PCE - 0603018-20.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

Cuida-se de analisar as contas prestadas por ANA BEATRIZ OVIEDO OLIVEIRA, candidata não eleita ao cargo de deputada estadual, relativas às Eleições de 2022.

Inicialmente, analiso como preliminar a manifestação ministerial pelo julgamento das contas como não prestadas porque a regularização da representação processual da candidata, mediante juntada de procuração ao advogado constituído, ocorreu no feito de forma intempestiva.

Segundo o órgão ministerial: "deve-se atentar que se não for saneada a representação processual na instância ordinária, por ocasião do seu julgamento, as contas deverão ser julgadas não prestadas (art. 74, § 3º-B, da Res. TSE n. 23.607/19)."

Transcrevo o dispositivo invocado:

Art. 74. Apresentado o parecer do Ministério Público e observado o disposto no parágrafo único do art. 73 desta Resolução, a Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo (Lei nº 9.504/1997, art. 30, caput) :

(…)

§ 3º-B Se não for saneada a representação processual na instância ordinária, por ocasião do seu julgamento, as contas deverão ser julgadas não prestadas. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

 

Como se vê, o julgamento de contas como não prestadas, decorrente de falta de procuração, somente ocorre “se não for saneada a representação processual na instância ordinária”, o que não se verifica na hipótese em tela, pois a irregularidade foi sanada nesta instância ordinária.

As instâncias judiciais dividem-se em ordinárias e excepcionais, aí compreendidas a especial e extraordinária, e o esgotamento da instância ordinária significa “o percurso de todo o íter recursal cabível antes do acesso à Suprema Corte” (STF, RCL n. 24.686, Relator Ministro Teori Zavascki, Segunda Tur­ma, julgado em 25.10.2016).

O presente processo trata-se de prestação de contas de campanha das Eleições Gerais, cuja apreciação é originária deste Tribunal, e mesmo que se tratasse de julgamento de recurso interposto contra sentença de julgamento de contas de campanha da eleição municipal, ainda assim o feito estaria sendo analisado na via ordinária.

Em sede de processo de prestação de contas, a falta de procuração é vício sanável nas instâncias ordinárias com a apresentação da procuração, mesmo que de forma extemporânea, na esteira do julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, relatado pelo Exmo. Ministro Carlos Horbach:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS POR AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INSTRUMENTO DE MANDATO ACOSTADO APÓS A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. FALHA SANÁVEL. REGULARIZAÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. A controvérsia posta nos autos cinge-se à possibilidade de se afastar o julgamento das contas como não prestadas pela ausência de instrumento de mandato para constituição de advogado, quando o candidato, embora intimado, regularizou sua representação processual apenas por ocasião da interposição do recurso eleitoral, posteriormente à publicação da sentença zonal.

2. Afasta-se, no caso, o julgamento das contas como não prestadas aos seguintes fundamentos: (i) o CPC/2015 ampliou as faculdades de saneamento de eventuais vícios formais mesmo nas instâncias superiores, priorizando o exame de mérito; (ii) a regularização tardia da representação processual, conquanto indesejável, não pode suplantar o exame das contas, inafastável - por ato de disposição voluntária do candidato - a apuração pela Justiça Eleitoral da escorreita destinação dos recursos empregados, sobretudo porque pode haver repasses de natureza pública; (iii) o julgamento das contas como não prestadas enseja penalidade extremamente gravosa à esfera jurídica do candidato, devendo incidir apenas nos casos em que efetivamente não houve apresentação das contas; (iv) o TSE aplica os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na apreciação das irregularidades apuradas em sede de prestação de contas; com mais razão, devem incidir os aludidos princípios no caso em que verificada falha meramente formal, cujo saneamento independe de análise técnica especializada; e (v) este Tribunal, no julgamento da Instrução nº 0600749-95/DF, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 23.12.2021, alterou a Res.-TSE nº 23.607/2019, revogando o § 3º do art. 74 da aludida norma - que impunha o julgamento das contas como não prestadas, na hipótese em que não há representação processual -, prevalecendo a orientação de que a ausência de instrumento de mandato não pode representar, irreparavelmente, a não prestação de contas. Conquanto o referido julgamento seja posterior ao regramento aprovado para as Eleições 2020, a evolução do pensamento desta Corte, aliada à circunstância de que o ora recorrente efetivamente regularizou sua representação processual nos autos da prestação de contas, ainda nas instâncias ordinárias, idêntica ratio decidendi deve ser aplicada neste caso.

3. Embora suscitada por ocasião dos embargos de declaração, não há como conhecer da alegada existência de mandato tácito, pois, ainda que se cogitasse a aplicação do art. 1.025 do CPC/2015, mediante reconhecimento de prequestionamento ficto, na espécie: (i) o recorrente deixou de apontar, nas razões do recurso especial, a omissão da Corte de origem no enfrentamento da questão; (ii) para concluir pela efetiva indicação de advogado representante na ficha de qualificação apresentada pelo prestador de contas, seria necessário revolvimento do acervo probatório dos autos por se tratar de premissa fática não explicitada no acórdão regional (Súmula nº 24/TSE). Reconhece-se, de outro lado, prejudicado o exame da tese aventada.

4. Recurso especial parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que, afastada a irregularidade da representação processual, julgue as contas do candidato, ora recorrente.

(TSE – REspEl n. 0600306-66, Ministro Carlos Horbach, Publicação: DJe, 17.06,2022, grifei,)

 

Dessarte, rejeito a preliminar.

No mérito, o parecer conclusivo apontou irregularidades no recebimento e na utilização de recursos de origem não identificadas (RONI), no total de R$ 2.314,90, e a Procuradoria Regional Eleitoral, além dessas falhas, referiu inconsistências na aplicação de valores oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor de R$ 3.000,00, e do Fundo Partidário (FP) no montante de R$ 15.000,00, totalizando R$ 18.000,00, consistentes em: a) pagamentos de notas fiscais efetivados com recursos sem o trânsito por conta registrada nesta prestação, de doadores (ou doadoras) não declarados, em desconformidade com o art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, e b) despesas com fornecedoras que possuem grau de parentesco com a candidata.

Passo à análise das irregularidades:

a) Recebimento de recursos de origem não identificada

Apontou-se a emissão de três notas fiscais contra o CNPJ da candidatura, no montante total de R$ 2.314,90, relativos à emissão da nota fiscal eletrônica n. 202200000001063, do fornecedor CALICH E CALICH LTDA., no valor de R$ 233,00, as notas fiscais 202200000003385 e 202200000003392, ambas do fornecedor IMPRESUL SERVICO GRAFICO E EDITORA LTDA., nos valores de R$ 1.937,90 e R$ 144,00, respectivamente, cujos pagamentos não transitaram nas contas de campanha (item 3 do parecer conclusivo, ID 45502235).

Contudo, não há valores correspondentes a essas transações nas contas de campanha, fator que impossibilita a verificação da origem dos recursos e do seu adimplemento.

A candidata não exerceu seu direito de manifestação quanto a esse item.

Assim, verifica-se que efetivamente os documentos fiscais não restaram cancelados junto ao órgão tributário correspondente, conforme exige o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, nem há prova de que a prestadora de contas tenha realizado esforço para corrigir as notas fiscais junto ao fisco.

Nesse sentido, anoto que esta Corte firmou o entendimento de que, “havendo o registro do gasto nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas” (TRE-RS, Prestação de Contas Eleitoral n. 0602944-63.2022.6.21.0000, Relatora Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, publicado em sessão em 1º.12.2022).

A Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 92, §§ 5º e 6º, exige comprovação do cancelamento do documento junto à respectiva autoridade fazendária:

Art. 92. A Secretaria da Receita Federal do Brasil e as secretarias estaduais e municipais de Fazenda encaminharão ao Tribunal Superior Eleitoral, pela internet, arquivo eletrônico contendo as notas fiscais eletrônicas relativas ao fornecimento de bens e serviços para campanha eleitoral (Lei n. 9.504/1997, art. 94-A, I), nos seguintes prazos:

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor. (Grifei.)

 

No mesmo passo, a quitação dos débitos não transitou em conta bancária registrada nesta prestação de contas.

Destarte, realizados os pagamentos dessas faturas por meio diverso das contas registradas para a campanha, considera-se o montante de R$ 2.314,90 como recurso de origem não identificada, devendo esse valor ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme inteligência dos arts. 14, § 2º, 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

b) Despesas com fornecedoras que possuem grau de parentesco com a candidata

A Procuradoria Regional Eleitoral identificou a realização de despesas junto a fornecedoras de campanha que possuem relação de parentesco com a prestadora de contas em exame (filhas), o que pode indicar suspeita de desvio de finalidade.

Destaco que a contratação efetuada pela candidata recaiu sobre suas filhas TAMIRES OVIEDO DA SILVA e RAFFAELA CHISTINI OVIEDO DA SILVA, nos valores de R$ 15.000,00 e R$ 3.000,00, para “atividades de panfletagem” e “assistente para a campanha eleitoral” (ID 45371586 e 45371592).

Verifico que os contratos não especificam os locais de trabalho, as atividades executadas e nem justificam o preço contratado.

Ainda, quanto aos valores contratados, como bem pontuado pelo órgão ministerial em seu parecer, há valores incompatíveis, pois enquanto Tamires obrigou-se a exercer uma carga horária diária de apenas 5 horas e a receber R$ 15.000,00 por 45 dias de trabalho - equivalentes a R$ 10.000,00 por 30 dias -, Raffaela recebeu R$ 3.000,00 por 30 dias de trabalho, com uma carga horária diária de 8 horas e 30 minutos.

De fato, com razão a Procuradoria Regional Eleitoral, sendo percuciente o argumento de que, ao examinar o contrato de um contratado que não era parente da candidata, Jackson Barbosa da Silva (ID 45371591), percebe-se que, apesar de ele cumprir uma carga horária igual a de Raffaela, obrigando-se a prestar “atividades de líder de equipe, responsável pela organização e conduta dos colaboradores” (Cláusula Terceira), a quantia que lhe foi destinada acabou sendo bem inferior: R$ 2.985,00 por 45 dias - equivalente a R$ 1.990,00 por 30 dias.

O pagamento dos serviços deu-se com verba pública (FEFC e FP), a qual demanda intensa cautela em relação aos princípios tocantes a sua administração.

A utilização de recursos públicos do FEFC e do FP para quitação de serviço de campanha realizado pelas filhas da candidata de forma irregular configura afronta aos princípios que norteiam o uso do dinheiro público, notadamente os da moralidade e impessoalidade, principalmente por ter a prestadora destinado a parentes consanguíneos o repasse público, sem atentar para o formalismo mínimo necessário às contratações.

Verifica-se que o entendimento desta Corte é unânime pela vedação quanto ao uso indevido de recursos públicos em contratos, tendo parentes como partes contratadas. Nesse sentido, segue ementa do Des. José Luiz John dos Santos:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. IRREGULARIDADE EM DESPESAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS. ALTO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

2. Uso indevido de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC no adimplemento de débitos, sem a adequada comprovação. 2.1. Despesas quitadas com valores públicos sem a apresentação de nota fiscal. O art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, em seu § 2º, inc. I, determina que as verbas do FEFC direcionadas ao impulsionamento de conteúdos, quando não utilizadas, devem ser transferidas ao Tesouro Nacional. No caso dos autos, realizados pagamentos de despesas de impulsionamento junto ao Google e ao Facebook, sendo comprovado apenas parte do valor, recaindo sobre o candidato somente a obrigação de recolher o montante não utilizado pela empresa contratada em sua campanha. 2.2. Ausente comprovação de despesas. Identificada carência de documentação detalhada a justificar uma série de gastos, em afronta ao art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. Afastada a glosa quanto à despesa com honorários advocatícios. 2.3. Despesas com alimentação adimplidas com verbas do FEFC. O art. 35, § 6º, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19 assenta que os gastos com alimentação, quando de natureza pessoal do candidato, não se sujeitam à contabilidade eleitoral e não podem ser quitados com recursos de campanha. 2.4. Irregularidade em despesas com pessoal. Identificadas 14 contratações realizadas em desacordo com o disposto no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19. Os documentos colacionados ao feito, em sua totalidade, foram redigidos sem pormenorizar elementos essenciais à verificação das atividades contratadas, prejudicando a fiscalização desta Justiça Eleitoral quanto à escorreita destinação dos valores públicos. Ademais, uma das contratações efetuadas pelo candidato recaiu sobre seu filho. Com efeito, a utilização do FEFC para quitação de serviço de campanha realizado pelo filho do candidato configura afronta aos princípios que norteiam o uso do dinheiro público, com relevo aos da moralidade e impessoalidade, máxime por ter o prestador destinado a parente consanguíneo o repasse público, sem atentar para o formalismo mínimo dispensado às contratações de serviços. 2.5. Registradas 16 operações relacionadas à aquisição de combustível, sem que tenha aportado ao feito cessão ou locação veicular. O inc. II do § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 determina que o gasto com combustível constitui despesa eleitoral, desde que os veículos utilizados em campanha – cedidos ou locados – sejam declarados e os dispêndios relatados. No ponto, o prestador não se desincumbiu do ônus de comprovar as expensas quitadas com recursos do FEFC.

3. O total das irregularidades alcança 61,81% do total auferido em campanha e impõe a desaprovação das contas, com recolhimento ao erário.

4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PCE n. 0603628-85.2022.6.21.0000, Relator Des. José Luiz John dos Santos, julgado em 09.10.2023, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 187, Data: 11.10.2023) (Grifei.)

 

Destarte, o valor de R$ 18.000,00 deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, consoante o art. 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

c) Conclusões

Por conseguinte, o total das irregularidades soma o montante de R$ 20.314,90 (R$ 15.000,00 + R$ 3.000,00 + R$ 2.314,90), equivalentes a 81,26% dos recursos recebidos pela candidata em sua campanha (R$ 25.000,00), e extrapola os parâmetros, fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (inferior a 10% da arrecadação financeira, menor que R$ 1.064,10).

Dessa forma, impõe-se a desaprovação das contas, na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nos termos da fundamentação, concluo que o valor total a ser recolhido ao erário é de R$ 20.314,90, relativos à irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor de R$ 3.000,00, do Fundo Partidário (FP) no valor de R$ 15.000,00, e ao recebimento de recursos de origem não identificada no montante de R$ 2.314,90.

Ante o exposto, rejeito a preliminar de julgamento das contas como não prestadas e VOTO pela desaprovação das contas relativas ao pleito de 2022, apresentadas por ANA BEATRIZ OVIEDO OLIVEIRA, e pelo recolhimento de R$ 20.314,90 ao Tesouro Nacional, acrescidos de juros e de correção monetária, relativos à aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no valor de R$ 3.000,00, do Fundo Partidário (FP) no valor de R$ 15.000,00, e ao recebimento de recursos de origem não identificada no montante de R$ 2.314,90.

Após o trânsito em julgado e o cumprimento das obrigações impostas, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição.