REl - 0600287-30.2024.6.21.0049 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/11/2024 às 14:00

 VOTO

O recurso é tempestivo.

A sentença hostilizada considerou não excedidos os limites da liberdade de expressão e de crítica, especialmente argumentando que não há desinformação. Ainda, que os representantes não lograram êxito em comprovar que o vídeo e seus compartilhamentos sejam de autoria da Coligação São Gabriel nos Une e/ou do candidato Lucas Gonçalves Menezes, ou que esses sabiam da sua existência antes da sua confecção. Por fim, consignou ser impossível a cumulação do pedido de retratação no rito da ação de representação.

Nesse sentido, colho na sentença (ID 45721043):

É cediço que a Representação Eleitoral é instrumento jurídico que não admite a dilação probatória, em razão da celeridade de seu rito.

Por isso, deve ser instruída com provas cabais necessárias ao seu provimento, sob pena de indeferimento da Petição Inicial.  

A Representante  juntou aos autos, como prova, o vídeo impugnado, com o número de visualizações, além de conteúdos informativos acerca da construção histórica denominada "Villa Eulália". 

Verifico, no caso em análise, a ausência de qualquer conteúdo irregular na publicação trazida aos autos, conforme demonstrado a seguir. 

A) PRÉVIO CONHECIMENTO DOS BENEFICIÁRIOS

Dispõe a Lei nº 9.504/1997 acerca da Representação por propaganda irregular:

Art. 40-B. A representação relativa à propaganda irregular deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável. 

A Representante, contudo, deixou de comprovar que o vídeo veiculado nas redes sociais Facebook e Instagram, bem como seus compartilhamentos, sejam de autoria da Coligação São Gabriel nos Une e/ou do candidato a prefeito Lucas Gonçalves Menezes, ou que estes sabiam da sua prévia existência.

Trata-se, consequentemente, de mera alegação da parte Representante sem, contudo, qualquer substrato comprobatório. 

A jurisprudência posiciona-se nesse sentido:

EMENTA. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ELEITORAL. JUNTADA DO RECURSO NO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO EM AUTOS DIVERSOS. ERRO ESCUSÁVEL. INTEMPESTIVIDADE NÃO CONFIGURADA. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. OCORRÊNCIA DE REAÇÕES NÃO AUTÊNTICAS NA PÁGINA DO CANDIDATO NA REDE SOCIAL FACEBOOK. SUPOSTA UTILIZAÇÃO DE FERRAMENTA DIGITAL NÃO DISPONIBILIZADA PELO PROVEDOR DE INTERNET. ART. 57-B, §3º DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVA DE AUTORIA OU PRÉVIO CONHECIMENTO DO BENEFICIÁRIO. PRESSUPOSTO PARA O RECONHECIMENTO DA PROPAGANDA SUPOSTAMENTE IRREGULAR, NA FORMA DO ART. 40-B DA LEI Nº 9.504/97. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. INAPLICABILIDADE. INCABÍVEL A APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-B, § 5º, DA LEI 9.504/97. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (REPRESENTACAO n 0603556-78.2018.6.16.0000, ACÓRDÃO n 54587 de 29/01/2019, Relator TITO CAMPOS DE PAULA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 06/02/2019).

Assim, os Representados "Coligação São Gabriel nos une" e "Lucas Gonçalves Menezes" não possuem legitimidade passiva ad causam.

B) DA IMPOSSIBILIDADE DO PEDIDO DE RETRATAÇÃO NO RITO DA AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DO ART. 96 DA LEI N.º 9.504 DE 1.997

Em que pese a extensão conceitual do instituto da Representação, a legislação não abarca a hipótese da retratação nos termos pugnados na Exordial.

Referida ferramenta jurídica, observadas as previsões legais, é um resultado possível da ação de direito de resposta estabelecida no Art. 58 da Lei 9.504/97.

Nesse sentido, entende o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE RETRATAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PRELIMINARES AFASTADAS. RITO DO ART. 96, CAPUT, DA LEI N. 9.504/97. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE RETRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DIREITO DE RESPOSTA. INCOMPATIBILIDADE DE PROCEDIMENTOS. RITO PRÓPRIO. REPRESENTAÇÃO IMPROCEDENTE. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso contra sentença que julgou procedente a representação, para determinar a retratação referente à propaganda veiculada como uma “Nota de Repúdio” nas redes sociais Facebook e Instagram, e replicada na imprensa escrita, em face de mensagem realizada em grupo do Whatsapp. 2. Matéria preliminar rejeitada. 2.1. O art. 96, caput, da Lei n. 9.504/97 confere legitimidade ativa a “qualquer partido político, coligação ou candidato” que se considere atingido por propaganda eleitoral irregular veiculada por terceiro, condição suficiente para se reconhecer, in status assertionis, a legitimidade ativa do representante. 2.2. Caracterizada a legitimidade passiva dos ora recorrentes, pois a aptidão da publicação por eles realizada para agredir a honra dos representados é questão pertinente ao mérito da demanda. 2.3. A pouca repercussão das divulgações sobre o eleitorado é ponto a ser demonstrado no curso da instrução, devendo ser debatido com o mérito recursal. 2.4. As representações por propaganda eleitoral irregular não têm seu pedido limitado à remoção das publicações, de modo que não há de se falar em perda de objeto em razão de eventual exclusão do conteúdo da internet. 3. Representação que tramitou sob o rito previsto no art. 96 da Lei n. 9.504/97, para o qual a legislação eleitoral não prevê o pedido de “retratação” na propaganda eleitoral, restando configurada a impossibilidade jurídica do pedido. 4. Ainda que a sentença tenha referido em sua fundamentação o art. 58 da Lei n. 9.504/97, é inviável se conceber a presente demanda como pedido de direito de resposta por incompatibilidade de procedimentos, já tendo este Tribunal assentado que “o direito de resposta possui rito próprio e deve ser exercido nos estritos limites legais” (RE n. 33225 MARAU - RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 13.12.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 227, Data: 15.12.2016, p. 5.). 5. Não demonstrado com precisão na petição inicial o conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, restringindo-se a alegação genérica de que o teor das peças impugnadas "criaria artificialmente e de forma implícita, negativamente na mente da comunidade, deduções inverídicas com relação à Coligação". 6. Provimento. Improcedência da representação. (Grifei)

Portanto, indefiro o pedido de retratação postulado pela parte Representante, porquanto incabível no rito processual da ação de Representação, com base no previsto no art 96 da Lei n.º 9504 de 1.997.

C) DO MÉRITO

Quanto ao mérito, como já decidido em outras ações com objeto similar a esta, o representado Antônio Pedro de Brito Bertazzo veiculou em seu perfil nas redes sociais Facebook e Instagram vídeo em que manifesta, em discurso livre, acerca do que pensa sobre si, bem como sobre a oposição política, no que diz respeito à verdade dos fatos, em uma conotação genérica.

Dito isso, não há, como verifico, no material jungido à Exordial pela Representante, quaisquer indícios de "uma campanha de desinformação orquestrada" contra ela, haja vista que o fato do candidato a cargo de vereador, Pepeca Bertazzo, dizer em vídeo que "está com a verdade" e que "a ação judicial antes interposta não irá lhe calar" não extrapola os limites da liberdade de expressão ou do direito à crítica, inerentes ao debate democrático, 

Nesse mesmo sentir, a Res TSE n.º 23.610 de 2.019, ao regular a propaganda eleitoral, não faz nenhuma vedação à divulgação de vídeos de autopromoção de candidatos em suas redes sociais. 

Observo, assim, que a insurgência da Representante se dá sobre conteúdo que consiste, na forma como mencionado, na manifestação espontânea de candidato à Câmara dos Vereadores que não faz afronta direta e/ou voltada à Representante, mas que, de forma abrangente, se autopromove.

Verifica-se, pois, que o teor do vídeo, considerado na íntegra, não revela conteúdo desinformativo, descontextualizado, deturpado ou sabidamente inverídico (fake news), trata-se de mensagem com apontamentos e análies de cunho estritamente políticos, o que é aceitável na dinâmica do processo eleitoral, bem como na construção do debate democrático.


Ressalte-se que a Res TSE 23.610 de 2.019 faz vedação expressa à propaganda eleitoral nos bens de uso comum, o que não se aplica ao caso concreto, haja vista que o vídeo impugnado fora publicado nas redes sociais do Representado, tendo sido apenas gravado em local público, sem a presença de eleitores como interlocutores diretos, o que descaracteriza a propaganda em bem de uso comum.

Outrossim, o fato da casa da família da Representante aparecer no cenário, "ao fundo do vídeo, onde se vê desfocada", nas próprias palavras trazidas na Inicial, em nada desabona ou desqualifica a Autora, haja vista que o Representado não teceu nenhum comentário sequer acerca disso, não havendo o que se analisar, pois não resta caracterizado impedimento legal.  

Tenho que críticas ou descontentamentos são inerentes às condutas de candidatos a cargos públicos, e que esses episódios podem ter a sua regularidade analisada pela Justiça Eleitoral e, quando em desconformidade com os princípios inerentes ao certame político, devem ser afastados, ensejando as consequências necessárias à não repetição.

Entretanto, no caso dos autos não verifico existir conduta que tenha extrapolado o contexto de práticas regulares de campanha eleitoral, tudo conforme acima efetivamente fundamentado.

Por fim, saliento que sendo exacerbados os limites em questão e, caso trazidos à análise da justiça eleitoral, providências específicas poderão ser tomadas a partir do percurso regular de persecução judicial.

III- DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pela Representante, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, sem prejuízo de análise pela Justiça Comum de eventual excesso de falas e/ou condutas que possam ultrapassar a esteira da pluralidade política.

 

 

Nessa mesma linha é o posicionamento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, em trecho que transcrevo:

Deve-se assentar, inicialmente, que se encontra insculpida no artigo 38 da Resolução TSE no 23.610/2019, norma principiológica pela qual a “atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático.

(...)

Deveras, cuidam-se de opiniões do Recorrido que não estão a indicar veiculação de conteúdo sabidamente inverídico ou errôneo. Temos, então, que não houve rompimento da margem própria dos acalorados “debates eleitorais” a justificar qualquer intervenção.

 

Dessa forma, as críticas, ainda que ácidas, são inerentes ao debate político, máxime porque a ora recorrente já foi Secretária Municipal de Turismo, Cultura, Desporto e Lazer, vereadora, e, atualmente, é candidata ao cargo de prefeita:

Eleições 2022 [...] Representações por propaganda irregular. Divulgação de notícias falsas. Não demonstrada. Quantidade excessiva de irregularidades graves. Inocorrência. Não caracterização do ilícito eleitoral [...] No ponto, não foi comprovado nos autos o contexto descrito na inicial de que a campanha dos ora recorrentes teria utilizado sua propaganda eleitoral no horário eleitoral gratuito e, também, nas redes sociais, para divulgar grave desinformação e notícias falsas prejudiciais a candidato adversário. O que se constatou foi apenas a veiculação, pelo candidato ora recorrente, de críticas, ainda que agressivas, próprias da disputa eleitoral.

(Ac. de 14/5/2024 no RO-El n. 060250020, rel. Min. André Ramos Tavares.)

 

Eleições 2022 [...] Propaganda eleitoral irregular. Art. 45 da lei nº 9.504/1997. Programação normal. Emissora de TV. Liberdade de expressão. Ilícito não configurado [...] 2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, a garantia da livre manifestação de pensamento não possui caráter absoluto, afigurando–se possível a condenação por propaganda eleitoral negativa no caso de a mensagem divulgada ofender a honra ou a imagem de candidato, partido ou coligação, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos. 3. A hipótese dos autos é distinta. A moldura fática do acórdão regional revela que as manifestações do agravado em programa de TV, transmitido em 8.9.2022, traduziram–se em reprodução de matéria amplamente divulgada em âmbito nacional sobre suposto superfaturamento do preço de remédios praticado durante a gestão do agravante em governo anterior, acompanhada de crítica que, ainda que ácida, não desborda do limite da liberdade de expressão [...] 5. A mera abordagem, em programa televisivo, de supostos fatos veiculados na imprensa envolvendo a gestão pretérita de candidato, enquanto agente político, não ultrapassa os limites da liberdade de imprensa e do direito à informação, sendo inerente ao debate político, logo não caracteriza propaganda eleitoral negativa. 6. Conflita com o Estado Democrático de Direito o estabelecimento de severas e automáticas restrições à liberdade de expressão com supedâneo no mero início do período eleitoral, impondo–se como regra assegurar a livre circulação de ideias, o debate sadio e a veiculação de críticas, ainda que ácidas e enfáticas.

(Ac. de 3/5/2004 no AgR-REspEl n. 060149544, rel. Min. Benedito Gonçalves.)

 

Eleições 2022 [...] Propaganda eleitoral negativa [...] a Corte regional compartilha do mesmo entendimento do TSE no sentido de que as limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação, sendo possível a divulgação de conteúdo restrito a críticas inerentes ao debate político, que não importe em ofensa à honra e à dignidade do candidato [...]”.

(Ac.de 19/2/2024 no AgR-AREspE n. 060144295, rel. Min. Raul Araujo Filho.)

 

 

Assim o é justamente porque a doutrina tem reconhecido que a tutela da honra de pessoas públicas ou que exerçam cargos públicos possui um caráter diferenciado em relação à análise dos limites da liberdade de expressão.

Dessa forma, tenho que, no vídeo de campanha “A verdade sempre prevalecerá”, o recorrido Antonio Pedro (Pepeca Bertazzo) apenas teceu considerações de cunho político, próprias do debate eleitoral. Ademais, o fato de o vídeo ter sido realizado nas proximidades da casa da recorrente não é conduta irregular, pois as imagens foram colhidas em local público, acessível a todos os candidatos da disputa.

Diante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, nos termos da fundamentação.