REl - 0600381-45.2024.6.21.0059 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/11/2024 00:00 a 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a petição inicial narra que ELISETE NOELI TOEBE e outras pessoas disseminaram fatos descontextualizados ou de “veracidade duvidosa” na internet, em desfavor do candidato Rafael Bortoletti Dalla Nora, atribuindo-lhe a prática de crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra mulher, com o objetivo de prejudicar sua imagem e influenciar negativamente o processo eleitoral, consoante URLs e prints acostados aos autos (ID 45759698, fls. 2-4).

Nas postagens, a recorrente divulga a informação de que “Rafael Bortolletti responde a processo criminal de divulgação de cenas de estupro” e que “Rafael Bortoletti do PSDB de Viamão gosta de bater em Mulher” e “gosta de ofender mulher”, bem como noticia que o candidato está sendo processado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos autos do processo n. 5016053-91.2020.8.21.0039.

Apesar das publicações terem origem em postagens realizadas em outros sites, elas ultrapassam os limites da liberdade de expressão e da crítica política ao atingir diretamente a honra do então candidato, imputando-lhe comportamentos caracterizados como crime contra a liberdade sexual e como violência contra a mulher.

As divulgações não se limitam a reproduzir a mera notícia de tramitação de um processo em desfavor do candidato, mas, em realidade, extrapolam os limites da liberdade de informação e de expressão ao difamar e caluniar o ora recorrido, com adjetivações aviltantes e colocando como verdadeiras a prática de infrações penais com motivações na condição de gênero das vítimas.

Ressalta-se que o processo em questão tramita em segredo de justiça e não se tem informações certas sobre o objeto da ação judicial ou sobre a existência ou o teor de eventuais denúncias ou de juízos condenatórios, de modo que as afirmações estão desguarnecidas de qualquer base fática conhecida que lhes garanta algum teor de veracidade.

Em seu recurso, a própria recorrente admite que não tem condições de demonstrar a autenticidade das imputações e dos qualificativos lançados contra o candidato, uma vez que o processo mencionado está sob sigilo.

Nesse ponto, o TSE já decidiu que “somente é legítima a utilização, contra outros concorrentes, de adjetivos cuja significação técnica insinue eventual prática de crime se e quando houver senão condenação judicial específica, ao menos acusação formal nesse sentido” (Representação n. 060068143, Acórdão, Relatora: Min. Maria Claudia Bucchianeri, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 28.10.2022).

Portanto, na hipótese, o ataque ao candidato, atribuindo-lhe a prática de violência contra a mulher e qualificando-o como alguém que “gosta de bater em mulher” e que “gosta de ofender mulher”, configura propaganda eleitoral difamatória e caluniosa, a partir de fatos incertos e descontextualizados, atraindo a penalidade disposta no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

Sobre o tema, o TSE assentou que, embora o dispositivo cuide da vedação do anonimato nas publicações feitas na internet, ele também se aplica às manifestações abusivas tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário, destacando-se o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2022. RECURSOS INOMINADOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/1997. ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO. 

1. O art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet - incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. Precedente. 

2. O entendimento veiculado na decisão monocrática se mostra passível de aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da anualidade, previsto no art. 16 da Constituição Federal, tendo em vista a circunstância de que a interpretação conferida pelo ato decisório recorrido não implica mudança de compreensão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, mas sim somente quanto à extensão da sanção aplicada, o que não apresenta repercussão no processo eleitoral nem interfere na igualdade de condições dos candidatos. 

3. Tratando-se de conduta já considerada ilícita pelo ordenamento jurídico, o autor do comportamento ilegal não dispõe de legítima expectativa de não sofrer as sanções legalmente previstas, revelando-se inviável a invocação do princípio da segurança jurídica com a finalidade indevida de se eximir das respectivas penas. 

4. O Plenário do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no julgamento do Recurso na Representação 0601754-50, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, analisando a matéria controvertida, estabeleceu diretriz interpretativa a ser adotada para as Eleições 2022, inexistindo decisões colegiadas desta CORTE que, no âmbito do mesmo pleito eleitoral, veiculem conclusão em sentido diverso. 

5. Recurso desprovido.

Recurso em Representação nº060178825, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/04/2024. (Grifei.)

 

Outrossim, a retirada do conteúdo após o ajuizamento da representação não elide a configuração do ilícito eleitoral e a sanção correspondente.

Uma vez consumada a irregularidade na propaganda, que gerou efeitos potenciais sobre a campanha eleitoral, considerando, em especial, o desvalor das atitudes que foram imputadas ao candidato, a imposição das sanções cabíveis deflui de modo impositivo da norma.

Nesse caso, a discricionariedade do julgador restringe-se à dosimetria da penalidade entre os limites mínimo e máximo legalmente estabelecidos, ante as peculiaridades do caso, não ensejando, porém, o afastamento da sanção.

No entanto, ao analisar o caso concreto, entendo que a penalidade fixada na sentença comporta redução.

As URLs indicadas na decisão que deferiu a tutela de urgência foram tempestivamente removidas pelo Facebook (ID 45759726) e pela ora recorrente (ID 45759747), de modo que não está configurado o descumprimento da ordem judicial nesse aspecto.

Embora existam notícias de que, posteriormente, Elisete tenha realizado outras publicações semelhantes àquelas, asseverando, em sua rede social, que “o tal abusador não compareceu na audiência, próxima Audiência 10.10.2024. Agora ele já é revel.”, dentre outras postagens (ID 45759775), não ocorreu a renovação dos mesmos conteúdos contemplados na decisão liminar que determinou a remoção de endereços eletrônicos específicos.

Ainda que seja clara a reiteração substancial das ofensas, então colocando ao candidato a pecha de “abusador”, como bem observou a douta Procuradoria Regional Eleitoral, a multa de R$ 15.000,00, fixada em primeiro grau, revela-se excessiva e desproporcional, haja vista o pequeno alcance das postagens (uma “curtida” e nove interações) e o fato de que Elisete é mera eleitora, sem maior poder de influência ou disseminação de ideias sobre o eleitorado.

Assim, a fixação de uma multa em elevado patamar, como a imposta inicialmente, não encontra respaldo quando o impacto das postagens é mínimo e não houve descumprimento específico da liminar, razão pela qual entendo que a penalidade deve ser reduzida para o quantitativo mínimo de R$ 5.000,00; cifra já bastante significativa e suficiente, no caso concreto, para a reprovação dos fatos, nos termos do que dispõe o art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reduzir o valor da multa para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97.