REl - 0600051-33.2024.6.21.0161 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/10/2024 às 14:00

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL

GABINETE DO MINISTRO VOLNEI DOS SANTOS COELHO 

 

 

REFERÊNCIA-TSE

: 0600051-33.2024.6.21.0161

PROCEDÊNCIA

: Porto Alegre -  RIO GRANDE DO SUL

RELATOR

: VOLNEI DOS SANTOS COELHO 

 

RECORRENTE: MANUELA PINTO VIEIRA D AVILA

RECORRIDA: ELEICAO 2024 SEBASTIAO DE ARAUJO MELO PREFEITO, COLIGAÇÃO ESTAMOS JUNTOS, PORTO ALEGRE

 

REFERÊNCIA-TRE          :

 

 

VOTO

 

O recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade, de modo que merece conhecimento.

No mérito, a recorrente MANUELA PINTO VIEIRA D AVILA, em 09.10.2024, em seu perfil da rede social Instagram, publicou postagens que ensejaram representação ajuizada pelo ofendido, e teve contra si a determinação de retirada imediata do conteúdo, ainda em sede liminar, pois o Juízo de origem entendeu a publicação como ofensiva e sabidamente inverídica, nestes termos:

A partir da visualização do link informado na peça inicial, evidenciado haver, com vênia à representada, a publicação de manifestação sabidamente inverídica, o que atrai a aplicação da Resolução TSE nº 23.610/19, a partir da combinação do disposto no seu art. 28, §6º, com a definição que se extrai do art. 27, §1º.

Em que pese se tratar de manifestação espontânea de pessoa natural (a página do Instagram é pessoal da representada, e não de partido, coligação ou federação), ganha contornos de propaganda eleitoral, na forma prevista no §6º do art. 28 da Resolução TSE nº 23.610/19, pois extrapola os limites definidos no já citado §1º do art. 27 da Resolução.

Sobre a questão, dispõem as citadas normas:

Art. 28. (…)

§ 6º A manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidata, candidato, partido político, federação ou coligação, não será considerada propaganda eleitoral na forma do inciso IV do caput deste artigo, desde que observados os limites estabelecidos no § 1º do art. 27 desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 )

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021) (grifiei)

Com efeito, a livre manifestação do pensamento não se mostra como direito absoluto, cumprindo ser exercida nos limites da norma eleitoral antes referida, que veda a ofensa à honra ou imagem de candidato ou candidata, bem como a divulgação de fato sabidamente inverídico.

Reitero, aqui, o quanto já referi por ocasião da decisão em que concedi a antecipação da tutela (ID 124545753), uma vez que a argumentação trazida na linha da defesa da representada em nada alterou a percepção desde então extraída do conteúdo em exame:

"A postagem, em primeira análise, se refere ao prefeito, como "acusado no envolvimento de escândalo de corrupção". A associação da mensagem ao representante parece evidente, seja porque é ele o atual prefeito, seja porque, no cotejo com as demais publicações semelhantes anexadas ao corpo da inicial, a crítica é direta ao representado, embora, nesses outros dois casos, sem qualquer conteúdo difamatório ou sabidamente falso.

É notório que, nesse momento, o atual prefeito e candidato a reeleição Sebastião Melo não é formalmente acusado da qualquer ato de corrupção praticado na sua gestão. A referência à existência de investigações sobre a prática de atos de corrupção ou malversação de recursos públicos na Secretaria de Educação de Porto Alegre, ocorridos na atual administração, é fato notório, e portanto pode ser explorado por seus adversários. Não se está interditando, em absoluto, o debate político-eleitoral desse tema. O que é vedado é veiculação de fato sabidamente inverídico – o fato de o Prefeito, ora candidato, ser acusado de atos de corrupção é inverídico. (grifos meus)"

Assim, a solução é a ratificação da liminar, com a manutenção da remoção, agora em caráter definitivo.

Ou seja, a decisão centrou o julgamento de procedência no entendimento de que o que é vedado é veiculação de fato sabidamente inverídico – o fato de o Prefeito, ora candidato, ser acusado de atos de corrupção é inverídico.

As publicações consistem em críticas evidentes ao Prefeito Sebastião Melo, candidato à reeleição:


 

A recorrente alega que a publicação impugnada não afirmaria que o prefeito é réu, nem que é denunciado pelo Ministério Público e muito menos o chama de corrupto. Aduz que, caso se admitisse que o termo “acusado” não é juridicamente adequado ao caso, tal terminologia seria, no máximo, uma incorreção material.

Com razão a recorrente.

Da visualização das postagens não se vislumbra a acusação de atos de corrupção diretamente ao Prefeito Sebastião Melo, mas refere “corrupção na educação”, fato indiscutível pois de domínio público.

O recurso indica os periódicos que noticiam o assunto:

"https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/rosane-de-oliveira/noticia/2024/07/advogado-de-suspeito-de-fraudes-na-smed-menciona-possivel-envolvimento-de-melo-e-pede-que-caso-seja-julgado-pelo-tribunal-de-justica-clyz1u8j200bl01436q1pntzi.html”.

“https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/reportagem-matinal/mari-pimentel-houve-fraude-na-smed-e-prefeitura-tentou-barrar-informacoes-na-cpi/?utm_source=Assinantes&utm_campaign=1278f5ceaf-EMAIL_CAMPAIGN_2024_01_10_10_16_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_-617157c31b-%5BLIST_EMAIL_ID%5D&mc_cid=1278f5ceaf&mc_eid=fa3556ace9”.

A d. Procuradoria Regional Eleitoral desenvolveu análise percuciente em parecer de lavra do Procurador Auxiliar Alexandre Amaral Gavronski, do qual transcrevo excertos que acresço às razões de decidir, a fim de evitar tautologia:

(…)

Conquanto não seja mesmo absoluta, impõe-se considerar nesta causa e em qualquer outra relacionada à livre expressão do pensamento que se trata de um direito fundamental (art.5º, IV, CF) reconhecido pela Corte Constitucional como indispensável para o funcionamento do sistema democrático. Disso decorre o dever do Poder Judiciário interpretar restritivamente qualquer disposição normativa destinada a restringi-la, especialmente uma constante de resolução do TSE.

Por outro lado, na análise do recurso interposto para a reforma da sentença, também se impõe considerar que na “norma eleitoral antes referida” invocada pelo magistrado de primeiro grau para embasar o julgamento de procedência – isto é, a Res. TSE n. 23.610/19 – existe dispositivo especificamente aplicável ao caso que não foi sequer referido na sentença:

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J) . § 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

É à luz da regra de liberdade definida pelo direito fundamental e do princípio da menor interferência possível no debate democrático que os dispositivos da resolução invocados pelo magistrado devem ser interpretados. Lê-se neles:

 

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A) . ( Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020 ) § 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021) Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV) : (...) § 6º A manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidata, candidato, partido político, federação ou coligação, não será considerada propaganda eleitoral na forma do inciso IV do caput deste artigo, desde que observados os limites estabelecidos no § 1º do art. 27 desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

De tudo se conclui que a remoção pela Justiça Eleitoral do conteúdo da internet depende da caracterização da afirmação como “fato sabidamente inverídico”, expressão que necessariamente deve ser interpretada restritivamente. Por essa razão, o “sabidamente inverídico” deve conter uma “inverdade flagrante, que não apresente controvérsias”, como já decidiu recentemente essa Corte Regional com base na jurisprudência assentada pelo TSE.

Todo esse contexto normativo e as palavras adotadas na disciplina em análise - “fato” e “inverídico”, termos do mundo real e prático das pessoas comuns – tornam imprópria qualquer interpretação da Res. TSE n. 23.610 que se ampare em detalhes do tecnicismo jurídico ou em análise de autos processuais que não estão acessíveis ao público em geral. Não cabe, por isso, analisar se a afirmação objeto da representação é “fato sabidamente falso” sob a perspectiva do conceito jurídico de “acusado” ou da situação processual do candidato representante. A afirmação precisa ser analisada à luz da realidade fática da situação objeto da representação e sob a perspectiva da linguagem usual de leigos.

É à luz desses parâmetros que deve ser analisada a afirmação da representada de que o candidato autor da representação “é acusado de envolvimento no escândalo de corrupção”.

Em sua defesa, desde a contestação e com expressa invocação no recurso, a representada e recorrente invoca notícia que foi veiculada na GauchaZH, jornal tradicional e de grande circulação, no último mês de julho, como fonte que embasou sua afirmação(...)

Da matéria, extrai-se que um dos principais investigados, expressamente e por meio de seu experiente advogado, sustentou o envolvimento do Prefeito com as compras sob suspeita, o que pode facilmente ser entendido, em termos leigos - como esperado de postagem de eleitora leiga em Direito dirigida para um público em geral também leigo - como uma acusação “de envolvimento no escândalo de corrupção”. Embora a inicial cite decisão judicial, proferida na mesma data da matéria, reconhecendo a ausência de indício de participação de MELO, tal circunstância não possui o condão de apagar do mundo dos fatos a “acusação” acima descrita e adentra numa análise jurídico-processual inacessível para os cidadãos comuns que tem direito de se manifestar livremente no processo democrático. Não se trata de afirmar que essa acusação (sentido lato, popular) do empresário é verdadeira ou fundada. Essa questão não é da competência da Justiça Eleitoral nem pode ser analisada juridicamente nesta causa. Se trata, apenas, de reconhecer que a acusação existiu, foi feita por pessoa diretamente envolvida no caso e formalizada em petição apresentada judicialmente por advogado de credibilidade afirmada na matéria veiculada em jornal de grande circulação. Esses elementos são suficientes para descaracterizar a afirmação da representada como “fato sabidamente inverídico”.

Em razão de todos os parâmetros antes definidos, para o fim de se identificar se essa afirmação feita pela cidadã não candidata em sua rede social é ou não “fato sabidamente inverídico”, descabe tomar o termo “acusado” sob a perspectiva técnico-jurídica, e sim sob a perspectiva do conteúdo semântico popular de “acusado de envolvimento”. Para tanto, a acusação não precisa provir do Ministério Público nem ter sido recebida num processo, bastando que se revista de um mínimo de consistência para justificar controvérsia sobre o fato. E esse mínimo se faz presente.

A postagem inquinada não menciona que o recorrido foi acusado “formalmente”, termo usado pelo magistrado a quo para fundamentar a ordem de remoção. A expressão “acusado de envolvimento”, veiculada na imagem, não significa, necessariamente, que o recorrido foi acusado no sentido técnico-jurídico, ou seja, que ele figura no polo passivo de ação penal pública movida pelo Ministério Público por meio de denúncia oferecida a Juízo Criminal, objetivando sua condenação por delito.

A despeito da evidente relevância para a solução da causa, na sua fundamentação, o magistrado de primeiro grau não considerou essa matéria, invocando uma análise jurídico-processual do caso a partir de referências dos autos, o que é incompatível com os parâmetros interpretativos antes definidos. Nesse contexto, a afirmação da representada no mínimo, apresenta controvérsia e não pode ser considerada “inverdade flagrante” ou, nos termos da norma, “fato sabidamente inverídico”, de modo que não se justificava a ordem judicial de remoção do conteúdo da internet, impondo-se, por isso, a acolhida da pretensão recursal para o fim de reformar a decisão que assim determinou, julgando-se improcedente a demanda.

 

Portanto, a mensagem divulgada na internet não carrega inveracidade flagrante a merecer a dura sanção de exclusão, determinada na sentença.

Destarte, imprescindível a reforma da sentença para julgar improcedente a representação.

Em face do exposto, VOTO no sentido dar provimento ao recurso, ao efeito de julgar improcedente a representação.