ED no(a) REl - 0600014-79.2024.6.21.0169 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os embargantes afirmam que o acórdão se revela contraditório, uma vez que “a própria decisão afirma que não é possível identificar se o perfil cumpre ou não os requisitos para ser pessoa jurídica, porém decide na condenação do Embargante”.

Em realidade, o acórdão, embora refira a ausência de elementos para comprovar formalmente a natureza jurídica do perfil na rede social, conclui pela existência de provas suficientes para caracterizá-lo como uma “pessoa jurídica de fato”.

Assim, o julgado baseou-se na teoria da aparência e na atuação de fato da página eletrônica, que desenvolve, de modo habitual e profissional, divulgações e ações de publicidade mediante pagamento.

Na linha da jurisprudência do TSE, a ausência ou eventuais irregularidades na constituição formal da pessoa jurídica não impede a aplicação das normas restritivas previstas na legislação eleitoral quando se observa uma atuação própria dessa espécie de ente jurídico.

O enfrentamento da questão consta na seguinte passagem do voto:

Indubitavelmente, o referido sítio eletrônico é utilizado para fins comerciais e publicitários, consoante se denota pelas postagens envolvendo anúncios de mercados, restaurantes e sorteios, bem como pela linguagem comercial utilizada: ‘Aqui sua empresa CRESCE mais e de verdade’, ‘Parcerias via Direct”.

Logo, ainda que não seja possível identificar se o perfil cumpre ou não os requisitos legais para a constituição formal de pessoa jurídica, é certo que se trata, minimamente, de uma pessoa jurídica de fato, pois assim se apresenta e assim opera negócios com fins lucrativos.

Sobre reconhecimento de ser o perfil caxiasdosulmilgrau de pessoa jurídica, bem pontuou a douta Procuradoria Regional Eleitoral:

(…) ao se acessar os links disponibilizados na inicial, nota-se que pelo menos em um deles consta o perfil “caxiasdosulmilgrau” como divulgador da propaganda eleitoral, qual seja: https://www.instagram .com/reel/C-txypZNBOY/.

Por sua vez, o conjunto probatório (URLS, capturas de tela, áudios, transcrições) revela, sem sombra de dúvidas, que o perfil “Caxias do Sul Mil Grau” é uma pessoa jurídica, com fins lucrativos. Como exemplo, veja-se o que seu administrador disse para o ora recorrente MAURICIO: “Eu tenho CNPJ, eu tenho tudo, eu posso dar nota, tudo.” (ID 45702591 - g. n.).

Ademais, ainda que não fosse empresa formalizada, a jurisprudência da Justiça Eleitoral tem reconhecido a figura da pessoa jurídica de fato.

Com efeito, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral entende que, com base na teoria da aparência e na teoria da atuação de fato, eventuais lacunas ou vícios formais na constituição da pessoa jurídica não lhe retira o dever de observar a proibição à propaganda eleitoral na internet, consoante as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVOS. RECURSOS ESPECIAIS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL. REDE SOCIAL. ART. 57-C, § 1º, I, DA LEI DAS ELEIÇÕES. PESSOA JURÍDICA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.

1. A Corte paranaense, soberana na apreciação dos fatos e das provas, firmou, em virtude das particularidades do caso (alteração societária apenas formal/teoria da aparência), que o perfil denominado "Hora Certa", no qual foram veiculadas propagandas eleitorais semanais de aproximadamente 60 (sessenta) minutos em favor de Rodrigo Salvadori, é de propriedade de pessoa jurídica de fato, razão pela qual reconheceu o ilícito eleitoral descrito no art. 57-C, § 1º, I, da Lei das Eleições.

2. Impossível acolher as alegações no sentido de que o perfil é de titularidade de pessoa natural e inexiste veiculação de propaganda eleitoral, porquanto demandaria, impreterivelmente, o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE).

3. O entendimento explicitado pelo Tribunal Regional está em harmonia com a jurisprudência deste Tribunal, razão pela qual incide no caso o enunciado sumular nº 30/TSE, óbice igualmente extensível aos recursos alicerçados em afronta a lei.4. Agravo regimental desprovido.

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060005836, Acórdão, Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23/09/2022.

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. ART. 57-C, § 1º, I, DA LEI Nº 9.504/1997. PUBLICIDADE EM SÍTIO DE PESSOA JURÍDICA. PERFIL PESSOAL. FACEBOOK. VIÉS ELEITORAL DA MENSAGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SEDE ESPECIAL. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. CANCELAMENTO DE CNPJ. ATUAÇÃO DE FATO DA PESSOA JURÍDICA. TEORIA DA APARÊNCIA. PERSONALIDADE JURÍDICA CONSIDERADA. IRREGULARIDADE. MULTA. MONTANTE COMINADO. DECISÃO FUNDAMENTADA. PECULIARIDADE DO CASO. PROPORCIONALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.1. O reexame do conjunto fático-probatório dos autos é inviável em sede especial, por força do enunciado da Súmula nº 24/TSE.2. Na espécie, quanto ao conteúdo da mensagem impugnada caracterizar propaganda eleitoral negativa que não encontra guarida na liberdade de expressão, verifica-se que a modificação desse fundamento constante no acórdão regional esbarra no óbice da aludida súmula.3. O art. 57-C, § 1º, I, da Lei das Eleições proíbe a veiculação de propaganda eleitoral em sítio eletrônico de pessoas jurídicas, sujeitando o responsável à penalidade de multa.4. As normas que proíbem a participação de pessoas jurídicas no processo eleitoral visam assegurar, sobretudo, a igualdade de oportunidades entre os candidatos que concorrem ao pleito eleitoral, seja impedindo o desequilíbrio da disputa por meio de recursos advindos dessas pessoas, seja obstando a realização de propaganda eleitoral em favor de determinadas candidaturas.5. Deve ser afastada qualquer interpretação permissiva de pessoas jurídicas empreenderem esforços em favor de pré-candidatos ou candidatos, de qualquer espécie ou natureza, de modo direto ou indireto, sob o risco de se contemplar a inobservância de decisão proferida na ADI 4.650.6. Segundo a teoria da aparência, uma situação de fato que encobre situação jurídica formalmente verdadeira, contrária a ela, deve ser considerada para atrair as consequências legais decorrentes da realidade fática externada, incutida como verdadeira no ideário dos receptores dessa.7. No caso, a formalidade da baixa do CNPJ não tem o condão de afastar a irregularidade da publicidade eleitoral porquanto a sua veiculação se vincula substancialmente à pessoa jurídica.8. Quando o balizamento do montante da multa cominada está fundamentado no acórdão recorrido com supedâneo nas peculiaridades do caso não há que se falar em redução da quantia fixada por arguida contrariedade à proporcionalidade.9. Agravo a que se nega provimento.

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060038663, Acórdão, Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 13/12/2021.

Conforme tratado no mencionado voto do Ministro Carlos Horbach no julgamento do referido Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060005836, segundo a teoria da aparência, “uma situação de fato que encobre situação jurídica formalmente verdadeira, contrária a ela, deve ser considerada para atrair as consequências legais decorrentes da realidade fática externada, incutida como verdadeira no ideário dos receptores dessa”.

 

Diante disso, não constato a existência de qualquer contradição, erro material ou outro vício de clareza e de integridade no julgado, razão pela qual as alegações dos embargantes devem ser rejeitadas.

Por fim, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil, consideram-se “incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento”.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo não acolhimento dos embargos de declaração.