REl - 0600626-34.2024.6.21.0131 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no mural eletrônico da Justiça Eleitoral em 28.9.2024, e a irresignação apresentada em 29.9.2024. Presentes os demais pressupostos processuais, passo a analisar as razões recursais.

 

MÉRITO

A recorrente insurge-se contra a sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo, nos termos do art. 485, inc. I, do Código de Processo Civil, em razão da falta de elementos mínimos ao recebimento da representação.

Antecipo que, sobre a questão, o art. 1.013, § 1º, do Código de Processo Civil, ao tratar da extensão dos efeitos do recurso, estabelece que a apelação devolverá ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada, e que serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

No tocante à teoria da causa madura, dispõe o § 3º do art. 1.013 do CPC que, se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o Tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: a) reformar sentença que não resolve o mérito (inciso I); b) decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir (inciso II); c) constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo (inciso III); ou d) decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação (inciso IV).

Em virtude da caracterização do caso concreto na hipótese de teoria da causa madura, pode este Tribunal, desde logo, julgar o processo no estado em que se encontra, visto que as razões e provas suficientes a resolução da causa encontram-se já apresentadas pelas partes, não subsistindo o pedido subsidiário da parte recorrida de retorno dos autos para continuidade da tramitação na primeira instância.

No presente caso, CARINA PATRÍCIA NATH CORRÊA, candidata a prefeita no Município de Sapiranga, ajuizou representação alegando que RITA DE CÁSSIA DELLA GIUSTINA DE OLIVEIRA, também candidata a prefeita na municipalidade, através de seu perfil na rede social Instagram, publicou dois vídeos na modalidade Reels, sendo um deles impulsionado, alegando ser falsa a pesquisa publicada pela representante. Sustenta que, por se tratar de propaganda negativa, o impulsionamento nas redes sociais é proibido, nos termos da legislação eleitoral. Eis o texto das falas impugnadas:

" Uma pesquisa falsa para uma candidatura mentirosa: tentativa desesperada de enganar a população, onde segundo eles, faríamos em torno de 7 mil votos."

Vídeo 1

(0:00) Olá, comunidade! (0:02) Estávamos aqui agora numa live e fomos surpreendidos por uma pesquisa. (0:06) Uma pesquisa mentirosa contratada pelo partido PP da Prefeita dos Bens Bloqueados, (0:14) onde, numa tentativa de esconder que a estatua dos bens bloqueados, (0:19) que a polícia do crime organizado esteve dentro da prefeitura pela primeira vez na história de Sapiranga, (0:25) a polícia esteve dentro da prefeitura por licitação com corrupção. (0:32) É isso mesmo, Valdir. (0:34) Ela tenta esconder da população esses crimes que ela cometeu na administração pública (0:39) e ontem teve debate. (0:42) E após esse debate, numa tentativa desesperada de enganar a população, (0:47) porque ela perdeu no debate, estava lá lendo, porque não conhecia nem a sua cidade, (0:52) ela veio dizer que nós estamos hoje com 7 mil votos. (0:56) Nem ela acredita nisso, Valdir.(0:58) Imagina a população, onde 12.314 pessoas acreditaram. (1:05) Pediram para que a gente tivesse candidata hoje. (1:08) O Partido dos Trabalhadores aceitou o desafio e se uniu, (1:13) porque em 2022 eles tinham seus deputados estaduais e a unanimidade não era no meu nome.(1:19) Mas hoje é no meu nome e nós estamos trabalhando muito, (1:24) porque nós temos ainda o PDT, que é um partido forte. (1:28) O PSB, que veio somar muito

Vídeo 2

(0:00) Oi, oi gente, tudo bem? (0:02) Estou aqui para falar com vocês um pouquinho sobre essa pesquisa aqui que eu acabei de ver. (0:07) Sapiranga, nas últimas eleições, teve em torno de 47 mil eleitores que foram até a urna e votaram, (0:14) seja eles no candidato A, no candidato B, ou no candidato C, ou até branco ou nulo. (0:20) Esse fazia a somatória dos 47 mil eleitores. (0:23) Tranquilo, vamos lá. (0:24) Primeiro dado dessa pesquisa aqui é que a prefeita está com 61% dos votos. (0:31) Seriam 28 mil votos do que nenhum prefeito conseguiu fazer ainda na história de Sapiranga. (0:38) A prefeita mesmo, na última eleição, fez 18 mil votos. (0:43) A gente vai para o segundo dado, que é os 15%. (0:46) Os 15% da professora Rita. (0:48) Isso daria 7.050 votos. (0:51) Isso também é uma conta que não fecharia. (0:53) Na última eleição, a professora Rita fez 12 mil votos somente como deputada estadual. (0:59) Então imagine agora, com mais a força de todo o partido, e mais o PDT, e mais partidos que agregariam a ela. (1:07) Outra coisa é que brancos e nulos estariam na frente do Adriano, somando 4.700 votos em torno, os 10%, dos 47 mil. (1:17) Também é uma coisa improvável. (1:18) O Adriano, junto com a ex-prefeita Corinha Moulin, estaria com 2.800 votos. (1:26) Então essa pesquisa é algo surreal. (1:29) Essa pesquisa não tem base de dados suficiente para se sustentar sozinha. (1:36) Então não acreditem em pesquisas que não têm fundamento.

A magistrada a quo consignou que as críticas sobre a pesquisa eleitoral, objeto da controvérsia, encontram-se dentro do direito de liberdade de expressão, não configurando fake news ou difamação, mas, sim, uma opinião protegida no contexto da disputa política (ID 45744979). Vejamos:

(...)

No caso específico, o fato da candidata criticar a pesquisa ao afirmar que ela seria “falsa” e caracterizá-la como uma “tentativa desesperada” pode ser visto como uma expressão de sua opinião pessoal sobre a pesquisa, o que é permitido, pois se trata de uma avaliação crítica e não de uma acusação concreta e comprovada de falsidade.

Como a pesquisa questionada é devidamente registrada e seus parâmetros são públicos, o público eleitor tem acesso às informações necessárias para julgar a validade ou pertinência das críticas feitas pela candidata. Aliás, o fato de a pesquisa estar registrada não impede que ela seja objeto de crítica, análise ou contestação por outros candidatos ou pela sociedade civil.

O fato de o vídeo ter sido impulsionado e publicado em colaboração com outras páginas políticas não altera a natureza do discurso. O impulsionamento em si, não é vedado pela legislação eleitoral, desde que dentro dos limites estabelecidos pela norma especial e a publicação colaborativa entre partidos políticos e coligações é comum em campanhas eleitorais. (...)

No caso em exame, como acima afirmado, não cabe a este Juízo declarar a falsidade ou a veracidade do resultado da pesquisa, de forma que questões afeitas ao atendimento dos requisitos para divulgação da pesquisa eleitoral são objeto de feito em trâmite.. (...)

A matéria encontra-se regulamentada pela Lei n. 9.504/97:

Art. 57-C. Na internet, é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga. (Incluído pela Lei n. 12.034, de 2009) (...)

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações. (Incluído pela Lei n. 13.488, de 2017)

Destaco que o conteúdo impugnado, no tópico que contém crítica ao resultado da pesquisa eleitoral, encontra-se no campo da crítica política, albergada pela liberdade de expressão, que protege o direito de externar opinião, convicção, comentário, avaliação, crítica ou julgamento sobre qualquer assunto ou qualquer pessoa e, por isso, não se enquadra nas vedações da Lei Eleitoral.

De fato, o conteúdo da postagem, quanto a esse assunto, deve ser enquadrado como um juízo de valor emitido pela candidata, uma vez que ela faz uma interpretação pessoal e subjetiva sobre a pesquisa divulgada por sua adversária.

Nessa perspectiva, juízos de valor são uma parte legítima do debate político, especialmente quando envolvem questionamentos públicos de iniciativas ou declarações de opositores, sendo natural que, em uma eleição, haja confronto de ideias e percepções diferentes sobre fatos e números.

Além disso, sublinho que “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático” (art. 38 da Resolução TSE n. 23.610/2019).

Recente decisão oriunda do TRE-SP chegou à mesma conclusão com relação à crítica veiculada em redes sociais acerca de atuação de instituto de pesquisa. Nesse ponto, colaciono a ementa do julgado:

RECURSO ELEITORAL EM PEDIDO DE DIREITO DE RESPOSTA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL QUE CRITICA A ATUAÇÃO DE INSTITUTO DE PESQUISA. MENÇÃO AO CANDIDATO MAJORITÁRIO QUE NÃO CARACTERIZA AFIRMAÇÃO CALUNIOSA, DIFAMATÓRIA, INJURIOSA OU SABIDAMENTE INVERÍDICA. PROVIMENTO DO RECURSO. (TRE-SP - REl: 06003047220246260002 SÃO PAULO - SP 060030472, Relator: Claudio Langroiva Pereira, Data de Julgamento: 24/09/2024, Data de Publicação: 24/09/2024) (Grifei.)

O ponto mais ácido da postagem são os trechos em que a candidatura adversária é chamada de “mentirosa” (Uma pesquisa falsa para uma candidatura mentirosa: tentativa desesperada de enganar a população, onde segundo eles, faríamos em torno de 7 mil votos."), e a candidata recorrente é chamada de “prefeita dos bens bloqueados”

Tenho que assiste razão à recorrente ao entender que a propaganda em tela tem natureza negativa, que vai além da crítica política, e que o seu impulsionamento mostra-se irregular.

Seu conteúdo é manifestamente negativo. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou-se no sentido de que “o art. 57- C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações” (Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021).

Regulamentando o tema, a Resolução TSE n. 23.610/19 dispõe:

(...)

Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV):

(...)

§ 7º-A. O impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação que o contrate, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(...)

Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, federações, coligações, candidatas, candidatos e representantes (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

(...)

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita a(o) responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 2º).

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 3º) .

(...)

Com esse entendimento, o colendo Tribunal Superior Eleitoral mantém, para estas eleições, o entendimento de que veiculação de propaganda eleitoral de forma impulsionada na internet, em prejuízo de adversário político, encontra-se em desacordo com o art. 57-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97:

1. Recurso especial interposto contra acórdão do TRE/AL que manteve multa de R$5.000,00 imposta ao recorrente, candidato ao cargo de prefeito de Maceió/AL nas Eleições 2024, pelo impulsionamento de propaganda eleitoral antecipada negativa, em desacordo com os arts. 3º-B da Res.-TSE 23.610/2019 e 57-C, § 3º, da Lei 9.504/97.

2. Consoante o art. 3º-B, IV, da Res.-TSE 23.610/2019, incluído pela Res.-TSE 23.732/2024, permite-se o impulsionamento pago de conteúdo político-eleitoral na internet durante o período pré-eleitoral condicionado à observância das mesmas regras aplicáveis ao do período das campanhas.

3. Nos termos do caput do art. 57-C da Lei 9.504/97, "é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes". O § 3º do mesmo dispositivo dispõe que o impulsionamento de que trata o caput poderá ser contratado "apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações".

4. De acordo com a jurisprudência desta Corte, é vedado o impulsionamento de conteúdo negativo durante as campanhas eleitorais e o uso desse expediente no período pré-eleitoral também não é admitido.

5. A moldura fática do acórdão regional revela que o candidato recorrente veiculou de forma impulsionada no Instagram, em prejuízo de adversário político, "[...] críticas acerca da administração municipal de Maceió, com conteúdo negativo sobre a mesma".

6. Recurso especial a que se nega seguimento. (TSE - REspEl: 06001150420246020054 MACEIÓ - AL 060011504, Relator: Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 31/10/2024, Data de Publicação: Publicado no Mural - MURAL 261002, data 31/10/2024) (Grifei.)

Assentada a responsabilidade da recorrida, passo à fixação da multa aplicável pela violação do regramento eleitoral.

O art. 57-C, § 2º, da Lei n. 9.504/97 impõe como sanção pela violação do dispositivo legal multa no valor de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00 ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.

No caso concreto, tendo por norte o teor do impulsionamento negativo, que fora realizado em uma única ocasião, sopesando-se o alcance contratado com o provedor de aplicação, com alcance potencial de 10.000 a 50.000 pessoas, conforme dados constantes da biblioteca do anúncio (https://www.facebook.com/ads/library/?id=1852287728598775), fixo a multa em seu mínimo legal, R$ 5.000,00.

Ante o exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso para JULGAR PROCEDENTE a representação formulada por CARINA PATRÍCIA NATH CORRÊA e CONDENAR a recorrida RITA DE CÁSSIA DELLA GIUSTINA DE OLIVEIRA ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por violação à regra do art. 57-C, §3º, da Lei n. 9.504/97.