, al. “c”, e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, assim especificadas após a análise dos documentos apresentados pela candidata (ID 45689997, fls. 3-4):

Detalhamento da inconsistência observada na tabela:

A – Débito bancário sem identificação do fornecedor beneficiário do pagamento ou com beneficiário diverso ao fornecedor informado (não consta CPF ou CNPJ no extrato bancário eletrônico disponibilizado pelo TSE ou com dados distintos dos informados na prestação de contas), assim como não foi apresentada documentação bancária comprovando o destinatário dos recursos conforme art. 38 da resolução TSE 23.607/2019.

A1 – Apresentada nota fiscal de Carla Cristiane de Lima, no valor de R$ 459,00. Realizados pagamentos de R$ 170,00 + R$ 170,00 + R$ 119,00 à Jaqueline Oliveira, informado que foi ressarcimento de despesa. Contudo, não há previsão de ressarcimento de despesas na Resolução TSE n. 23.607/2019.

A2 – Contraparte no extrato bancário é Luiz Pedro Lopes Rodrigues, CPF 107083670-20.

B – Não foi apresentado documento fiscal comprovando a despesa, em conformidade ao art.53, II e de forma a comprovar os art. 35 e 60 da Resolução TSE 23.607/2019, sendo que:

» a documentação apresentada deve possuir descrição detalhada da operação, sendo necessária a descrição qualitativa e quantitativa dos serviços prestados e ou documento adicional de forma a comprovar a prestação efetiva do serviço, em conformidade com art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019;

» A documentação de comprovação dos gastos com pessoal deve apresentar a integralidade dos detalhes previstos no § 12 do art. 35 da Resolução TSE 23607/2019, tais como locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado;

» O documento fiscal para comprovação dos gastos com material impresso de campanha deve apresentar as dimensões do material impresso produzido, observado o § 8º do art. 60 da Resolução TSE 23.607/2019.

B1 – Conforme item B acima, não foi comprovada a despesa. Falha reconhecida pela prestadora de contas.

B2 – Contratante é Avança RS Ltda.

B3 – Documento ilegível.

C – Não foi apresentado documento fiscal comprovando a despesa, em conformidade ao art.53, II e de forma a comprovar os art. 35 e 60 da Resolução TSE 23.607/2019, visto que o documento indicado demonstra contratação realizada por AVANCA RS LTDA, empresa que firmou contrato com a candidata para contratação de mão de obra de campanha conforme item 4.2.

4.1.a. Após esclarecimentos em nova documentação acostada (ID 45660881), sem retificação da prestação de contas, as seguintes despesas não registradas (apontadas no item 1.3 do Parecer Conclusivo) permanecem sem comprovação, conforme reconhecido pela prestadora de contas (ID 45660881), cujos pagamentos foram realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), contrariando o que dispõem os arts. 35, 53, I, g, II, c, e 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019:

[...].

Diante do exposto, altera-se o valor total das irregularidades apontadas no item 4.1.1 do Parecer Conclusivo, restando não comprovado o valor total de R$ 21.815,10 (R$ 14.875,00 + R$ 6.940,10).

 

De fato, as falhas correlacionadas à letra “A” ferem o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece formas específicas de pagamentos, sempre com a identificação do CPF ou CNPJ do fornecedor declarado nos próprios registros bancários da operação.

Consoante consulta aos extratos eletrônicos da conta de campanha (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RS/210001604666/extratos), os pagamentos informados não encontram consonância com os débitos bancários ou foram destinados a pessoa que não corresponde ao fornecedor contratado.

Além disso, a comprovação dos gastos eleitorais “deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome das candidatas ou dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação da (o) emitente e da destinatária ou do destinatário ou das (os) contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço”, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A citada norma regulamentar possibilita, ainda, a admissão, por esta Justiça Especializada, de quaisquer outros meios idôneos de provas das despesas eleitorais, desde que veiculem as informações essenciais acerca da contratação e do fornecedor, conforme art. 60, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Importa destacar que o art. 35, § 12, do mesmo diploma normativo impõe que, no tocante às despesas com pessoal de campanha, os documentos comprobatórios contenham diversos detalhamentos, para permitir à Justiça Eleitoral aferir a regularidade do gasto, inclusive “identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado”.

No caso em exame, as despesas indicadas com a letra “B” não estão comprovadas por documentos mínimos, sejam contratos, recibos ou quaisquer outros, inviabilizando o exame da regularidade das contratações em sua integralidade.

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2022. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. EXISTÊNCIA DE NOTA FISCAL SEM REGISTRO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. SERVIÇOS DE CONTABILIDADE. DISCREPÂNCIA ENTRE O CONTABILISTA DECLARADO E O CONSTANTE DA NOTA FISCAL. OMISSÃO DE DESPESA CARACTERIZADA. GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ATRAVÉS DE CONTRATOS OU DOCUMENTOS FISCAIS. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTS. 53, INC. II, “C”, 60, E 35, § 12, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. IRREGULARIDADES DE ALTO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

[...].

3. Irregularidades na comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC em relação a 06 (seis) fornecedores. As despesas com pessoas físicas, inclusive com o próprio candidato constando entre os prestadores de serviços, não foram comprovadas adequadamente através de contratos ou documentos fiscais, não satisfazendo, portanto, as exigências do art. 53, inc. II, “c”;, c/c art. 60, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19. A falha representa, ainda, descumprimento ao art. 35, § 12, da mesma resolução, o qual preceitua que a comprovação dos gastos com pessoal deve detalhar os locais de trabalho, horas trabalhadas, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado.

[...].

5. Desaprovação. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060327715, Acórdão, Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/04/2024) (Grifei.)

 

Em relação aos itens aos quais atribuída a irregularidade identificada pela letra “C”, constata-se que a candidata apresentou uma série de documentos estabelecidos entre pessoas físicas e a empresa AVANÇA RS LTDA, alegando que (ID 45596248):

Durante o processo de campanha eleitoral, a candidata, Sra. Vera Lúcia da Silva, contratou a empresa especializada AVANÇA RS LTDA (CNPJ 41.989.390/0001-51) para gerir aspectos como mão de obra, administração financeira, lançamentos contábeis e prestação de contas junto ao TRE. O contrato, no valor de R$ 20.000,00 (recibo anexo), estava sob a supervisão técnica da responsável legal, Sra. Nailde Melo.

A empresa mencionada acima recebia recursos diretamente provenientes da campanha de VERA LUCIA DA SILVA, destinados à contratação de pessoal, efetuando pagamentos e ressarcimentos vinculados às atividades da campanha. As notas fiscais (anexas: NFs 001, 002 e 003) no total de R$ 107.386,48 fundamentam a origem desses recursos na conta bancária da empresa, montante este empregado no custeio de despesas administrativas e de pessoal.

Os valores mencionados foram integralmente utilizados para suportar as necessidades operacionais da campanha, conforme detalhado no relatório de prestação de contas e nos respectivos recibos. Toda a documentação comprobatória está à disposição para consulta, fornecendo uma visão transparente e precisa da alocação desses recursos durante o período eleitoral.

 

Ocorre que as despesas destacadas na tabela elaborada pelo órgão técnico de análise não estão contabilizadas nos gastos totais com a empresa intermediadora de mão de obra temporária (Notas Fiscais ns. 001, 002 e 003), razão pela qual não poderiam registrar como contratante ou como contraparte bancária pessoa diversa da candidata.

Embora a candidata assevere que tais gastos ou parte deles incluiu despesas administrativas e ressarcimentos de gastos pessoais, tais operações deveriam ter sido previamente detalhadas no contrato ajustado com a empresa gestora de pessoal e os valores englobados nas notas fiscais respectivas.

Além disso, o reembolso de gastos somente encontra amparo legal em se tratando de dispêndios realizados por dirigentes ou assessores partidários no contexto das prestações de contas anuais dos partidos políticos, nos termos do art. 44-A, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95. Nessa linha, este Tribunal já decidiu que o reembolso ou ressarcimento de despesas realizadas diretamente pelo pessoal de campanha não é possível em contas de campanha eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. DESPESAS REALIZADAS POR ASSESSOR POLÍTICO. REEMBOLSO PELA AGREMIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO ART. 44–A, DA LEI N. 9.096/95, POR ANALOGIA. ARTIGO COM APLICAÇÃO CIRCUNSCRITA ÀS PRESTAÇÕES DE CONTAS DE EXERCÍCIO FINANCEIRO. GASTOS DE SERVIÇOS CONTÁBEIS E DE ADVOCACIA. COMPROVADAS AS DESPESAS. POSSIBILIDADE DE ARRECADAÇÃO DE RECURSOS EXCLUSIVAMENTE PARA A QUITAÇÃO DE DESPESAS JÁ CONTRAÍDAS E NÃO PAGAS ATÉ O DIA DO PLEITO, NOS TERMOS DO ART. 33, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. FALHAS NO REPASSE DE QUOTAS DE GÊNERO E ÉTNICAS. EC 117/22. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES AO ERÁRIO. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DAS IRREGULARIDADES REMANESCENTES. VIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. 1. Prestação de contas de diretório estadual de partido político, referente às eleições de 2020. Em parecer conclusivo, o órgão técnico contábil opinou pela desaprovação das contas e pelo recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. 2. Aplicação irregular de recursos do FEFC. Fornecedores distintos dos beneficiários dos pagamentos. Emissão de notas fiscais em nome do diretório partidário, a partir de dispêndios realizados pelo assessor político contratado, posteriormente, reembolsado pela agremiação. O art. 44–A, § único, da Lei n. 9.096/95 faculta o ressarcimento de despesas a dirigentes partidários e assessores políticos quando a documentação apresentada permita o rastreamento da efetiva utilização da verba pública. Todavia, a norma contempla o ressarcimento em atividades ordinárias do partido no bojo de contas de exercício financeiro, o que não é o caso. Resta claro que o art. 44–A da Lei n. 9.096/95 deve ter sua aplicação circunscrita às prestações de contas de exercício financeiro, não sendo possível proceder a busca em outra lei de um dispositivo para ser aplicado à fattispecie pertencente a diverso instituto jurídico. Ademais, as prestações de contas de eleições se dão em um ambiente de competição, de disputa, do qual sobressai o dever do julgador de observância à paridade de armas, ao tratamento isonômico. Gastos tipicamente eleitorais, portanto, não podem ser objeto de aplicação de regras de prestação de contas de exercício, por analogia. Mantida a irregularidade constante no item 1.1 do parecer conclusivo da SAI, bem como a necessidade de recolhimento de R$ 14.240,49 ao Tesouro Nacional. [...]. 8. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 06004137220206210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 14/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 49, Data 20/03/2023) Grifei.

 

Nesses termos, devem ser reconhecidas as irregularidades na comprovação do uso de recursos do FEFC, na quantia de R$ 21.815,10 (R$ 14.875,00 + R$ 6.940,10), a ser restituída ao Tesouro Nacional.

 

3. Das Inconsistências nas Despesas Pagas com Recursos do FEFC à AVANÇA RS LTDA

Cumulativamente às operações irregulares relatadas no tópico anterior, envolvendo a empresa AVANÇA RS LTDA, no item 4.1.2 do parecer conclusivo, a unidade técnica identificou pagamentos a maior ao referido fornecedor, não demonstrados por notas fiscais ou outros documentos comprobatórios:

 

Assim, o pagamento de R$ 7.185,14 à empresa não encontra lastro em contratos firmados com pessoal subcontratado pelo fornecedor e tampouco com notas fiscais ou instrumentos emitidos pela própria empresa, de modo que está configurada a infração ao disposto nos arts. 53, inc. II, e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, o valor total da diferença sem amparo nos documentos fiscais e pago com recursos do FEFC deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.

 

4. Das Despesas com Impulsionamento de Conteúdos na Internet

A última irregularidade envolvendo o uso de recursos do FEFC está assim descrito no parecer técnico conclusivo:

4.1.3 Foi identificado pagamento no valor total de R$ 3.500,00 para Dlocal a Serviço de Facebook Serviços Online do Brasil LTDA, referente à prestação de serviços de impulsionamento de conteúdo na internet, conforme ID 45404109 (p. 28, 38 e 42). Finalizada a prestação de serviços, o Facebook emitiu a nota fiscal 51720330 no valor de R$ 3.146,41 (nota ao fim do relatório). Não foi identificada a devolução da diferença (saldo) no valor de R$ 353,59 que deveria ser recolhido ao Tesouro Nacional como sobra financeira de campanha de recursos do FEFC, conforme disposto no art. 35, § 2º da Resolução TSE n. 23.607/2019.

 

Portanto, a candidata encerrou sua campanha com créditos não utilizados junto ao Facebook, no valor de R$ 353,59, oriundos de recursos do FEFC, os quais deveriam ter sido devolvidos pela empresa fornecedora, pois não houve contraprestação de serviços, e, então, restituídos ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em sua defesa, a candidata alega que “devido à exigência da legislação eleitoral, a conta em questão foi encerrada, impossibilitando a utilização do saldo remanescente. Portanto, o valor em questão não pôde ser empregado e não há a possibilidade de reavê-lo” (ID 45596248).

Entretanto, este Tribunal sedimentou o entendimento de que, em sede de prestação de contas, a responsabilidade pela gestão dos valores destinados à campanha eleitoral cabe direta e exclusivamente ao candidato, a qual não é mitigada pela omissão ou atraso do fornecedor no ressarcimento dos valores, consoante a seguinte ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. SUPLENTE. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. NÃO UTILIZAÇÃO DE CRÉDITO OBTIDO COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. FACEBOOK. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato que alcançou a suplência ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Persistência de irregularidade quanto à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Sobra de valores públicos, relativos a montante despendido em impulsionamento no Facebook, os quais devem retornar ao erário, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Responsabilidade do candidato pela gestão dos recursos destinados à própria campanha eleitoral, não cabendo à Justiça Eleitoral oficiar à empresa que detém o crédito impugnado para que restitua os valores, como pretendido pelo prestador.

3. Falha que representa 2,37% da arrecadação, permitindo a aprovação das contas com ressalvas, mediante a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

4. Aprovação das contas com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PCE: 0603167-16.2022.6.21.0000, PORTO ALEGRE - RS, Relator: Desa. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA, Data de Julgamento: 19/06/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Edição 111/2023, Data 22/06/2023) Grifei.

 

No caso, a prestadora de contas não se desincumbiu do ônus quanto à devolução das verbas públicas não utilizadas ao Tesouro Nacional, impondo-se o reconhecimento da irregularidade e a determinação do recolhimento do aludido valor ao Tesouro Nacional.

Do Julgamento das Contas

O valor total das irregularidades apuradas nos autos alcança R$ 44.255,44 [item 1: R$ 14.901,61 + item 2: R$ 21.815,10 + item 3: R$ 7.185,14 + item 4: R$ 353,59); que representa 16,55% do montante arrecadado (R$ 267.317,00), de maneira a inviabilizar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como meio de atenuar a gravidade das máculas sobre o conjunto contábil, sendo, portanto, mandatória a desaprovação das contas.

Ainda, deve ser comandada à prestadora de contas o recolhimento do montante total de R$ 44.255,44 ao Tesouro Nacional, dos quais a quantia de R$ 14.901,61 refere-se ao uso de recursos de origem não identificada (art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19) e o montante de R$ 29.353,83 envolve a ausência de comprovação dos gastos com recursos do FEFC (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas de VERA LÚCIA DA SILVA, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 e pela determinação do recolhimento de R$ 44.255,44 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.