PC-PP - 0600239-92.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O Diretório Estadual do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB apresentou contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2021, disciplinado pela Resolução TSE n. 23.604/19.

A Secretaria de Auditoria Interna (SAI) deste Tribunal, examinando a movimentação financeira e os documentos acostados pela agremiação no curso do processo, identificou irregularidades remanescentes quanto ao recebimento de recursos de fontes vedadas.

Em petição de ID 45469675, o partido requer, em sede de controle difuso, a declaração de inconstitucionalidade do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95 e alega violação ao princípio federativo,  art. 1º, caput, da CF/88.

Passo à análise.

1. QUESTÕES ANTECEDENTES

1.1. Inconstitucionalidade do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95

No presente tópico, o PSDB alega que o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 padeceria de inconstitucionalidade. Requer que este Tribunal assim entenda, forma incidental. Entende feridos, em síntese, o princípio da isonomia, o direito à livre associação e o princípio da autonomia partidária, todos presentes na Carta Magna.

Sem razão.

A redação alegadamente inconstitucional foi dada pela Lei n. 13.488/17. Cuida-se, sem dúvida, de regra de cunho restritivo, mas que não padece de inconstitucionalidade. Há, no ordenamento jurídico, uma infinidade de normas limitadoras de direitos e garantias fundamentais, e o que permite que elas existam é, exatamente, o postulado da igualdade: o que o inc. V do art. 31 determina é uma condição, pois, desde que filiadas a partido político, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário podem contribuir para o respectivo partido.

Ora, a proibição de desigualdade no tratamento, protegida constitucionalmente, incide obviamente em relação a cidadãos na mesma situação. O legislador – aliás com acerto, apenas diferenciou as circunstâncias de possibilidade de doação do filiado a partido político daquele não filiado, e nada há de inconstitucional nisso. A uma série de categorias de servidores públicos, por exemplo, é vedada a própria filiação a partido político (situação bem mais drástica), e daí não ressai qualquer inconstitucionalidade, mas sim regra restritiva, que visa salvaguardar valores mais importantes, em escolha realizada pelo legislador ordinário.

Há uma simples escolha, aqui, a ser realizada. Se a cidadã, ou cidadão, na situação funcional do art. 31, inc. V, deseja contribuir para agremiação partidária, deve a ela filiar-se. Do contrário, não é possível. Nota-se, de longe, uma regra que prestigia a clareza, a transparência das doações a partidos políticos. Imagine-se que, vingando a tese do recorrente, uma pessoa não filiada a partido poderia doar a várias agremiações, situação que o legislador também já entendeu maléfica ao Estado Democrático de Direito ao proibir as doações de pessoas jurídicas – que, não raro, doavam a mais de uma agremiação e/ou candidato.

Esta Corte já se deparou com questão que tangencia a alegada inconstitucionalidade, na Consulta n. 0600076-83, rel. Des. ROBERTO CARVALHO FRAGA, DJe de 15.6.2020. Ao que importa, considerou permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação. Eis a ementa:

CONSULTA. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO REGIONAL. QUESTIONAMENTO ACERCA DA LICITUDE DE DOAÇÕES ORIUNDAS DE FILIADOS EM PARTIDO DIVERSO DA AGREMIAÇÃO DESTINATÁRIA DOS RECURSOS. VEDADO. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA.

1. Indagação formulada por partido político, diretório regional, referente à licitude de doações oriundas de filiados a agremiação diversa daquela destinatária dos recursos.

2. O art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 estabelece a vedação ao recebimento de doações, pelas agremiações partidárias, advindas de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. Norma que institui exceção no ordenamento jurídico eleitoral, devendo receber interpretação restritiva, especialmente por ter sido editada em razão de situação peculiar, não podendo ser ampliada de forma extensa, sob pena de contrariar o próprio sentido da norma geral. Nesse contexto, cabe excluir de seu sentido toda e qualquer interpretação que possibilite que filiados a uma agremiação possam doar recursos financeiros a partido político diverso daquele ao qual estão ligados pelo vínculo de filiação. Cumpre ainda destacar a disposição do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95, que veda a coexistência de mais de uma filiação partidária, a corroborar a congruência argumentativa.

3. Consulta conhecida e respondida: "Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação." (Grifei)

 

E o mesmo raciocínio há de ser aplicado em relação ao argumento da autonomia partidária, pois evidentemente os partidos políticos podem bastante, mas não podem tudo. Não podem, assim, escolher de quem receberão valores, sobretudo quando há regra expressa de vedação. Autonomia é autonomia na lei, e não fora dela.

Afasto a arguição de inconstitucionalidade do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95.

1.2. Alegada violação ao pacto federativo. Tribunal Superior Eleitoral. Resoluções e determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional

No presente tópico, o prestador de contas alega, em síntese, que o Tribunal Superior Eleitoral teria desbordado de suas atribuições constitucionais ao fazer constar na Resolução n. 23.604/19 a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, ao passo que a legislação ordinária, nomeadamente o art. 37 da Lei n. 9.096/95, determinaria apenas "a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada", de forma que não haveria previsão, na Lei dos Partidos Políticos, que amparasse a determinação de recolhimento desses valores ao Tesouro Nacional.

Tais circunstâncias acarretariam, ainda conforme o prestador de contas, violação do pacto federativo, constante no art. 1º, caput, da Constituição da República, e enriquecimento ilícito do Estado.

Também aqui sem razão, antecipo.

O caráter regulamentar extraordinário (ou função legislativa atípica) das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral é, há muito, reconhecido pelo e. Supremo Tribunal Federal (por exemplo, STF. Plenário. ADI 5104 MC/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, ocasião em que foi decidido que "(...) a Resolução do TSE pode ser impugnada no STF por meio de ADI se, a pretexto de regulamentar dispositivos legais, assumir caráter autônomo e inovador".

Nessa ordem de ideias, cabe ao TSE, por meio da edição de resoluções, esmiuçar, detalhar, trazer operacionalidade aos preceitos legais - e esse é o caso do nitidamente lacunoso art. 37 da Lei n. 9.096/95. 

Transcrevo a redação legal:

Art. 37. A desaprovacao das contas do partido implicara exclusivamente a sancao de devolucao da importancia apontada como irregular, acrescida de multa de ate 20% (vinte por cento).

E transcrevo, igualmente, o artigo regulamentar ora combatido:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o orgao partidario a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da Uniao (GRU), ate o ultimo dia util do mes subsequente a efetivacao do credito em qualquer das contas bancarias de que trata o art. 6o, sendo vedada a devolucao ao doador originario.

§ 1o O disposto no caput tambem se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que nao te- nham sido estornados no prazo previsto no § 5o do art. 11, os quais devem, nessa hipotese, ser recolhi- dos ao Tesouro Nacional.

O prestador de contas apenas olvidara de indicar regra aplicável de forma antecedente, em que há a previsão de prazo para a devolução dos valores, como agora pretendido - o último dia do mês subsequente.

E o prestador não obedeceu a tal prazo.

Transcrevo o § 5º do art. 11 da Resolução TSE n. 23.604/19:

Art. 11. Os órgãos partidários de qualquer esfera devem emitir, no prazo máximo de 5 (cinco) dias contados do crédito na conta bancária, recibo de doação para:

(...)

 

§ 5º Os partidos políticos podem recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13.

 

Note-se que a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional surge, na Resolução TSE n. 23.604/19, somente após desobedecido o prazo para devolução dos valores ("que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º  do art. 11"), em regra cujo caráter é nitidamente periférico, acessório, secundário.

Afasto também esta alegação. 

2. MÉRITO DAS CONTAS

No mérito, a unidade técnica constatou doações realizadas por pessoas físicas, não filiadas ao partido político, que exerciam função ou cargo público de livre nomeação ou exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ao tempo das contribuições, no montante de R$ 8.414,15.

Observo que, do total referido, R$ 1.719,75 foram verificados após a agremiação trazer esclarecimentos concernentes a recursos apontados como de origem não identificada, ou seja, identificada a origem, revelou-se fonte vedada.

Nomeadamente, as contribuições estão assim listadas pelo órgão técnico:

A prática afronta a regra estabelecida no art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.604/19, c/c art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95:

Resolução TSE n. 23.604/2019

Art. 12. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Lei 9.096/1995

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

A agremiação alega serem regulares as contribuições, mas deixa de apresentar documentos capazes de sanar o apontamento, restringindo-se a questionar a legalidade da norma, como discorrido acima.

Além disso, apresentou comprovantes de devolução, aos doadores, das contribuições recebidas de Itanajara Tisther da Silveira Silva (R$ 1.256,00), Luciano Weber Kops (R$ 1.980,00) e Maurini Guimarães dos Santos (R$ 360,00), alcançando a importância de R$ 3.596,00, conforme ID 45469728,

Por pertinente, destaco que as contribuições objeto de estorno aos doadores ocorreram conforme quadro abaixo:


 

O estorno de doações indevidas está previsto na Resolução TSE n. 23.604/19, art. 11, §§ 5º e 6º:

Art. 11.

§ 5º Os partidos políticos podem recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13.

§ 6º Na hipótese do § 5º ou quando verificado erro, o partido político deve promover o cancelamento do respectivo recibo e, conforme o caso, emitir um novo para o ajuste dos dados, especificando a operação em nota explicativa no momento da apresentação da prestação de contas.

 

Sublinho que as citadas devoluções aos contribuintes foram todas efetivadas na data de 21.12.2021, admitindo, na inteligência do § 5º suprarreferido, devoluções de doações recebidas a partir do mês de novembro (mês antecedente à devolução).

Pois bem.

Do cotejo entre os dados constantes na tabela e os estornos providenciados pela agremiação, verifica-se que as doações recebidas nos meses de novembro e dezembro, abrigadas pela disposição legal, são as seguintes: R$ 165,00 (03.11.2021) e R$ 165,00 (02.12.2021) oriundas de Luciano Weber Kops; e R$ 30,00 (03.11.2021) e R$ 30,00 (02.12.2021) oriundas de Maurini Guimarães dos Santos, as quais totalizam R$ 390,00.

No referente à devolução das demais contribuições, na quantia de R$ 3.206,00 (R$ 3.596,00 – R$ 390), por ter sido efetuada após o prazo limite determinado para devolução de doação indevida, não é apta a afastar a irregularidade.

Dessa forma, deve ser afastada a proposta de glosa de R$ 390,00, recebidos indevidamente, mas devolvidos no prazo legal.

Assim, a irregularidade compõe a quantia de R$ 8.024,15 (R$ 8.414,15 – R$ 390,00).

Nessa linha de raciocínio, cabe ordenar o recolhimento de R$ 8.024,15 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

A título de desfecho, destaco: a irregularidade representa somente 0,19% dos recursos recebidos pela agremiação, R$ 4.024.427,83, permitindo, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, o juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas, relativas ao exercício financeiro do ano de 2021, do Diretório Estadual do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB, e para determinar o recolhimento de R$ 8.024,15 ao Tesouro Nacional, decorrente do recebimento de recursos de fonte vedada.