REl - 0600039-94.2023.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/11/2024 às 14:00

VOTO

Trata-se de recurso eleitoral interposto pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de CONDOR/RS e por seus dirigentes FABIO DE LIMA SCHIRRMANN e MURILO OLIVEIRA DE ANDRADE contra a sentença que julgou desaprovadas suas contas anuais relativas ao exercício financeiro de 2022, suspendeu o recebimento de quotas do Fundo Partidário e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional na importância de R$ 2.238,25, referente ao recebimento de recursos de origem não identificada, condenando o partido à penalidade de multa de R$ 223,83, correspondente a 10% das irregularidades constatadas (ID 45631650).

A sentença fundamenta-se em parecer técnico, o qual aponta o recebimento de recursos de origem não identificada, em razão de "resgates automáticos", no montante de R$ 2.010,07, em conta-corrente sem a contraparte no extrato bancário, e o recebimento de três depósitos, cuja soma importa em R$ 228,18, diretamente do diretório nacional da agremiação sem a identificação dos doadores originários (ID 45631644).

Preliminarmente, a Procuradoria Regional Eleitoral arguiu a (a) ausência de capacidade postulatória recursal de Fábio, na medida em que consumada a preclusão consumativa com o desatendimento da intimação do advogado para exibição da procuração no prazo assinalado, não sendo possível a convalidação do ato pela extemporânea juntada do instrumento de mandato (quinto dia útil após o término do prazo) (ID 45644923 e 45662546).

De outro lado, verifiquei, de ofício, (b) a nulidade absoluta do parecer exarado pela unidade técnica, em razão da inobservância à forma, pois, ao desatender os procedimentos técnicos exigidos pela Secretaria de Auditoria Interna (SAI) desta Corte, não realizou: (b1) a verificação do doador originário no Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA) referente ao depósito total de R$ 228,18 efetuado pelo diretório nacional e (b2) a conferência no exercício financeiro anterior dos investimentos bancários declarados, base econômica dos R$ 2.010,07 resgatados da conta-correte da grei municipal (ID 45647278 e 45655786).

Passo à análise das preliminares suscitadas.

(a) Quanto à falta de capacidade postulatória recursal de Fábio de Lima Schirrmann, entendo convalidada a irregularidade da representação processual com juntada do instrumento de mandato cinco dias úteis (14.6.2024, sexta-feira) após expirar o prazo assinalado (07.6.2024, sexta-feira), na medida em que se trata, em sede de processo de prestação de contas, de vício sanável nas instâncias ordinárias com a apresentação da procuração, mesmo que de forma extemporânea, na esteira do julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, Relatado pelo Exmo. Ministro Carlos Horbach:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS POR AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. INSTRUMENTO DE MANDATO ACOSTADO APÓS A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. FALHA SANÁVEL. REGULARIZAÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. A controvérsia posta nos autos cinge-se à possibilidade de se afastar o julgamento das contas como não prestadas pela ausência de instrumento de mandato para constituição de advogado, quando o candidato, embora intimado, regularizou sua representação processual apenas por ocasião da interposição do recurso eleitoral, posteriormente à publicação da sentença zonal.

2. Afasta-se, no caso, o julgamento das contas como não prestadas aos seguintes fundamentos: (i) o CPC/2015 ampliou as faculdades de saneamento de eventuais vícios formais mesmo nas instâncias superiores, priorizando o exame de mérito; (ii) a regularização tardia da representação processual, conquanto indesejável, não pode suplantar o exame das contas, inafastável - por ato de disposição voluntária do candidato - a apuração pela Justiça Eleitoral da escorreita destinação dos recursos empregados, sobretudo porque pode haver repasses de natureza pública; (iii) o julgamento das contas como não prestadas enseja penalidade extremamente gravosa à esfera jurídica do candidato, devendo incidir apenas nos casos em que efetivamente não houve apresentação das contas; (iv) o TSE aplica os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na apreciação das irregularidades apuradas em sede de prestação de contas; com mais razão, devem incidir os aludidos princípios no caso em que verificada falha meramente formal, cujo saneamento independe de análise técnica especializada; e (v) este Tribunal, no julgamento da Instrução nº 0600749-95/DF, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 23.12.2021, alterou a Res.-TSE nº 23.607/2019, revogando o § 3º do art. 74 da aludida norma - que impunha o julgamento das contas como não prestadas, na hipótese em que não há representação processual -, prevalecendo a orientação de que a ausência de instrumento de mandato não pode representar, irreparavelmente, a não prestação de contas. Conquanto o referido julgamento seja posterior ao regramento aprovado para as Eleições 2020, a evolução do pensamento desta Corte, aliada à circunstância de que o ora recorrente efetivamente regularizou sua representação processual nos autos da prestação de contas, ainda nas instâncias ordinárias, idêntica ratio decidendi deve ser aplicada neste caso.

3. Embora suscitada por ocasião dos embargos de declaração, não há como conhecer da alegada existência de mandato tácito, pois, ainda que se cogitasse a aplicação do art. 1.025 do CPC/2015, mediante reconhecimento de prequestionamento ficto, na espécie: (i) o recorrente deixou de apontar, nas razões do recurso especial, a omissão da Corte de origem no enfrentamento da questão; (ii) para concluir pela efetiva indicação de advogado representante na ficha de qualificação apresentada pelo prestador de contas, seria necessário revolvimento do acervo probatório dos autos por se tratar de premissa fática não explicitada no acórdão regional (Súmula nº 24/TSE). Reconhece-se, de outro lado, prejudicado o exame da tese aventada.

4. Recurso especial parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, a fim de que, afastada a irregularidade da representação processual, julgue as contas do candidato, ora recorrente.

(TSE - REspEl nº0600306-66, Ministro Carlos Horbach, Publicação: DJe, 17/06/2022, grifei)

Dessarte, rejeito a preliminar e recebo o recurso também em relação ao recorrente Fábio.

De outra senda, constatei (b) vício de forma no parecer conclusivo exarado pela Zona Eleitoral, visto que, ao deixar de observar normas técnicas de análise da Secretaria deste Tribunal, não efetuou a conferência (b1) na contabilidade do diretório nacional, através do Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), do doador originário de três depósitos de R$ 76,06 cada, no montante total de R$ 228,18, efetuados nas datas de 12.9.2022, 13.10.2022 e 08.11.2022, (b2) nas contas do exercício financeiro anterior dos investimentos bancários declarados, base econômica dos R$ 2.010,07 resgatados da conta-correte da grei municipal (ID 45647278 e 45655786).

Entendo que, em decorrência do interesse público e dos princípios que norteiam as prestações de contas dos partidos políticos, o exame da demonstração financeira das agremiações  realiza-se não somente com base nas informações fornecidas pelas legendas e escrituradas nas contas, mas também (e fundamentalmente) por registros e dados eletrônicos contidos em bases de acesso da Justiça Eleitoral, não estando limitado e restrito à análise da documentação juntada aos autos, conforme disposto no art. 36 da Resolução TSE n. 23.604/19.

Sobre recursos percebidos de órgãos nacional ou estadual pela direção municipal da agremiação (b1), a norma técnica dispõe que, para constatar o doador originário, o examinador necessita consultar o Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA), no módulo "SPCA Cadastro", referente à contabilidade do ente partidário que repassa o recurso.

Nesse sentido, reproduzo os termos da instrução técnica contida na intranet desta Corte: "A principal fonte de informação é o extrato bancário com a verificação da contraparte do crédito correspondente ao CNPJ do Partido Nacional. A informação do doador originário deverá ser verificada no SPCA Cadastro" (https://csi.app.tre-rs.gov.br/SAI/servicos/2904 e https://csi.app.tre-rs.gov.br/SAI/servicos/2890).

Ressalto que, neste caso, não se adotou o procedimento recomendado, pois, de fato, o doador da quantia de R$ 228,18 é Paulo Klaiton Garcia Germano, CPF 834.067.860-49, conforme consulta no "SPCA Cadastro" e no "demonstrativo de transferências de recursos a partidos e a candidatos" afeto ao processo de contas do diretório nacional do partido (ID 159273920, p 561, 2.052 e 3.463 do Processo PC-PP 0600435-13.2023.6.00.0000, em tramitação no egrégio TSE, no PJe de 3º Grau).

De outra sorte, quanto aos resgates automáticos de aplicação em conta-corrente no total de R$ 2.010,07 (b2), é de conhecimento público, e o próprio banco Banrisul informa, que tais receitas, quando existentes, decorrem de: "Operação pré-fixada, que acolhe aplicações/resgates automáticos dos valores residuais da conta corrente autorizada (Sistema de Investimentos Automáticos) e rentabiliza estes recursos de acordo com uma remuneração e prazo definido na contratação" (https://www.banrisul.com.br/bob/link/bobw05hn_conteudo_detalhe2.aspx?secao_id=1671#:~:text=Conceito%3A,e%20prazo%20definido%20na%20contrata%C3%A7%C3%A3o.).

Ou seja, os recursos já estavam disponíveis em conta, e a simples análise do extrato bancário do exercício anual anterior bem demonstra a origem do valor.

Efetivamente, a partir da consulta pública ao site desta Justiça Especializada, noto que a sigla encerrou o exercício financeiro de 2021 com saldo em aplicação financeira de R$ 1.934,26 no Banco Banrisul SA, consoante balanço patrimonial, código da conta 1.1.1.2.03.0001, (disponível em: https://consultaunificadapje.tse.jus.br/consulta-publica-unificada/documento?extensaoArquivo=application/pdf&path=pje1g/rs/2022/10/10/16/19/53/0b04fadebf8365f8bde9dd6f850cf1da60d62016d24f1867cf8f93f252fdda25).

Ao mesmo passo, verifica-se aplicação automática (sem resgate) no montante de R$ 1.015,39, em 06.5.2021, conforme extrato eletrônico (disponível em: https://divulgaspca.tse.jus.br/#/divulga/localidades/2021/RS/MZ/partidos/86118/partidoDetalhe/13/contasBancariasPrestador/18913).

Logo, por inobservância da forma exigida e determinada por este Tribunal, entendo que o exame técnico padece de nulidade absoluta passível de reconhecimento de ofício e a qualquer tempo, e que tal vício contaminou a sentença, conduzindo ao raciocínio equivocado pela desaprovação das contas, sendo manifesto o prejuízo sofrido pelos recorrentes.

Contudo, considero que o feito se encontra em condições de imediato julgamento e que esta Corte pode decidir desde logo o mérito, pois as informações desconsideradas pelo examinador são públicas (art. 1.013, § 3°, inc. IV, CPC). Pelo mesmo motivo, indefiro pedido recursal de renovação do exame técnico, uma vez que sua repetição é desnecessária para o deslinde do feito, consoante art. 370, parágrafo único, do CPC.

Ademais, aplico ao caso o disposto no art. 282, § 2º, do CPC, o qual estabelece: "Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta" (teoria da causa madura).

Por conseguinte, na forma da fundamentação supra, reconheço comprovada a origem dos recursos inquinados, declaro sanadas as irregularidades apontadas no parecer técnico exarado pela unidade técnica perante o Juízo da Zona Eleitoral e, consequentemente, entendo por reformar a sentença para aprovar as presentes contas sob o fundamento do art. 45, inc. I, da Resolução TSE n. 23.604/19, bem como para revogar as penalidades de recolhimento de valores ao erário, de multa e de suspensão de repasses de recursos do Fundo Partidário impostas em decorrência do exercício financeiro de 2022 ao Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores no Município de Condor/RS.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, declaro a nulidade da sentença e dou provimento ao recurso para aprovar as contas relativas ao exercício financeiro de 2022 apresentadas pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) de CONDOR/RS e por seus dirigentes FABIO DE LIMA SCHIRRMANN e MURILO OLIVEIRA DE ANDRADE, afastando a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e a sanção de multa.