MSCiv - 0600479-13.2024.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

No mérito, a empresa impetrante TERRAPLENAGEM ARROIO DO OURO LTDA se insurge contra decisão preferida pelo Juízo da 165ª Zona Eleitoral, nos autos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600475-63.2024.6.21.0165.

Em resumo, o ato tido como abusivo e ilegal suspendeu contrato emergencial celebrado entre a impetrante e o Município de VALE REAL/RS, realizado em decorrência da enchente de maio/2024, aos fundamentos centrais de que:

(1) vereadores estão constitucionalmente proibidos de contratar com a administração pública;

(2) comprovada a contratação entre a Impetrante e aquela municipalidade;

(3) Marcelo, representado naqueles autos, ocupa o cargo de vereador de VALE REAL/RS, e era, ao tempo da decisão, (02.10.24) candidato a prefeito daquele Município, e

(4) há grande probabilidade de que o referido candidato esteja se valendo dos contratos em questão para obter vantagem na "campanha que ora se desenrola".

Em 07.10.2024, ao decidir liminarmente, indeferi o pedido da impetrante, ID 45751055.

Transcrevo o inteiro teor da decisão monocrática, a qual desde já indico submeter à aferição deste Colendo Tribunal:

 

Vistos.

Cuida-se de mandando de segurança, com pedido de concessão de medida liminar, impetrado pela empresa TERRAPLENAGEM ARROIO DO OURO LTDA., contra decisão proferida pela d. Magistrada titular da 165ª Zona Eleitoral, sediada em Feliz/RS, no bojo de Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, tombada sob o n. 0600475-63.2024.6.21.0165, autores Johnatan Ricardo Kemppf Reuber e Katia Kaspary, e demandados Sérgio Luiz Barth, Marcelo Antônio Bettega e Coligação Vale Real Trabalho e Progresso.

Em resumo, a autoridade ora tida como coatora proferiu, naqueles autos, decisão que suspendeu liminarmente, em sede de embargos de declaração, os contratos da Impetrante com o Município de VALE REAL/RS, aos fundamentos de que (1) vereadores estão constitucionalmente proibidos de contratar com a administração pública; (2) comprovada a contratação entre a Impetrante e aquela municipalidade; (3) Marcelo, representado naqueles autos, ocupa o cargo de vereador de VALE REAL/RS, e era, ao tempo da decisão, (02.10.24) candidato a prefeito daquele Município, e (4) há grande probabilidade de que o referido candidato esteja se valendo dos contratos em questão para obter vantagem na "campanha que ora se desenrola".

Entende a referida decisão como contrária à legislação de regência, notadamente aos princípios da livre iniciativa econômica (art. 170), da motivação (art. 93, IX, CF) e da legalidade (art. 37), todos da Constituição da República. Sustenta inexistir norma proibitiva para a contratação entre empresa de parente de agente público com a municipalidade, desde que o agente não participe de forma direta na contratação - a empresa Terraplanagem Arroio do Ouro pertence, fato incontroverso, a Marcos André Bettega e Nalise Marinei Goldbeck, que vem a ser esposa de Marcelo Antônio Bettega.

Indica que as contratações foram realizadas em período de emergência, devido às enchentes que assolaram o Estado do Rio Grande do Sul, suportadas pelo Decreto Estadual 57.596, de 1º.5.2024, e pelo Decreto Municipal n. 22/2024, de 03.5.2024.

Aduz que "em nenhum momento se utilizou em campanha política a realização dos serviços contratados com a empresa de titularidade da esposa" de Marcelo Bettega. Entende presentes a plausibilidade do direito invocado e o perigo da demora, para pleitear a concessão liminar de, ao que importa de momento, "a segurança pleiteada, com a expedição do competente ofício, determinando que a autoridade coatora suspenda o ato lesivo e cumpra as determinações legais (art. 9º da Lei 12.016/2009), assegurando à impetrante o direito de contratar com o município de Vale Real até o julgamento do mérito".

Vieram conclusos.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, registro a possibilidade de cabimento de mandado de segurança contra ato judicial, com suporte no art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/2016, o qual preconiza a irrecorribilidade das decisões interlocutórias (ou aquelas sem caráter definitivo) proferidas nos feitos eleitorais, conforme já assentado por esta Corte – exemplificativamente, o MS n. 19.498, Rel. Des. El. Hamilton Langaro Dipp, e o MS n. 30.573, Rel. Des. El. Ingo Wolfgang Sarlet.

No entanto, consigno desde já que a decisão não se mostra, à primeira vista, ilegal ou teratológica – circunstâncias que poderiam atrair, aqui, a concessão liminar da ordem requerida pela empresa Impetrante.

Ao contrário.

A decisão da autoridade tida como coatora vem suficientemente fundamentada para o momento processual em que aquela Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE se encontra, ainda pendente de aprofundamento acerca das alegações, por meio da instauração do necessário contraditório.

Neste juízo superficial, típico da análise das liminares em mandado de segurança – e de certa forma compreendendo a atitude da impetrante, tendo em vista a proximidade da eleição – tenho que a decisão liminar proferida na AIJE n. 0600475-63.2024.6.21.0165 traz fundamentos suficientemente razoáveis na interpretação da legislação de regência (daí, a não teratologia ou ilegalidade) para a concessão da tutela liminar naqueles autos, sobretudo em razão das circunstâncias incontroversas de íntimo parentesco dos proprietários da Impetrante, empresa contratada em regime emergencial pelo Poder Executivo de Vale Real, ainda que pretensamente suportada por decretos estadual e municipal. Com efeito, a situação não comporta controle via cognição expedita neste mandado de segurança.

Em resumo, o presente momento processual não permite a concessão da medida liminar pleiteada, em suma, diante da inexistência de teratologia ou ilegalidade flagrante a ser corrigida, tampouco da demonstração do direito líquido e certo vindicado. Indico, desde já, que não será o princípio constitucional da "livre iniciativa econômica" que regerá a análise da presente situação - o contrato fora celebrado com o Poder Público, envolvendo dinheiro público, aliás de caráter emergencial - situação que por si só e de forma estampada reduz a eficácia do referido princípio para muito aquém do contrato celebrado.

Nenhum princípio constitucional é absoluto, lição doutrinária já cediça do constitucionalismo contemporâneo. A livre iniciativa é de ser vindicada nas avenças entre particulares - e, ainda assim, dentro das balizas determinadas pelo Estado de Direito.

Trata-se de tema, portanto, que merece a devida reflexão, a ocorrer nos autos daquela AIJE.

Diante do exposto, indefiro o pedido de concessão de medida liminar.

Comunique-se a autoridade tida como coatora para prestar as informações que entender pertinentes, no prazo do art. 7°, inc. I, da Lei n. 12.016/09.

Após, seja dada vista dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral nos termos do art. 12 da Lei n. 12.016/09.

Intime-se.

Cumpra-se.

 

Sublinho que o Município de VALE REAL não conta com segundo turno nas eleições municipais.

Em consequência, impende destacar que esta Casa adotou orientação no sentido de reconhecer a perda superveniente do objeto e do interesse recursal relativamente às demandas concernentes a mandado de segurança quando exaurido o pleito no âmbito do município:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE RESPOSTA E REMOÇÃO DE CONTEÚDO. TÉRMINO DO PERÍODO ELEITORAL. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Mandado de segurança impetrado contra ato do Juízo Eleitoral que deferiu liminarmente pedido de direito de resposta e de remoção de conteúdo, em representação eleitoral.

1.2. O impetrante alega cerceamento de defesa, ausência de citação e de oitiva do Ministério Público Eleitoral, além de cumulação indevida de pedidos na representação.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Verificar a ocorrência de perda superveniente do objeto em razão do término do período eleitoral, impactando o interesse no prosseguimento da ação relativa ao direito de resposta concedido em sede de propaganda eleitoral.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Conforme jurisprudência desta Casa e do Tribunal Superior Eleitoral, exaurida a eleição na municipalidade, opera-se a perda do objeto e do interesse recursal relativamente às demandas concernentes à propaganda irregular.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Extinção do feito em razão da perda superveniente do objeto.

Tese de julgamento: “A perda do objeto em demandas relativas à propaganda eleitoral ocorre com o término do período de campanha, tornando-se incabível o prosseguimento de ações sobre direito de resposta ou remoção de conteúdo.”

Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 485, inc. VI; Lei n. 9.504/97, art. 58.

Jurisprudência relevante citada: TSE, RE Eleitoral n. 0600432-56, Rel. Des. Oyama Assis Brasil de Moraes, j. 2020; TSE, AgR no AREsp Eleitoral n. 0600915-43, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 07.3.2022.

(TRE-RS, Rel 0600468-81.2024.6.21.0000. Relator Des. Eleitoral NILTON TAVARES DA SILVA. Julgado na sessão de 25.10.2024, Publicado em sessão)

 

Ainda que se possa argumentar que, no caso em tela, a AIJE n. 0600475-63.2024.6.21.0165 permanece em trâmite perante o grau de origem – fato incontestável, sublinho que o teor da decisão entendida como abusiva teve, como conteúdo, a “suspensão liminar dos contratos” aos fundamentos de que MARCELO BETTEGA, além de vereador de VALE REAL, fora candidato a Prefeito daquele município, e poderia estar “(…) se valendo dos contratos em questão para obter vantagem na campanha que ora se desenrola”, ID 45750416.

Cabe referir que MARCELO BETTEGA venceu a Eleição de 2024 para o cargo de prefeito de Vale Real, com 1.566 votos (38,35%), contra 1.523 da segunda colocada (37,30%). A AIJE n. 0600475-63.2024.6.21.0165 poderá, conforme decidido alhures, melhor esclarecer as circunstâncias da celebração contratual – com decisão inclusive acerca da manutenção, ou cessação dos efeitos suspensivos do contrato.

No que diz respeito ao pedido da d. Procuradoria Regional Eleitoral, para informação ao Ministério Público atuante perante a Justiça Comum na origem, informo que nos autos da citada AIJE o Ministério Público Eleitoral de 1º Grau já se mostra presente, de forma que quaisquer comunicações poderão ser realizadas por aquele órgão, atualmente com a prerrogativa para tal mister.

 

Diante do exposto, julgo extinto o feito, sem resolução de mérito, na forma do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.