REl - 0600165-62.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/11/2024 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

No que tange à análise dos pressupostos de admissibilidade, trata-se de recurso tempestivo. A publicação da sentença no mural eletrônico da Justiça Eleitoral se deu em 23.09.2024, sendo o recurso interposto em 24.09.2024.

Outrossim, vislumbram-se presentes os demais requisitos hábeis à tramitação recursal.

Dessarte, conheço do recurso e passo à análise do mérito.

 

MÉRITO

Quanto ao exame de mérito, cabe inicialmente anotar que, tal qual se colhe dos autos, a parte recorrente pleiteia a reforma da sentença proferida pelo Juízo a quo, a fim de que os recorridos sejam condenados a retirar vídeo com críticas ao governo municipal, e a condenação por multa, em virtude do impulsionamento, na internet, de propaganda eleitoral negativa.

A representação do ora recorrente narrou que o candidato MARCIANO PERONDI impulsionou propaganda eleitoral negativa na rede social Facebook na data de 28.09.2024, consistente em vídeo contendo críticas à gestão do município, com o seguinte texto:

O que fazemos com o nosso lixo diz quem somos enquanto cidade. Pelotas está atirada, abandonada, tem lixo por tudo, lixo jogado nas ruas, entupindo bueiros. Temos esgoto a céu aberto. Jogado sem tratar. Praticamente todo esgoto é jogado no Canal São Gonçalo que vai para a nossa Praia do Laranjal. É um paradoxo da Administração Pública, ser tão exigente com alvarás, direito ambiental para quem quer produzir e ser tão relaxada com relação ao nosso lixo, não adianta culpar a população, é uma questão de insistência, de cultura. Cata, junta, espalharam, junta de novo. Reforça nas escolas, nas associações de bairro. Pega uma vassoura, faz mutirão, contrata mais gente. Ah, e eu nem falei do impacto para a saúde das pessoas, para o turismo, etc. Isso eu vou falar no outro vídeo.

[...]

 

Com efeito, regulando a matéria, dispõe a Lei n. 9.504/97:

Art. 57-C. Na internet, é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

[...]

§ 3o O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

 

Por sua vez, a Resolução TSE n. 23.610/2019, estatui:

Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV):

[…]

§ 7º-A. O impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura, partido político ou federação que o contrate, sendo vedado o uso do impulsionamento para propaganda negativa. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

 

Impende observar que o conteúdo impugnado contém crítica política albergada pela liberdade de expressão, que protege o direito de expressar opinião, convicção, comentário, avaliação, crítica ou julgamento sobre qualquer assunto ou qualquer pessoa, sobretudo aquelas que ocupam cargos públicos e, bem por isso, não se subsome às proscrições da Lei Eleitoral. As críticas políticas, ainda que duras e ácidas, mas ancoradas em fatos certos, públicos e notórios, estimulam o debate sobre pontos "fracos" da administração pública e levam à reflexão da população, para que procure entre os possíveis competidores a melhor proposta para a comunidade.

Nesse sentido, traz-se a lume os seguintes excertos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

“[...] Representação. Liminar. Propaganda eleitoral negativa. Internet. Impulsionamento. Violação. Art. 57–C da Lei nº 9.504/1997. Não ocorrência. Temas de interesse político–comunitário. Interferência mínima no debate democrático. Indeferimento da liminar. Referendo. [...] a publicidade impugnada se limita a tratar de temas de interesse político–comunitário, como a inflação, o desemprego, a política de armamento e de educação de jovens mediante a comparação de fatos e realizações entre os governos dos adversários políticos, dentro dos limites do debate democrático. 3. Apesar de o nome do candidato Jair Bolsonaro ser mencionado no programa divulgado, a mera comparação de propostas e resultados de governos opostos, com relação a temas de interesse político–comunitário, não aparenta ser suficiente para caracterizar propaganda eleitoral negativa vedada no impulsionamento de conteúdo. [...]”(Ac. de 30.9.2022 no Ref-Rp nº 060123745, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino.) Grifei.

“[...] Presidente da República. [...]. Alegação de propaganda eleitoral paga na internet. Art. 57-C, § 1º, inciso I, da Lei n° 9.504/1997. Análises financeiras e projeções envolvendo cenários políticos. Utilização da ferramenta Google Adwords . Não configuração de propaganda eleitoral irregular. 1. No caso específico, é legítima a divulgação de análises financeiras, projeções econômicas e perspectivas envolvendo possíveis cenários políticos sem conteúdo de propaganda eleitoral irregular, razão pela qual não há infração ao art. 57-C, § 1°, inciso I, da Lei n° 9.504/1997. 2. Consideradas as circunstâncias do caso concreto, não cabe à Justiça Eleitoral tutelar o mercado de ideias ou intervir em matéria de livre opinião no que tange à divulgação regular de análises econômicas envolvendo cenários políticos possíveis e sem caráter de propaganda eleitoral. […]” (Ac. de 19.8.2014 na Rp nº 84975, rel. Min. Admar Gonzaga, red. designado Min. Gilmar Mendes.) Grifei.

 

Por sua vez, lê-se na sentença ora recorrida:

[...]

… O conteúdo impugnado não se configura como ataque direto à atual administração, mas sim como uma manifestação legítima sobre problemas enfrentados pela coletividade. O debate público sobre esses temas é não apenas esperado, mas desejável em um contexto eleitoral. A crítica à gestão pública não pode ser considerada irregular, conforme sustentado no parecer do Ministério Público, que conclui que a propaganda em questão não veicula conteúdo negativo em relação a adversários. A menção a questões de limpeza e saneamento reflete uma discussão sobre a situação da cidade, e não um ataque a candidatos ou coligações adversárias.

[…]

 

De tal modo, com a devida vênia à manifestação esposada pelo eminente Procurador Regional Eleitoral, e acompanhando a linha do exposto na sentença exarada pela Magistrada da 34ª Zona Eleitoral de Pelotas, entendo que a exibição de conteúdo que aborda problemas públicos, como o lixo acumulado nas ruas e o esgoto a céu aberto, consiste em crítica geral à Gestão Pública, perfazendo-se em problema que afeta a coletividade, não se configurando propriamente em propaganda negativa no sentido estrito, ou seja, de ataque direto a uma candidatura ou coligação adversária, visto que não há no conteúdo menção direta a adversários.

Questões relativas a limpeza e saneamento são temas de interesse da coletividade, e como tal não atingem diretamente a honra ou a imagem de candidatos, mesmo que da situação, tampouco extrapola os limites da crítica política comum em debates eleitorais, considerando-se que o debate público sobre tais temas é legítimo e esperado no contexto eleitoral, e a crítica de problemas enfrentados pela administração pública não pode ser, por si só, tida por irregular.

Vale ainda referir a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para destacar o posicionamento daquela Corte, assim contribuindo ao deslinde do caso em apreço, no sentido de que “A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” (ADI n 4439/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018).

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto COLIGAÇÃO POR TODA PELOTAS.