PCE - 0603241-70.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

Trata-se da prestação de contas do candidato MARCELO PITOL, relativa às eleições de 2022, ao cargo de deputado estadual.

A Secretaria de Auditoria Interna – SAI, desta Corte, elaborou exame inicial da contabilidade, e o prestador apresentou prestação de contas retificadoras. Em parecer conclusivo, o órgão técnico contábil apontou irregularidades relativas à (1) utilização de recurso de origem não identificada - RONI (dívida de campanha); (2) ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC; e (3) ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP.

À análise.

1. Recurso de origem não identificada (dívida de campanha)

No ponto, transcrevo excerto do percuciente parecer conclusivo:

Com base nos procedimentos técnicos de exame e na análise dos extratos bancários eletrônicos, disponibilizados pelo TSE, assim como na documentação apresentada nesta prestação de contas, foi constatado o recebimento e utilização de Recursos de Origem Não Identificada, quando da emissão do Relatório de Exame de Contas ID 45450731:

3.1 Há dívidas de campanha declaradas na prestação de contas decorrentes do não pagamento de despesas contraídas na campanha, no montante de R$ 317.292,90(ID 45231601), não tendo sido apresentado(s) o(s) seguinte(s) documento(s), conforme dispõe o art.33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE nº 23.607/2019:

. autorização do órgão nacional para assunção da dívida pelo órgão partidário da respectiva circunscrição;

. acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

. cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo e

. indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

Cabe ressaltar que foi juntado ao processo solicitação de assunção de dívida, por parte do Diretório Regional do União Brasil do Rio Grande do Sul (ID 45231569/45454480).

 

O prestador argui a inexistência de captação de recursos de origem não identificada, e enfatiza que as dívidas decorreram do descumprimento no repasse de valores por parte da agremiação pela qual concorreu. Refere a anuência do diretório estadual ao termo de confissão de dívida, que, diga-se, foi juntado aos autos (ID 45231569).

Contudo, friso que a legislação de regência exige, para formalização da assunção de dívida pelo partido, os documentos estatuídos no art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 33. Partidos políticos e candidatas ou candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

(...)

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º ; e Código Civil, art. 299) .

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

(...)

Julgo, portanto, inequívoca a configuração da irregularidade, no montante de R$ 317.292,90, ainda que o valor apontado como irregular não esteja sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional. Com efeito, o Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que as dívidas de campanha consistem em categoria com regulamentação específica, que não prevê o recolhimento de valores em caso de infringência, restringindo-se o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 a estabelecer a possibilidade de desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Nesse sentido:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DÍVIDA DE CAMPANHA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DA QUANTIA AO ERÁRIO. REJEIÇÃO DAS CONTAS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Trata-se de recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MS que desaprovou as contas de candidato ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018. 2. Na origem, o TRE/MS, por unanimidade, concluiu haver irregularidades graves na prestação de contas, notadamente dívidas de campanha no montante de R$ 110.422,50 (cento e dez mil, quatrocentos e vinte e dois reais e cinquenta centavos), que não foram assumidas pelo órgão partidário nacional. No entanto, deixou de determinar a devolução deste valor ao Tesouro Nacional, por não considerar que se tratasse de utilização de recurso de origem não identificada. 3. O Ministro Relator propõe que se acolha a tese suscitada no recurso especial do Ministério Público, para além da desaprovação das contas, determinar-se ainda a devolução ao Tesouro Nacional da quantia referente às dívidas de campanha, pelos seguintes fundamentos: (i) a infringência ao art. 35 da Res.-TSE nº 23.553/2017 impede que a Justiça Eleitoral controle a regularidade da movimentação financeira do candidato, logo o pagamento das despesas, se realizado, será com recurso cuja origem não estará comprovada nos autos da prestação de contas; e (ii) à luz da interpretação sistemática da legislação, é devido o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor referente aos débitos de campanha não quitados e não assumidos pelo partido político, porque não comprovada a procedência das verbas a serem futuramente utilizadas, caracterizando-as como recurso de origem não identificada. 4. Contudo, observo que não há respaldo normativo para determinar o recolhimento de dívida de campanha ao Tesouro Nacional como se de recursos de origem não identificada se tratasse. 5. Isso porque (i) a assunção da dívida pelo partido não é um procedimento obrigatório e, tampouco, afasta a possibilidade de que o candidato obtenha diretamente os recursos para quitar as obrigações junto aos fornecedores; (ii) incabível considerar como de “origem não identificada” recursos que sequer foram captados, pois significaria, em última análise, impedir o candidato de quitar a obrigação pela qual responde pessoal e individualmente; e (iii) a medida apenas agrava o problema detectado pelo Relator, pois o candidato terá que duplicar o esforço de arrecadação de recursos junto a fontes não controladas pela Justiça Eleitoral, para além de pagar fornecedores, realizar o recolhimento ao Tesouro. 6. Com essas considerações, divirjo do voto do Ministro relator, para negar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral. (TSE; REspEl 0601205–46/MS; Redator para o acórdão: Min. Luís Roberto Barroso, sessão de 8.2.2022) Grifei.

 

Trata-se de posicionamento acolhido neste Tribunal para as Eleições de 2022, consoante julgamentos ocorridos na sessão de 09.12.2022: PCE n. 0603217-42.2022.6.21.0000; Relator: Des. Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle, e PCE n. 0602652-78.2022.6.21.0000; Relator: Des. Caetano Cuervo Lo Pumo.

2. Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

No tocante à irregularidade na comprovação dos gastos com recursos do FEFC, o órgão técnico deste Tribunal, em exame das contas, apontou irregularidades em montante de R$ 317.292,90. Após análise das contas retificadoras, o prestador logrou reduzir o total irregular para R$ 57.219,17.

Conforme o parecer conclusivo, os extratos bancários não identificam o fornecedor beneficiário dos pagamentos, revelando desatenção às formas de quitação de despesas eleitorais estabelecidas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Os gastos considerados irregulares constam da seguinte tabela elaborada pelo órgão técnico (ID 45555580):

 

O candidato, visando sanar as irregularidades, detalhou as atividades executadas e a justificativa do preço pago, requisitos do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, ausentes ou incompletos nos contratos firmados com os prestadores de serviço.

No entanto, os dados complementares, ainda que necessários, não suprem a ausência de comprovação de que os valores pagos com recursos públicos foram, efetivamente, destinados aos contratados - prova possível, por exemplo, com a apresentação da microfilmagem de cheques utilizados para pagamento, preenchidos de modo nominal e cruzado.

Assim, ausentes elementos que elucidem o beneficiário dos pagamentos realizados com recursos oriundos do FEFC, o montante de R$ 57.219,17 caracteriza verba pública aplicada irregularmente, impondo-se o recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP

Na mesma prática indicada do item anterior, o prestador incorreu ao utilizar R$ 8.201,59 dos recursos do Fundo Partidário, ou seja, deixou de observar as formas prescritas para quitação dos gastos eleitorais, resultando na impossibilidade de verificação da identidade entre o prestador de serviço e o beneficiário do recurso.

Para a espécie de verba, as operações irregulares foram as seguintes:

Portanto, a quantia de R$ 8.201,59 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, por determinação do art. 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/19.

Por fim, destaco que o somatório das irregularidades, no valor de R$ 382.713,66 (R$ 317.292,90 + R$ 57.219,17 + R$ 8.201,59), representa 173% dos recursos declarados pelo prestador (R$ 220.721,05), impondo-se a desaprovação das contas.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas de MARCELO PITOL, candidato ao cargo de deputado estadual, e determino o recolhimento do valor de R$ 65.420,76 (R$ 57.219,17 + R$ 8.201,59) ao Tesouro Nacional, em razão de gastos irregulares com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos – FP, nos termos da fundamentação.