REl - 0600671-42.2024.6.21.0162 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/10/2024 00:00 a 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Inicialmente, em juízo de admissibilidade, constata-se que o recurso eleitoral em tela deve ser conhecido, pois é tempestivo, visto ter sido interposto em 02.10.2024, e a sentença, publicada no mural eletrônico da Justiça Eleitoral na mesma data.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal, passo à análise do mérito.

 

PRELIMINAR

Inicialmente, como bem ponderado no parecer exarado pela diligente Procuradoria Regional Eleitoral, no caso em tela, a finalização do pleito não acarreta a perda do objeto da demanda, visto que se extrai do pedido recursal o reconhecimento de eventual manifestação abusiva na propaganda eleitoral na internet, com disseminação de fato notoriamente inverídico ou gravemente descontextualizado tendente a atingir a honra ou a imagem do candidato ora recorrente.

Esses são os termos trazidos na Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitada às hipóeses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

(...)

§ 8º-A. A realização do pleito não acarreta a perda de objeto dos procedimentos em que se apure anonimato ou manifestação abusiva na propaganda eleitoral na internet, inclusive a disseminação de fato notoriamente inverídico ou gravemente descontextualizado tendente a atingir a honra ou a imagem de candidata ou candidato. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024).

Portanto, acolho a preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral para julgamento do mérito recursal.

 

MÉRITO

A controvérsia dos presentes autos está em analisar se as propagandas impugnadas pelo recorrente se constituem em propaganda irregular negativa ou disseminadora de desinformação, fazendo jus à remoção de seu conteúdo, amparada no § 1º do art. 38 da Resolução TSE n. 23.610/19, in verbis:

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

Ressai dos autos que os recorridos HELENA HERMANY e FABIANO RODRIGO DUPONT, então candidatos aos cargos de prefeita e vice-prefeito no Município de Santa Cruz do Sul, veicularam uma série de animações em vídeos no perfil do Instagram @helenafabiano11 (https://www.instagram.com/helenafabiano11/) e na página da rede social Facebook “Helena e Fabiano 11” (https://www.facebook.com/helenafabiano11), nominadas “Silva e Schneider Em: Moral de Cueca”. Os episódios identificados pelo recorrente em sua petição inicial seriam os seguintes:

Episódio 1 – “Buraco na Praça” (publicado em 17/09/2024):

https://www.instagram.com/reel/DAB71nnyCzJ/

https://www.facebook.com/helenafabiano11/videos/1976556306100223/

Episódio 2 – “Pobre Sérgio” (publicado em 18/09/2024):

https://www.instagram.com/reel/DAE2rUaxPio/

https://www.facebook.com/helenafabiano11/videos/1216919132891877/

Episódio 3 – “R$ 16.500,00” (publicado em 20/09/2024):

https://www.instagram.com/reel/DAJn16kSGYH/

Episódio 4 – “Picanha para Todos” (publicado em 21/09/2024):

https://www.instagram.com/reel/DAMi9KMRAaI/

Episódio 5 – “Se Lixando” (publicado em 25/09/2024):

https://www.instagram.com/reel/DAW-5M2xfEy/

O recorrente alega, em resumo, que a propaganda tem o claro intuito de degradar a sua imagem perante o eleitorado, além de trazer fatos descontextualizados e informações incompletas sobre manifestações e acontecimentos pretéritos relacionados ao recorrente, desinformando o eleitorado.

Como constou na sentença, vê-se que o caso dos autos não é de extrapolação do regular exercício da liberdade de expressão. Veja-se o trecho que reproduzo da decisão do Juízo a quo (ID 45749782):

(...)

Sabidamente, na marcha eleitoral são feitas propagandas com finalidades distintas; algumas para convencer eleitores indecisos, outras para modificar intenção de votos em oponentes e, ainda, aquelas que se prestam apenas para agradar apoiadores, ‘convertendo convertidos’.

As duas primeiras exigem conteúdo qualificado e aprofundamento, para se fazerem convincentes; a última, se autoriza apenas o cunho hilário, a repetição de questões consolidadas, o recurso a dogmas etc.

Assim, ausente suporte legal para a remoção.

No que diz respeito à obrigação de não fazer, para além de não ser dada a prática de censura prévia, a surrada assertiva popular “pregar moral de cueca” implica confrontação do que é dito com o que é praticado.

Não constituindo inverdade o fato referido, não desgarra, à partida, do natural embate eleitoral, a ser metabolizado no campo da política.

Associação das expressões “moral” e “sério” com o nome e sobrenome do representante não excede à ‘bricolage’ de palavras.

Ademais, se entender que valha a pena, nada impede o demandante de, nas suas redes sociais, fazer os contrapontos que entender pertinentes, reacomodando na órbita fática o que entende fora do lugar.

Esse espaço, para além da divulgação de propostas, de destacar feitos, conquistas e qualidades, também é próprio para refutar críticas políticas.

Em arremate, pontuo que por descontextualização não se pode entender qualquer miúda imprecisão, ausência de pormenores e hipervalorização de uma expressão em detrimento de outras.

Deve ser algo relevante, que inverta, desfaça, desnature a realidade, fazendo emergir ‘verdades’ paralelas.

{...}”

Em outras Representações, envolvendo os mesmos intervenientes processuais e, também, outros candidatos e coligações, dedilhei o posicionamento genérico deste Juízo, concernente às margens e profundidade em que pode ser travada a gesta de disputa eleitoral e quando se ultrapassam os aramados ou se desce aquém do piso ético, moral e de civilidade.

Conquanto puído, aos olhos de quem já as leu reiteradas vezes, trago as considerações pertinentes, uma vez mais.

No curso da marcha eleitoral, há de se prestigiar, reservando posição cimeira, à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, à livre circulação de ideias.

Somente cabe a interdição de manifestações quando implicarem ofensas à honra, na forma de calúnia, injúria e/ou difamação; à propagação a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência (Pacto de San Jose da Cota Rica – Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos); e, mais modernamente, diante da promoção de desordem informacional, provocando a irracionalidade das massas, manipulando-as, usando da tecnologia para descredibilizar instituições, atentando contra a integridade do sistema eleitoral de votação, conspirando contra o Estado Democrático de Direito.

Por divulgação de fatos sabidamente inverídicos, deve ser a conduta de colocar em xeque, consciente/dolosamente aqueles eventos notórios, com lastro científico, consolidados e sobre os quais não paire controvérsia razoável.

À evidência, não são os fatos dos quais discordamos, em relação aos quais elaboramos outra leitura ou que a eles entregamos um significado distinto.

A propaganda político-eleitoral está permeada pela dialética, pelo embate ideológico, pelo ponto e contraponto, pela crítica a gestões, pelo comparativo entre promessas e realizações, pela discussão dos predicados e debilidades dos concorrentes para as funções que pretendem ocupar.

A arena para metabolizar, dissolver as críticas políticas, mesmo as mais ácidas e contundentes é o palco dos debates e propagandas eleitorais e, portanto, se deve protegê-la, intervindo no menor grau possível, exceto, logicamente, quando desgarrarem dos limites antes enunciados.

(...)

Acertadamente, o Magistrado a quo, ao analisar o conteúdo das postagens, não verificou a existência de fato sabidamente inverídico, ofensivo à honra ou à imagem do candidato ou de conteúdo desinformativo que pudesse macular a normalidade do processo eleitoral. Houve, apenas, a ácida e contundente crítica com uso de humor satírico, o que encontra guarida no exercício da liberdade de expressão e de crítica política.

Registro, por oportuno, que o “caráter dialético imanente às disputas político-eleitorais exige maior deferência à liberdade de expressão e de pensamento, razão pela qual se recomenda a intervenção mínima do Judiciário nas manifestações e críticas próprias do embate eleitoral, sob pena de se tolher substancialmente o conteúdo da liberdade de expressão" (AgR- RO n. 758-25/SP, Rel. desig. Min. Luiz Fux, DJE de 13.9.2017).

A jurisprudência do TSE é no sentindo de que o debate eleitoral pode ser feito por meio da arte, do humor ou da sátira, devendo ser especialmente protegido, mesmo que seja desagradável aos olhos do criticado, como percebe-se ser o caso em tela. Destaco o seguinte julgado a exemplificar tal posição:

Inexistência de afirmação injuriosa, difamatória, caluniosa ou sabidamente inverídica. Direito de crítica próprio da liberdade de expressão.

1. As opiniões e críticas, ainda que reputadas ofensivas, irritantes ou desabonadoras são indistintamente alcançadas pelo direito à liberdade de expressão, cujo exercício protege tanto quem se manifesta em conformidade como quem se exprime em desconformidade com o ponto de vista paradigmático.

2. As sátiras de caráter político e críticas humorísticas estão compreendidas, prima facie, no campo da liberdade de expressão, por mais ácidas, jocosas ou graves que possam parecer.

3. No período eleitoral, aqueles que se propõem a representar a sociedade devem aceitar, compreender e dar tratamento às críticas a eles dirigidas de forma mais acentuada que um cidadão comum, na medida em que a circulação de ideias revela-se essencial para a configuração de um espaço público de debate e, por conseguinte, para a própria conformação do Estado Democrático de Direito. (TSE - Rp: n. 06009805920186000000 Brasília/DF, Relator: Min. Carlos Bastide Horbach, Data de Julgamento: 02/09/2018, Data de Publicação: PSESS - Mural eletrônico - 03.9.2018).

Portanto, a sentença recorrida não merece reforma, pois está em consonância com a jurisprudência eleitoral e com a legislação vigente, restando evidenciado que as publicações nas redes sociais dos recorridos, não caracterizaram veiculação de propaganda eleitoral negativa ou desinformativa, mas, tão somente, conteúdo crítico externado com adoção de características de humor e sátira, o que encontra respaldo na proteção à liberdade de expressão.

Ante todo o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por SÉRGIO IVAN MORAES.